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Maarten Janssen, 2014-

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1823. Carta de Joaquim Maria Torres, impressor, para o Infante Dom Miguel.

Author(s) Joaquim Maria Torres      
Addressee(s) Infante Dom Miguel      
In English

Denunciation letter from Joaquim Maria Torres, a printer, to Prince Dom Miguel.

The author denounces a political conspirator, Cândido de Almeida Sandoval, and promises to cooperate in stopping the planned treason.

These proceedings were opened in 1823 to punish a political conspiracy against the absolutist regime. Among the accused was Cândido de Almeida Sandoval, who had already been arrested by the former liberal regime for violating the Law of the Freedom of Press. Many of the accused were acquitted, but not Sandoval, who was exiled to Angola, where he kept ending up in jail and escaping from it. Even Jean Baptiste-Douiville (a French traveller who was in Central Africa between 1828 and 1830) met him and refers his activism in his diaries.

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Text: -


[1]
Serenissimo Senhor
[2]
Hum acontecimento extraordinario, me conduz aos pés de Vossa Alteza, sem outro algum fim mais, q o de prevenir males espantosos.
[3]
Longe de mim, Serenissimo Senhor, a idéa de hum Denunciante, q apezar dos nobres exemplos dos Heroes da antiga Roma, eu Jámais pude conciliar hum semelhante titulo, com o caracter inteiro, e probo de huma educação morigerada.
[4]
Quando porêm, Serenissimo Senhor, hum Vassallo fiel, e amante dos seus soberanos, a Patria proxima a nadar em sangue, e a cobrirse de montões de ruinas, a existencia do seu Soberano, e de sua Augusta Familia compromettida, e ameaçada de huma infallivel destruição; dever-se-ha elle deixar ficar extactico observador de semelhante catástrofe, podendo tê-la prevenido?
[5]
deverá elle neste caso, valer-se de algum pretexto, seja elle qual fôr, para deixar consumar huma scena tão tragica, e horrorosa?
[6]
Deixará elle( sómente porq o ser Denunciante lhe desagrada) envolver o Reino todo na anarquia, para ao depois o vêr coberto de lucto e dôr?
[7]
Deixará elle finalmente com hum silencio criminoso, descarregar os golpes de huma iniqua vingança, perpendiculares sobre tão illustres Victimas?
[8]
Não se faria elle cumplice imprudente de semelhante attentado, e por consequencia digno dos maiores castigos?
[9]
Tal he, Serenissimo Senhor, a situação em q me colocou hum desses acasos de q a Providencia costuma servir-se para destruir os planos daquelles q se conspirão contra os seus ungidos:
[10]
e tal he, Senhor, o motivo q me obriga neste momento a desprezar todos os perigos, para salvar delles os meus soberanos, e a minha Patria: como Vossa Alteza podera collegir da narração seguinte:
[11]
Antigas transacções promovidas pela minha occupação, me fizerão conhecido de Candido d' Almeida Sandoval, a quem sempre tratei (segundo meu caracter) com urbanidade, e franqueza.
[12]
A moderação, e prudencia q elle sempre observou nas minhas conversas: a decadencia em q elle a Arte typografica (para a qual parece favoravel o systema subversivo), forão outros tantos motivos q o movêrão a ten tentar alliciar-me para os seus fins, e no dia trinta do mez de Agosto pelas oito horas da noite, fui procurado por Candido d' Almeida Sandoval, para q lhe imprimisse humas Fabulas q trazia,
[13]
e tirando d' algibeira o Authógrafo, o lêo,
[14]
e vendo eu q as ditas Fábulas continhão principios subversivos, lhe disse q era muito perigoso imprimir semelhante escripto, e q alêm da doutrina q seguia, o estylo bem dava a conhecer q era escripto delle Sandoval, e q. tendo eu assignado termo de não imprimir mais algum escripto seu, logo q quebrasse o termo, me comprometteria.
[15]
Sandoval então de novo instou comigo, para q copiasse o Original, e o submetesse á Real Commissão de Censura, para vêr se passava;
[16]
disse-lhe q sim para o satisfazer;
[17]
e depois passou logo a tratar de materias politicas: dizendo-me que os Constitucionaes d' Hespanha hião muito bem; e q em Portugal tambem havia grande partido constitucional, o qual brevemente appareceria.
[18]
vendo Sandoval q eu hia com o q me dizia, declara-se, e diz-me, q conhecen conhecendo q eu era homem com firmeza de caracter, e q do Systema constitucional podia tirar mais vantagens do q do actual; pois q me achava ainda hoje desempregado, apezar de ter cooperado de alguma fórma para a quéda do Systema constitucional, (em q o seu proprio crime parece têllo cegado de tal maneira, q não conheceo a contradição destes principios), e ter por esse motivo soffrido onze mezes de prisão, devendo-se á minha industria, a subnegação de provas, pelas quaes certamente teria o Governo de então Processado com rigor os complicados em tal acontecimento; q se persuadia, q eu sem vida havia estar desgostoso, e q devia conhecer q o governo Monarquico absoluto, era o mais tyrano de todos os Governos, e q convinha á Nobreza, e Clero; portanto q confiando no meu bom modo de pensar, se animava a declarar-me q elle Sandoval tinha concebido o Projecto de revolucionar Portugal, e restabelecer de novo o systema constitucional, o q conseguiria com facilidade, visto a disposição em q quasi todos estavão, e q para o dito fim, tinha feito huma Proclamação tão forte q era impossivel resistir-se, ouvindo-a lêr, e q no dia seguinte a traria.
[19]
Depois conversámos ainda mais cousa de cinco minutos:
[20]
despediose, e retirou-se.
[21]
Apenas Sandoval se retirou, tratei logo de pensar a quem me devia dirigir para declarar o q tinha ouvido a este Revolucionario;
[22]
e lembrando-me q Vossa Alteza Real devia ser Parte muito interessada na descoberta do trama, q tentavão urdir contra o Paternal Governo de Sua Magestade, e muito particularmente contra Vossa Alteza.
[23]
No dia trinta e hum de Agosto fui ao Passo da Bemposta;
[24]
porêm não me foi possivel fallar com Vossa Alteza,
[25]
retirei-me; e voltei ao Passo no primeiro de Setembro,
[26]
e tendo então a honra de fallar em particular a Vossa Alteza, de viva voz lhe declarei quanto deixo transcripto;
[27]
e de Vossa Alteza recebi as Reaes Ordens, mui positivas, para q. tratasse de descobrir quem erão os Socios de Sandoval, as quaes com a maior exactidão passo a executar
[28]
Deos guarde muitos annos a Vossa Alteza Real, Serenissimo Senhor Infante D Miguel.
[29]
Lisboa 1o de Setembro de 1823.
[30]
Joaquim Maria Torres.

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