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Maarten Janssen, 2014-

PSCR1276

[1600]. Carta de Álvaro Vaz para Miguel de Castro, arcebispo de Lisboa.

SummaryO autor dirige-se ao Arcebispo de Lisboa, dando-lhe conta das injustiças que dizia ter sofrido perante a Inquisição, pedindo intervenção na restituição da sua honra e bom nome.
Author(s) Álvaro Vaz
Addressee(s) Miguel de Castro            
From S.l.
To Portugal, Lisboa
Context

A 30 de dezembro de 1600, o confessor e capelão das freiras do Mosteiro de Santos, em Lisboa, Manuel Pires Landim, entregou na mesa do Santo Ofício um maço de cartas que aparentemente lhe seriam dirigidas. No invólucro do maço de cartas, vinha o seguinte sobrescrito: “Ao senhor Manuel Pires beneficiado na igreja de Almada, Arcebispado de Lisboa. Ou ao padre frei Pedro Mártir no convento de São Domingos de Lisboa, meu senhor” (versão modernizada). Em certidão escrita no mesmo dia, afirma Manuel Pires Landim que este maço lhe foi dado pelo padre Simão Freire, sacristão do Mosteiro de Santos. Havia o referido maço sido entregue por uma Maria Dias, louceira, a mando de Francisco de Azevedo, morador em Almada, a quem, por sua vez, tinha sido entregue por Gaspar de Mendonça, também morador em Almada. Posteriormente, Gaspar Mendonça, cavaleiro fidalgo da casa do rei, explicou perante a mesa do Santo Ofício que um dia se tinha deslocado ao Mosteiro de São Domingos, onde viu o referido maço de cartas. Lendo o sobrescrito e atendendo a que era amigo de Manuel Pires Landim, encarregou-se de lhas fazer chegar pela via que foi descrita. Por sua vez, Manuel Pires Landim, numa audiência que ocorreu em 10-01-1601, declarou que nenhuma das cartas, em número de seis, lhe era realmente dirigida. A autoria delas era de um sacerdote chamado Álvaro Vaz, que ele havia conhecido há cerca de 15 anos, quando estudou em Coimbra. Segundo sabia, este Álvaro Vaz havia sido julgado e reconciliado pela Inquisição de Évora e estava agora fugido. Mencionou também que dois anos antes lhe tinham chegado às mãos outras cartas do mesmo género.As cartas contidas no maço são dirigidas a diversos destinatários, entre os quais o inquisidor-mor, o arcebispo de Lisboa, o arcebispo de Évora e outros conhecidos seus. Nelas sobressai uma marcada crítica aos procedimentos da Inquisição em Portugal. Este processo não apresenta conclusão e o seu seguimento reporta à diligência realizada pelo Santo Ofício em 1598, sobre o outro conjunto de cartas que Manuel Pires Landim mencionou.

Support duas folhas de papel escritas em ambas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 1584
Folios 6r-7v
Socio-Historical Keywords Tiago Machado de Castro
Transcription Tiago Machado de Castro
Main Revision Catarina Carvalheiro
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2013

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Ao Sõr Arcebispo de Lisboa E meu Sõr Ilustrissimo Snor

Dee nosso Snor a Vossa S espirito de verdadeiro e sancto pastor ao qual officio convẽ não espedacar, mas apascentar, dar vida, cöservar defender, e por a vida com o verdadeiro pastor Xpõ meu sor, per impedir tantos peccados mortaĩs de testimunhos falsos quantos se cometẽ ca dia nas casas da Inquisisão de Portugal ho qual tanto se alegra o in-ferno ,(como a fe nos ensina) e tanto festejão os Inquisidores (como a ex-periencia fes conhecer) q foi de scerta sciencia q servẽ as Inquisisões de Portugal de escolas pa ensinar judaismos, o heresias aquelles q não sabendo mais q ser christãos, erão mais catholicos q os Inquisidores, ho q testimunho e sei de certa sciencia, q oje dia trabalho de redusir almas a Xpõ meu sor, as quais elles laa nas Inquisisões perverterão, ou forão a causa de sua perversão, e perdisão. de modo q são as Inquisisões de Portugal alfandegas do inferno onde se se pagão aos demonios tributos de juramẽtos falsos, e testimunhos falsos, e tantos males se seguẽ, o qual an de pagar a Ds mui bem os Inquisidores, não ficando isentos de culpa hos q pelos Inquisidores indusidos, ou movidos de ameças ou per tormẽto, cometẽ as tais culpas, q isto sei de certa sciencia, q o anno q injustamẽte como Anas, Caiphas, e Pilates, injusta e falsamẽte derão cõtra mim sentẽça, matarão tres pesoas tormẽtos, foão mel Thomas escrevẽte de Evora, frco d oliveira de Villa viçosa, e outra pesoa de Serpa. E quãtos quantos testimunhos falsos forão queimados. Ds vee, e affirmo q sofre mais os hereges de Gineva, e Rochela do q lhe agrada a Inquisisão de Portugal. E ha VS pode escusar desculpa na morte de Xpõ nosso sor, os q podera excusar os Inquisidores da Inquisisão, e quer saber VS quanto q ameaçando me, e fasendome diser testimunhos falsos disião q assistia naquella mesa da Inquisisão o spirito s no q sei de certa sciencia q blasfemavão, porq o spirito sancto não pode assistir a falsidades, de modo q delles mesmos, per altos juisos de Ds, e pa perdissão sua, estao escondida a diabolica invenção q procedem. Eu lhe escrivi quatro vezes retratandome dos testimunhos falsos q ameacos de morte desestrada me fiserão diser, obedecendo ao preceito de meus cõfessores. VS pode ver a carta q a elles escrevo esta, e pesso q as mostre a mesa da consciencia, e aos snres guovernadores, e os desembargadores do passo e todos os doctores Theologos de Portugal e obrigo a todos per preceito de charidade christã mandem, e fação restituir, e restaurar a honra de Ds causarẽ tantos males a seu sacerdote; e escandalisarẽ os Catholicos cuidando aver caido sacerdote culpas hereticas e alem disto pa q outros per meu exẽplo não caiõ en culpas ou heresias, q falsamte me imposerão; e obrigo aos Inquisidores sob pena de maldição de Ds q me restituão toda a honra, e danos q causarão. Alegrese VmS q teve seu Bispado cõfessor e sacerdote q ainda q não tam dignamẽte, todavia legitimamẽte fasia seu officio no q a elle tocava, sempre tive intenção de celebrar, e cõsegrar, na missa, sempre tive intẽcão de absolver nas cõfisões, tanto q acõtesia per escrupulo repetir duas veses a forma d' absolvição, e assi seria eu absoluto a hora da morte polo cõfessor como tive sempre intenção de absolver e assi nos mais sacramẽtos q ministrei, e recebi pelo q pesso a VS e ainda obrigo mande publicar isto as terras de seu Bispado pa honra de Ds a a qual deve prevalecer mais q o credito dos inquisidores, e não os tema VS q isto he obrigação de direito natural, q tẽ força cõtra tudo ho positivo e digo mais q envejando o demonio as confissões invalidas, q pela pregação do Evangelho da na terceira dominga da quaresma, me vinhão a mão, e sabendo como Eu ẽcaminhava as almas, misit in cor eorum, ut traderer ego: vierãome cõfissões de dous annos; de anno; de sete, e de desoito, hũas per vergonha de culpas, outras per ignorancia de cõfessores, isto quis o demonio me pedir, mas Ds tirando de males, bens da a aprender diversas linguas pa q tendo Eu todo o mundo per aposento em diversas linguoas sirva a Ds q en hũa per ameassos dos Inquisidores ho offendi faça VS merce escrever e ẽcomendar ao prior da igreja de S Pedro de Torres Vedras q mande cõprir as dividas, e obrigações q lhe pesso pa ho qual mãdo dar algũ dinheiro. E esta fara VS merce mandar ao Sor Arcebispo de Evora pa q elle seu Arcebispado mande faser e publicar a mesma restauração q os Inquisidores são obrigados a faser, publicarẽ como injustamente fui preso, e cõdenado como ser de certa sciencia q forão tãtos de Evora, e outras partes. do q fiqua claro q todos os males seguintes de hũa falsidade forão injustamẽte causados, e faça VS merce mandar dar ordem q o meu patrimonio seja restitudo, per q não deve cousa algũa a Elrei, e quero q seja per ẽtretanto dado, e q o q se a Molher de Duarte pinto, e filha do Ldo Jorge Nunes de torres vedras não ouvera de deixar o sor Dom Luis de Portugal de ver e ajudar os filhos do doctor Lopo Vaz q lhe afirmo q forão sempre e são mais christãos q elle, e q he elle obrigado a pagar cõsciencia cento e setenta mil rs q a sra condessa devia a meu pai, e isto de dinheiro ẽprestado, ho qual he obrigado o sor Dom Luis a pagar a Diogo d oliveira meu cunhado e os theologos q outra cousa sentirẽ, não sentẽ bem na cõsciencia. O padre frei João de Portugal q ouvera elle mais de crer a experiencia de toda a vida do Doctor Lopo Vaz e seus filhos, q as falsidades causadas per invẽção e ameaços dos Inquisidores, os quais pa remedio de sua salvação tem necesidade de restituirẽ tambem honras, vidas, bens q per meios injustos, e illicitos forão causa, q fossem diminuidos, quãtos injustamẽte ensambenitarão, quãtos queimarão testimunhos falsos, q pa diser mõte, Mestre Alvaro surgião fui condenado e queimado trinta ou quarẽta testimonhas todas falsas, e he isto certo. Cuidavão os Inquisidores de acreditar sua Inquisisão comigo e não fiserão outra cousa q publicar ao mundo minha christandade, e manifestar, e faser notorio a todas as nações as falsidades e juramẽtos falsos q nas Inquisosões de Portugal cada dia se cometẽ, de q os Inquisidores darão a Ds a estreitissima conta q ha no mundo q se ganhẽ bispados a conta de destruir minha honra? a Ds deixo a vingança. O Sor Dom Theotonio de Evora não pagou bẽ a Roma pois retorno das verdades Catholicas q de Roma recebemos, elle lhe pagou livros ou cartapassios de testimunhos falsos, e de falsidades e mentiras q os Inquisidores fiserão diser; q chegão a festejar tãtos falsos testimunhos q ẽvolvendoos velludo carmesim lhe dão o proprio lugar q a igreja Sancta e mai minha, daa e ordem aos Evangelhos de Xpõ Jesu, pa serẽ publicados. Ds vee, aguarda, e dissimula q a VS de longa vida ã seu servisso, e sua gloria. porq per modos injustos causão os Inquisidores jurarẽ huns falso cõtra os outros per isso digo assima q injustamente ẽsambe-nitão, e queimão os mui Catholicos.

Criado Alvaro Vaz Ao Sõr Arcebispo de Lisboa E meu Sõr

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