Visualización por frase 1765. Carta de frei José de Lemos para frei Agostinho de Jesus Maria. Autor(es)
José de Lemos
Destinatario(s)
Agostinho de Jesus Maria
Resumen
Frei José de Lemos conta ao destinatário que certas mulheres de Salzedas andaram a dizer estarem possuídas por almas de defuntos, pedindo depois missas, romarias e esmolas aos parentes dos mesmos. O objetivo da carta era o de fazer chegar o aviso ao Tribunal do Santo Ofício.
Texto: Transcripción Edición Variante Normalización - Colores
[1]
J M J
Rmo Sr Fr Agostinho de Jhs Maria
[2]
Meu Irmão e Sr sempre da ma especial veneração estimarei
que Va Pe
logre saude , para com ella fazer mtos serviços a Ds
e se sirva da q me assiste em o que for de seu agrado .
[3]
Amigo ja ha tempos , que ando com alguns estimolos na conci
encia , q me obrigão a escrever esta , porq sei q em Va Pe
esta prudencia
capacidade , e segredo pa ponderar o que quero relatar-lhe .
[4]
Lembrado estara Va Pe que ha perto de 2 anns ou couza q o valha
que eu vi de hũa carta que Caetana Umbelina deste
Lugar de Salzedas
lhe inviou , pedindo-lhe certos suffragios pa haver de se salvar a alma da maỹ
de Va Pe a Sra
Maria teixeira :
[5]
Va Pe como Religo amo e prudente me in
viou proguntar , que arenga era aquella ? suppondo q poderia ter , ou alcançar al
gua notícia ;
[7]
porq tinha tido cabal conhecimto da arenga res
pondi a Va Pe
o q sabia no cazo , q era hũa Maria de Ramos deste Lugar Va
de Manoel Miz , q andava com aquellas invençoens ,
de propositos , ou delirios .
[8]
E
inclinando-me a piedade , julguei q aquillo erão fatuidades de molherinhas , que
poderia ter emenda com dizer-lhe a doutrina , e
verdes de nossa sta fé .
[9]
Assim o fis
a ella , mas mal aceito ;
[10]
e dei a entender a Va Pe q não acreditasse o dito de
doudas
como não acreditou . Como politico
[11]
respondeu a tal Caetana da Umbelina
( hoje cazada com João dos Aos ) como devia responder ;
[12]
e eu lhe entreguei a tal
car
ta , q a mandei chamar a Igreja pa lha dar , e tambem hua aspera correção sobre
o seu falso zelo .
[13]
E como a carta confirmava o q e
dizia , e tinha dito , tambem
o estimei , pa q visse q lhe dizia a verdade .
[14]
Porem isto importou de pouco , porq
sempre ficou
no seu errado conceito , respondendo-me como por escarneo ,: que sim
seria tudo como eu dizia , q o q ella passava , so Ds o sabia , dando-me
a entender
q a tal alma tambem lhe cauzava suas dores .
[15]
Emfim como vio , q eu era con
tra , disfarçou o q pode , e entendo q
com as Sras Irmãas he q mais se declara
ria , porq como neste negocio era procuradora de Ma de Ramos havia de fazer as
ptes
mto bem feitas pa as capacitar a fazer os tais pedidos .
[16]
Esta carta , q foi a Va Pe escre
veo-a
hum cleriguinho , q abaixo direi , q este merecia com hũas boas diciplinas
por concorrer , e fomentar estes dilirios , a fim de comer , e do lucro de alguã missa .
[17]
As Sras Irmãas como tinhão a ocazião de alguãs vezes se virem con
fessar a esta igreja bastantemte me custou despresoadi-las do medo com q
anda
vão , e falsa preocupação , dizendo-lhe a verdade , e intimando-lhe q antes pecavão
se concorressem inda com esmollas por tal motivo ;
[18]
que as fizessem sim mas como
suffragio pellas almas do purgatorio , e tambem de sua maỹ , porq a bondade de Deos
a acceita ;
[19]
e que todas aquellas pessoas , q lhe persuadião os tais suffragios
pedidos
pella bocca de outra , ou outras como vozes de alma particular as reputassem
por doudas , dilirantes , ou invencioneiras etcra
[20]
Nisto ficarão certas ; se bem não
sei
se depois lhe mandarião dizer alguãs missas , esmollas etcra porq o sr Pay
tambem abominava isto .
[21]
Cuidei eu q semilhantes couzas esta
vão soccegadas , qdo não ha muitos tempos torna a tal Maria de Ramos a fingir que
tinha em si a alma da
mer de Joseph Montro lavrador , que par a haver de se salvar era pre
cizo taes , ou tantas missas , tal romaria etcra e a persuadir ,
ou a mandar persuadir isto
os filhos , e filhas de tal defunta Verbi gratia a molh er de Silvestre de Aguiar , e outras parentas , que
promptamen te fizerão tudo ,
[22]
e o
cleriguinho acompanhando o farrancho as romarias , e
pondo os preceitos par a falar etcra
[24]
Passado pouco tempo torna com outro despreposito
dizendo que dentro em si tinha , ou nella falava a alma de Bernardo de Oliveira
por alcunho o fas mister ,
( este moço cazou com Clara Maria deste lugar filh a de Eria de
Cravalho , era soldado auxiliar , morreu de hũa bala no cerco de Almeida ) persuadindo a
tal viuva , que
seu marido como morrera daquella desgraça não tivera com que m repartir
a sua vida , que andava a 3 anno s por aquelles montes , ou monte de Santa
Elena desemparado
[25]
que assim queria tantas missas , taes esmolas , e romaria a Santa Elena , e que la se dissesse missa
e que asim iria
par a ceo .
[26]
Logo a molh er e mais alguns parentas , e a tal Mari a de Ramos com
o clerigo forão satisfazer o pedido a romaria , missa , onde ( me dizem ) falou o
que quiz , e o
zote do Clerigo a por o preceito par a falar etcra
[27]
tambem se havião de dar esmolas etcra
[28]
Agora dizem-me , que tem dado a entender , que tambem a alma de Eria de Carvalh o
falecida havera hum anno may da vil a que
asima digo anda pedindo alguãs , ou certas cou
zas ;
[29]
porem como ja obrão com tal resguardo , e segredo não posso ter caval noticia do
que se passa no cazo .
[30]
A esta Mari a de Ramos o primei ro despreposito , que lhe
ouvi , e conheci foi havera 5 annos dizer ella , que a alma de seu marido Mano el
Mon iz viera
despozar-se com ella outra ves , porquan to o primei ro matrimonio em vida nao fora
bom por ser feito por amores , ou
ella o obrigar a cazar ; e o mais que ja me não
lembra , porque como tomei aquillo por delirio , pusme a rir , quan do mo disse ,
[31]
e não me
nos que
me mandou chamar a sua caza par a se confessar , porque dizia ella que estava
mui to doente ;
[32]
eu lhe disse , que se curasse ,
que se emcomendasse a Deo s que então se confessa
ria ; que que m asim dizia aquilo , não estava capaz de confissão etcra
[33]
logo a mer descon
fiou de mim .
[34]
Depois forão-se seguindo as arengas pella ordem que rela
to
[35]
He de saber que esta molh er nas ocazioens em que ella dis a apertão mais as al
mas para pedir , ou falar , finge , certos ou verdadei ros ,
huns dias soluços , em outros fal
ta de vista , dores , fastios , etcra e que anda mui to agil , tendo par a si , que so o seu remedio são
os
preceitos , e exorcismos , ou rezas como ellas lhe chamão , e que por força delles fala , co
me , e passa milhor etcra
[36]
e sobretudo o satisfazer-se o que ella pede
par a a alma a deixar
de molestar , porque emquan to o não satisfazem lhe anda cauzando aquelles effeitos ;
[37]
depois
segue-se dar par te disto a
que m toca par a a satisfação que entendo ha de ser o padr e dos exorcis
mos par a o recado ter mais efficacia .
[38]
Como ella não he de todo
pobre tem sua
pipinha , bolos de Lameg o em que trata , sempre no fim da reza se molha a bocca , me
renda etcra .
[39]
E asim nunca lhe faltara desta rele de
ignorantes , como são quasi a
mayor par te dos clerigos destes coutos , que m lhe faça a imaginada caridade .
[40]
Porem a que m
nisto julgo culpado he ao
Padr e Luis Montei ro seu vizinho , que Voss a Paternidad e conhece mui to bem , que
de 15 ou 16 anno s se
foi ordenar com reverendas falsas ,
[41]
e como vão sem sciencia , e
capacida de asim ficão , asim vivem e os desgraçados Prelados desta caza por amor de
quatro empenhos , tudo
passão ,
[42]
e como alcanção Licen ca de dizer missa ficão navegados
que em conciencia alguns , como este a não podem dizer sem dispensa ; e com presum
çoens de
exorcista oculto , ( que eu não sei que tal Licen ca se lhe de )
[43]
e proguntado elle testemu
nha pello contheudo
[44]
no conjuro disse nada , ou o que quis .
[45]
Tambem presumo , que os confessores , ou confessor a esta molh er lhe aprovão
estes dilirios , porque se ella achasse hũa universal repulsa se desenganaria
[46]
Aqui vem mui tas vezes o Padr e San tos de Meixedo , que he outro tal como o de sima
e demais alcançou licença par a confessar , por
valimen to do Capit am mor , que me pa
rece mal distinguira o portugues ;
[47]
eis ahi posto com estas molherinhas ,
[48]
o que la passão não o sei eu , mas
como mui tas vezes quan do vem molha a palavra
tudo serão louvores , e aprovaçoens ; porque se ella falando nestes
despropositos como ja
lhe disse lhos despresuadissem , e não aprovaçem isto não
teria sequito della , e de que m a acompanha .
[49]
Olhe Voss a Paternidad e a Ozoria
molh er de Thome
de Crasto , tambem aqui andou com estas parvoices , com huns
acidentes , com huns gritos na missa , dizendo que era a alma de Manoel
Soeiro capitam Mor que foi destes
coutos , e era a sua teima dizer que era pre
cizo hir a Senho ra da lapa estar la de novena etcra .
[50]
Tive eu a ocazião
de lhe falar dentro , e fora de confissão , e intimar-lhe
a verdade , e como o San to
Tribunal castigava isto , parece-me que se emendou , se he que por velha ja não
tem
tanto geito par a a historia .
[51]
Outra mais antigua a Engracia molh er
do Frutuozo , tambem se sahio com o dizer que nella estava a alma de sua Irmãa
molh er que foi de Joze Bento , e graça he que lhe mandarão cantar hũa missa a senho ra da
pieda de par a haver de hir
par a o ceo ,
[52]
não tornou a sahir com outra fornada , porque me
parece que se lhe falou ao dipois pella porta dianteira , ou da verda de
[53]
todas estas couzas ja ha tempos me andão fazendo meu escrupolo , porque vejo
os graves damnos , que daqui podem nascer na liverdade destes rusticos ; ( he que
na
de alguns ja não tem nascido ) porque par a tirarem consequencias mas he o demonio
fino par a lhas ensinar Verbi gratia que podem furtar ,
e passar , e depois de mortos virem restituir .
[54]
Que como depois da morte neste mundo as almas fazem penitencia que podem viver
nos peccados .
[55]
E que não sera tam certo o que dizem os
livros , e a fe que as almas são jul
gadas conforme o estado em que acavão etcra
[56]
estes , e outros erros , que Voss a Paternidad e pode
conhecer
[57]
o demonio se não descuida de ensinar com as suas malditas sugestoens
[58]
me rosol
vi a escrever esta a Voss a Paternidad e debaixo de todo o segredo natural , e tal
qual a mate
ria o pede , pellos gravissimos damnos , que de o não guardar podem resultar para
o que da par te de Deos lho imponho , que nem
diretament e , nem indiretament e o de a entender fora
de seu confessor , que buscara douto , e pio , inclinando-se mais nesta materia ao
douto , relatando-lhe tudo isto , e com a mesma carta
parecendo-lhe , par a que se nesta ma
teria entender , que se deve denunciar ao San to Offício
[59]
Voss a Paternidad e o faça em meu ,
ou
seu nome em que m nesta par te descarrego a minh a conciencia na de Voss a Paternidad e e tudo o que
relato passa na
verda de e lho affirmo sendo neccessario in verbo sacerdotis .
[60]
Salzedas
6 de 9bro de 1765
De Voss a Paternidad e
Irmão mui to venerad or e affectuoz o
Frei Joseph de Lemos
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