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Maarten Janssen, 2014-

PSCR0313

1692. Cópia de carta de António Gonçalves do Sacramento, padre, para Simão da Gama, bispo do Algarve.

Author(s) António Gonçalves do Sacramento      
Addressee(s) Simão da Gama      
In English

Copy of request letter from António Gonçalves do Sacramento, priest, to Simão da Gama, bishop in the Algarve.

The author asks his friend to show his letter to the Inquisition.

The defendant in this process is António Gonçalves do Sacramento, a resident in the Algarve, priest and spiritual master of the Recolhidas of Vidigueira, and accused of pretending to have visions and revelations. There was the suspicion that he maintained an illicit relationship with Inês da Conceição, who had also been accused by the Inquisition of false visions and revelations, and who was in jail for this reason. In a letter he wrote to Maria Pimenta da Silva (PSCR0311), the priest speaks about Inês da Conceição, showing his belief that her revelations were true and pure. That letter served as proof of the priest's scandalous opinion and position towards this case, and was thus regarded as an affront to the judgment of the inquisitors. Among his less apppropriate behaviours, there was also the information that he got excited with the lewd attitudes of Inês da Conceição when she was possessed by the devil, giving in to his natural instincts. When he was confronted by the Inquisition, the defendant said he had no mortal guilt, since also the power of Inês da Conceição was supernatural.

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Louvado seja Ds

E dey a VM. e a todos os sres e servos dessa caza, a qm me recomendo com mtas lembranças, e á minha velha, com a saude, q tem mto de seu divino amor pa lhe fazerem mtos servissos: eu com a q possuo estou pa servir a VS.MS. e pa os encomendar a Ds como faço.

Meu sor confesso, q tenho algũa semelhança com a jumenta de Balaão e com Inez da Conceyção. Com a jumta porq ésta ainda q com facilidade consentia sterni, et capistrâri, e sem a menor rezistencia seguia qualquer caminho em q éra pos-ta, houve occazião, em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por onde Balaão a quiz levar, e rezistiu de maneyra, q nem antes, nem depoys de a castigar com gol-pes se lhe sujeytou a ir por elle. E não lhe ficou elle em pequena obrigação, porq se ella não fizéra o q fez, sem duvida se iría elle meter nos fios de huã espada q em castigo de haver tomado este caminho estáva aparelhada contra elle nas maos de Anjo, q el-la vía, e elle não, sem embo de q eélla éra huã jumta e elle hum Propheta. Balaam vendo ésta rezistencia, sem advertir, q éra extraordinarea e nunca vista na jumta como ella lhe disse arguindoo, e elle ainda sendo qm éra, advertindolho, o não negou; e sem adver-tir, q por extraordinarea, éra erro sem desculpa o querela regular pelas regras ordina-reas, ou não suppor, q a jumta experimentáva alguã força extraordinarea, q a não dey-chava ir por esse caminho: mas pondo os olhos somte no q se lhe reprezentou à pra vis-ta julgou ainda q mál, q a jumta éra desobediente, teymosa, e cabecuda, e q tinha mto bem merecido tudo qto elle lhe havía feyto: mas feyto éra assim, ou vice versa, vejase o q diz o Textu. E vejase a providencia de Ds em acudir pola innocencia, ainda de huã ju-menta açoutada por qm não estava obrigado a na-na açoutar pelo q fez, mas por isso mesmo q fez, lhe estáva tam obrigado, como tenho dito. E vejase o cuidado q Ds te-ve de reprehender a Balaam dando palavras a huã jumta não pa fallar como gente e pa mostrar a sua innocencia, mas pa erguer, vencer, e attar a hum Propheta em prezença dos mesmos, q a havião visto castigar. E ainda Balaam ficára mto peor, se vendo o q a jumta fez, e ouvindo o q a mesma disse se não dêra por entendido, e fizéra como devia o q fez a tempo conveniente. E vejase tambem o cuidado q Ds teve em dispor q este cazo se escrevesse pa q fosse notorio em todo o mundo com todas as suas circunstan-cias assim louvavens pola parte da jumta como reprehensivens pola parte de Balaão

E Inez da Conceyção padeceo como a jumta e mto mays; mto mays, porq a jumta teve contra si hum , e éslla teve contra si mtos a jumta padeceo em breve espaço, e élla padeceo em mtos espaços, e mtas horas, em mtos dias, em mtos mezes, e em mtos annos; a jumta padeceo em despovoado e ella padeceo em huã corte; a jumta éra huã jumta e ella éra, ao menos huã mer de bom juizo. E sem embo de ter valor pa padecer tanto, parece q houve tambem occazião em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por on-de a querião levar e devia ser o caminho de se disdizer do q havia dito confessando q o q havia dito nem éra de Ds nem do Diabo, mas fingido por ella propria, e parece q o rezistiu de maneyra q nem antes nem depoys de ser castigada com gólpes se sugeitou s ir por elle, etc.

E eu tenho como disse alguma semelhança com as duas innocentes referidas porq tambem padeci como ellas, antes cuido q mto mays do q ellas: mays do q a pra porq a pra padeceo pouco, como disse, e eu padeci mto como logo direy: padeci mays do q a segunda, porq a segunda se padeceo mto eu padecí dobrado, porq padeci as suas pe-nas, e mays as minhas, porq assim o deve fazer em hum cazo destas qm não de todo mentecapto. Padecí mays do q ellas, porq a pra ainda q tarde, foy ouvida; a se-gunda ainda q mál, foy ouvida, e eu nem tarde nem mál fuy ouvido, mas nun-ca q peor q tarde e mál. Mays do q ellas, porq a pra pedia vista das duas cha-madas culpas, e a segunda, parece q lha déram sem a pedir, e eu nem madéram nem a pedí: e assim ellas padeceram fallando e vendo pa poderem ter ao menos a con-solação de dárem a sua defeza como gentes e eu padecí sem fallar, e sem ver pa q como se não fosse gente nem essa consolação tivesse fazendo.me niste meu Pay, sendo qm o q não féz hum Balaam sendo qm éra, á sua jumta E sem embo do q Ds me deu valor pa padecer tudo isto, não duvido, q á emitação das duas innocen-tes referidas, terey tambem algumas matereas em q não queyra, ou não possa se-guir o caminho, por onde me quizerem levar. Porem nesta materea, em q vM. me fáz mce de me fallar, sem embo de q eu parece q poderia dizer, q bastâva não me darem a vista, q tenho dito e q parece mto quererem tirar-me tambem a vis-ta q Ds me deu, não digo tál, pouco faço eu em estár polo q vM. me díz, antes quero suppor mto mays. Supponho com effeyto, q nenhũa carta minha tem chegado ao Sto Offo porem como eu as escreví, por entender q assim convinha á minha cons-ciencia afim de q fossem parár, visto q não tem ido, como supponho, me nes-sessareo novamte escrever huã carta (e ésta tambem como as outras pa q a leya pro terceyra pessoa pa justificar a minha cauza) em q dey noticia no Sto Offo assim das ditas cartas como do q se contem nellas, e pedir á dita terceyra pessoa, q a entregue no Sto Offo e q depoys q a entregar me avize q a entregou pa eu ficar quieto, e assim o faço nesta a vM.

Primeyramte escreví duas a sra D Ma Pimta da Sylva, depoys dellas; duas ao sor dom João da Sylva; duas ao sor Jaquez da Costa, assaber huã pa q me fizesse mce de a mostrar a sua Magde q Ds gde e depoys de lha mostar a meter no Sto Offo e a ou-tra, em q lhe pedia, q me fizesse este favor; duas a vM.; huã ao Rdo Sor João de Aguiar Ribo e agóra ésta a vM. q fazem déz. O q néllas se contem, alem do q digo nes-ta, entre o q decha, e o q dou a entender, rezumindo a breves palavras, vem a ser: que o caminho, q se tomou em se dizer, q as matereas q se contem na sentença de Inez da Conceyção nem sam de Ds nem do diabo, mas fingidas por ella mesma, hum porto sm saída, e q nenhum remedio nelle mays conveniente, do q o de tornar atráz desfazendo, e desdizendo publicamte como convem a tempo conveniente tudo aquillo, q publicamte se fez, e disse contra o q convinha. E q todas, e quaysquer pessoas, q fóram desse parecer (não fallo contra o mto illustre, e Sto Tri-bunal do Sto Offo antes o ponho como devo sobre a minha cabeça) mas contra as ditas pessoas (tambem me não meto com as letras, nem com as virtudes destas) e digo, q as ditas pessoas no particular dos ditos pareceres q déram, ou não entendérão o q disséram o q entendéram. E q as ditas matereas, vendo se e entedendose como se devem ver, e entender, não está couza alguã, q tenha o mênor encontro com o q dizem as divinas letras, e os santos Padres: antes das ditas matereas, dos apertos interiores, e exteriores por onde a dita Inez da Conceyção tem passado, dos favores q Ds lhe tem feyto, do modo com q ella em huãs, e outras couzas se tem havido, e do estado de espiritu, a q tem chegado, em o qual está de prezente, co-mo se pode vèr, se colhe, q a mesma não pessoa de admiravel vida, e virtudes, mas se mostra ser entre todas qtas mulheres snatas tem havido athe a-góra, em toda a Familia de meu Pe Sam Franco huã das mays adiantadas no apro-veytamto do espiritu. E q o impulso q a sobredita tem pa dizer, q eu hey de ser o seu Me espiritual, e pa fazer outras couzas q fáz, e dizer outras couzas q díz, co-nhescidamete de Ds e tem algua semelhança com o rayo, e com a pólvora, q nas ma-yores rezistencias sayem com mayores triumphos á custa de qm lhos fáz com ésta differença entre outras, q as forças do rayo, e da polvora sam limitadas e as do seu im-pulso sam sem comparação mayores. E q a sobredita lhe não passa pola imagi-nação o disdizerse do q tem dito, porq sabe com evidencia q de Ds E q tambem lhe não pssa pola imaginação o morrer debayxo do poder do Sto Offo porq isto implica com outras couzas q ella sabe com evidencia. E q espéro q Ds como, e qdo elle for servido mostre ser verdade isto q digo. E q estimarey mto q qdo Ds mos-trar ser isto verdade, estejam as couzas a tempo conveniente dispostas de maneyra, q fique o credito assim do Sto Offo como de todas as pessoas q metéram a mão nestas matereas, ao menos o mays bem remediado, q for possivel. E q qdo assim se não disponhão, e suceda o contrareo, o sentirey iualmte e não será por descuido meu, poys bem cláro tenho fallado. E q estou tam seguro em tudo o q aqui tenho dito, q abayxo do q a me encina, não tenho couza, em q esteja mays inteyrado. E q o fallár eu com ésta clareza porq a importancia das matereas sssim o pede, e porq dezejo q no Sto Offo se sayba o q passa no meu coração pa q esse Sto Tribunal. obre o q lhe parecer q convem.

Agóra pesso a vM. q depoys q ler esta carta e a mostrar a qm quizer, porq ella não contem couza de segredo, me faça mce de a meter no Sto Offo e de me avizar, q a meteo ; porq se me não fizer avizo de q assim o fez, fico eu com o cuidado de escrever outra, ou as q forem necessarias, q contenhão o mesmo por outras pessoas, athe q alguma destas me segúre, q fez a sobredita diligencia, e isto será publicar eu mays estas mate-reas obrigado da necessidade, qdo me não valha de outro meyo mays efficáz, como poderá ser q suceda, porq se o impulso q me move de Ds como supponho, se sá-be, q se espéra, q ajudado do mesmo sor cresça como arvore e m aumento e não em de-minuição.

O q tudo supposto considére vM. se isto, q eu digo assim for, e seguir o mesmo caminho, q léva athe chegár ao termo, cim q relampago, com q trovam, e com q força triunphára o rayo, de q se trâta das excessivas rezistencias a si feytas assim proximas, como remotas: assim da nuvem, daonde sahir, e aonde está quatro annos hoje completos, como das partes fóra della, aonde for dár. E (o q mays pa sentir) q confiança se pode prezumir q tornarám pa fallar com este motivo os filhos daquelles, q sem elle tanta tomáram pa fallar, e ainda pa obrar o q fallá-cem, e obráram contra o mesmo Author da verdade nosso Sor Jesu Xpto q a vM. gde e faça santo Amem. de Loulé em 29 de Agto de 1692 . De VM.

Mto humilde servo o Pe Anto Glz do Sacramto


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