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Maarten Janssen, 2014-

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1820. Carta de Bernardo de Sá Nogueira, futuro Marquês de Sá da Bandeira, para o Coronel Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda, membro da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino.

SummaryO autor acusa o destinatário e a Junta a que pertence de terem ordenado a sua prisão, na sequência da Martinhada, por razões opostas ao espírito do liberalismo.
Author(s) Bernardo de Sá Nogueira
Addressee(s) Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda            
From Portugal, Lisboa
To Portugal, Lisboa
Context

Processo relativo ao capitão de cavalaria Bernardo de Sá Nogueira (1795-1876), um militar liberal de origem aristocrática ainda muito jovem mas já com bastante experiência. Trata-se do futuro Marquês de Sá da Bandeira, um dos políticos portugueses liberais mais notáveis do séc. XIX. Destacar-se-ia principalmente durante o Cerco do Porto (1832-33), em cujas ações militares perderia um braço. Depois da vitória liberal de 1834, Sá Nogueira viria a encabeçar uma das principais fações do novo regime, o “Setembrismo”, na sequência da Revolução de setembro de 1836, que o haveria de levar, pela primeira vez, à chefia do governo. Durante a Regeneração (depois de 1850), já com a relativa estabilização da vida política e económica portuguesa, Sá da Bandeira seria dirigente do Partido Histórico, um dos dois principais partidos que então asseguravam o rotativismo governativo. Em 1866 viria mesmo a fundar um terceiro grande partido (Reformista), que mais tarde se haveria de refundir com o Histórico, dando origem ao Partido Progressista. Durante este período, Sá da Bandeira seria por diversas vezes ministro ou chefe do governo.

O episódio em questão nesta carta é a denominada “Martinhada” (11 de novembro de 1820), um golpe político-militar do qual Sá Nogueira foi um dos protagonistas. Constituiu a primeira dissidência declarada dentro do amplo e muito heterogéneo campo vintista, que acabara de fazer (em agosto e setembro) a primeira revolução liberal em Portugal. Nesse movimento de oposição ao governo provisório confluíram vários interesses políticos e pessoais. No interior do campo revolucionário fervilhavam rivalidades de vária ordem, geradas pelas diferenças sociais (sobretudo entre burgueses e aristocratas), pelas divergências políticas (coexistiam absolutistas e liberais e diversas tendências e graduações entre eles), pelas animosidades e ambições pessoais, pelas diferenças entre militares e civis, e até pelas adversidades bairristas (nomeadamente entre Lisboa e Porto). À medida que a vitória do movimento se consolidava, as dissensões e as lutas pelo poder agudizavam-se e a Martinhada surgiu, pode dizer-se, como o seu desfecho lógico, constituindo a primeira grande oportunidade de clarificação política no seio do campo heterogéneo que se identificava com a revolução. Na Martinhada vemos, de um lado, os liberais moderados, maioritários nos órgãos dirigentes (Junta do Governo Supremo do Reino e Junta Preparatória das Cortes), e, do outro, uma aliança aparentemente estranha de personalidades conservadoras, absolutistas mesmo, algumas, com elementos liberais radicais; mas, acima de tudo, vemos a preponderância do chamado “partido militar”, empenhado em controlar o poder nascido de uma revolução para a qual considerava ter dado a contribuição mais decisiva. Tudo se desencadeou a propósito da forma de convocação das Cortes Constintuintes.

Support uma folha de papel dobrada, escrita nas três primeiras faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Collection Feitos Findos, Processos-Crime
Archival Reference Letra B, Maço 1, Número 23, Caixa 3, Caderno 1
Folios 4r-5r
Socio-Historical Keywords Rita Marquilhas
Transcription Ana Rita Guilherme
Main Revision Rita Marquilhas
Contextualization José Vicente Serrão
Standardization Rita Marquilhas
POS annotation POS automático
Transcription date2007

Text: -


[1]
Illmo e Exmo Sr
[2]
Tenho a honra de me dirigir a V Exa como sendo aquelle que aos officiaes de policia que me conduzirão a esta prizão intimou a ordem da parte do Governo para eu ser prezo nesta noite.
[3]
Estou persuadido que deu causa á minha prisão a carta que no dia 4 do corrente derigi ao Governo, em q com o respeito devido á dignidade q occupão os seus membros, e no estilo que compette a hum homem livre, expuz o meu modo de pensar sobre os acontecimentos relativos ao dia 11 de novembro, e qual tinha sido a minha conducta.
[4]
Desde o dia 14 de setembro me julgo homem livre e estou na firme resolução de sêllo sempre, de não ser contado n'hum rebanho de Portuguezes escravos:
[5]
como homem livre derigi ao Governo a minha exposição, cujas bazes erão factos que o mesmo Governo no dia 11 sancionára com o seu juramento.
[6]
Nunca póde ser crime fazer-se huma tal exposição, pois que não ha hum Governo liberal em que aos cidadãos se prohiba manifestar as suas ideas tanto ao poder legislativo como ao executivo.
[7]
Se eu na minha carta tivesse censurado a conducta do Exercito no dia 11, se eu com razaoens tão fortes como as expendidas nella tivesse provado (o q era impossivel), q o Exercito tinha commettido hum crime; decerto não seria castigado, mas, talvez antes, elogiado;
[8]
mas sou castigado por ter ditto q o Exercito fez o seu dever,
[9]
e como eu penso assim não prisoens, não ha desterros q me obriguem a desdizer-me.
[10]
Sou castigado do mesmo modo que nos paizes os mais despoticos se castigão os homens pelas suas opinioens, e isto no tempo em que tanto se falla em liberdade em constituição.
[11]
De sorte que quando pensâmos marchar a ser hum Povo livre nos achamos obrigados a não fallar, e até se pretende que sejâmos estupidamente da opinião do Governo !!!
[12]
A revolução q V Exa e o coronel Cabreira principiarão, nada ate agora tem produzido em favor dos Portuguezes.
[13]
Todo o trabalho de V Exas se limita ate hoje á mudança de certos homens dos lugares q occupavão.
[14]
Nenhuma liberdade neste Reino, nem a pode haver emquanto a imprensa fôr escrava.
[15]
Ha hum principio reconhecido em Inglaterra e em todos os mais paizes livres:
[16]
q pode ser culpavel o escreverem mal das particularidades, mas que as acçoens do Governo devem soffrer hum exame publico, e q se faz hum serviço á sociedade publicando cada hum as suas opinioens:
[17]
este principio esta bem desconhecido em Portugal actualmente;
[18]
attação os escritores impunemente os particulares, q pr conseguinte tem mto menos segurança q no Governo passado, e nada he permittido dizer das acçoens do Governo;
[19]
assim se prova o que digo,
[20]
por ter manifestado a minha opinião, não sou prezo mas desterrado.
[21]
Emquanto a este acto q o Governo exerce em mim decidirá a opinião publica
[22]
quando se imprimir a carta que forma o meu corpo de delicto, ella decidirá se eu sou criminoso em apresentar a justificação da conducta do Exercito e da minha a hum Governo que se diz liberal, ou se este Governo obra despoticamente e por poder absoluto mandando sem formalidades e como por surpreza prender hum cidadão, mandando-o desterrado sem se lhe comonicar a causa da sua prizão, e exercendo todos estes actos mesmo pelos na vespera, e no dia em que este cidadão havia de escrever o maior dos seus direitos, aquelle de concurrer as eleicçoens dos Representantes da Nação.
[23]
Concluo lembrando a V Exa que a minha conducta he filha dos meus principios que estão intimamente ligados á minha existencia,
[24]
e que conseguintemente a minha conducta futura nunca puderá ser contraria á passada e á presente.
[25]
O bem de todos os Portuguezes, ou do maior numero he o meu unico alvo.
[26]
Deos Guarde a V Exa
[27]
Cadea do Castello de S Jorge de Lisboa 10 de Dezembro de 1820 á huma hora da noite.
[28]
Illmo e Exmo Sr Bernardo Correa de Castro e Sepulveda
[29]
Bernardo de Nogueira Capm do 4o de cava

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