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1797. Carta de Manuel José Ribeiro Pontes, padre, para Simão de Santa Ana, frade.

Autor(es)

Manuel José Ribeiro Pontes      

Destinatário(s)

Simão de Santa Ana                        

Resumo

O padre Manuel José Ribeiro Pontes escreve a frei Simão de Santa Ana a contar a conversa que teve com mais três religiosos sobre o tema do livre arbítrio e a perguntar se tinha a obrigação de denunciar o que lá ouviu. A resposta é escrita no espaço deixado livre pelo autor (ver CARDS2034).

Texto: -


[1]
Mto Rdo Snr Pe Fr Symão de Sta Anna
[2]
Ja vay passando de tres semanas, q eu me achey em huma conversa com tres Religiozos de S Francisco no seu mesmo convento, e hum delles proferio algumas pro-poziçoens, por razão das quais quero saber se devo de-nuncia-lo áo Sto Officio; as quais eu não saberei bem dizer, ou explicar-me bem por carta; mas das respos-tas, q eu dava, se poderão milhor entender:
[3]
Em pri-meiro lugar; disse elle, q sabia de mtas pessoas, q vivi-ão entregues àos peccados fiando-se em q se fossem pre-destinadas pra o ceo, se havião de salvar; e sobre isto não me lembra o q elle mais foi dizendo;
[4]
e dizendo eu, q es-tando-se doente era escuzado chamar o medico, porque se estivesse chegado, o termo da vida, certamte morria, e q não estando, não morria; e então elle disse q ahi obravão as cauzas segundas; e tambem q o homem não ti-nha termo determinado pra morrer:
[5]
e isto julgo ser aquellas palavras de Job- constituisti terminos...
[6]
Disse , vinha a dizer q o homem não tinha Liberdade;
[7]
e isto não sei de q modo o disse; mas lembra-me, q outro Re-ligiozo respondeo q, o q elle dizia era contra o Concilio Tridentino;
[8]
e eu tambem disse, q se o homem não ti-nha Liberdade tambem não peccava:
[9]
Disse tambem a respeito de se perderem os meninos q morriam sem Baptismo- pois elles q culpa tem?
[10]
- ainda q me não lembro com q palavras o disse; mas lembra-me de lhe dizer, q se J Christo nos não resgatasse q todos eramos condẽnados;
[11]
e então elle disse, q seria por peccados q fizessemos;
[12]
e eu então lhe disse, q ainda q não tivessemos outros peccados, mais q o Original:
[13]
tambem falou a respeito das Graças efficazes, ou sufficientes, por modo de quem zombava;
[14]
e pareceme q vinha a dizer pois são sufficientes, e não se obra com ellas?
[15]
ou outra couza similhante;
[16]
mas por modo de quem se ria:
[17]
Tambem qdo se falou da predestinação, e eu lhe disse do medico, ou outra couza q disse S Agostinho; e elle então disse, q era argomento de Lavrador;
[18]
e então outro Padre lhe disse q athe agora não se lhe tinha dado resposta;
[19]
e outro Padre, qdo elle falava da predestinação , (e não me lembra como) disse q por isso sempre lhe agradara a sentença post provisa merita;
[20]
e digo isto, porq não sei se o outro diria mais alguma couza, q se não acõmodasse nem com huma, nem com outra sentença.
[21]
Ora eu acabada a conversa falei com hum dos dous Padres, q ouvio tudo isto, e lhe perguntei se teria obrigação de o denunciar, e elle me disse q não; q o tal Padre q proferio as ditas propoziçoens, q era catholico como os mais, q como por falava assim como por modo de argomentar, e q tinha aind estava ainda com os furores da aula;
[22]
mas eu com isto não socego; ainda q este tal Padre q me deo esta resposta, he de boma vida, e instrui-do, e á quem eu mtas vezes me confesso;
[23]
comtudo o modo com q o outro proferio as propoziçoens, não o julgo por modo de argomento;
[24]
comtudo a favor do pro-ferente me lembra, se não seria com espirito he-retico, ou por não entender o q dizia, ou por não reparar bem no q dizia; e tambem por dizer is-to na prezença de dous Relligiozos, e em Lu-gar aonde podião outros ouvir porq era em humas escadas do corredor;
[25]
e tambem porq qdo se lhe disse q o q elle dizia era contra o concilio, parece-me q não instou;
[26]
e tambem qdo se lhe disse a respto do peccado Original, q todos nos ha-viamos de perder, ainda sem outros peccados, tambem me parece q não contradisse; ainda q não sei se o elle calar-se será bom, se máo sinal.
[27]
Quero me faça o favor de me mandar dizer se tenho obrigação de denunciar, e com brevidade porq se aca-ba o tempo.
[28]
Minha Irmãa tem passado mal, mas como tem tido algum aLivio, por isso não lhe tem mandado pedir q venha ca; e tambem pelo considerar occupado, e ainda mais nestes dias athe Domingo.
[29]
Eu vou passando;
[30]
estimarei q V Rma tenha aLivio nas suas queixas, e deme occazioens em q eu mostre
[31]
sou De V Rma Servo, e amigo mto venerador obrigado
[32]
Barcellos 18 de Julho de 1797 O Pe Manoel Joze Ribeiro Pontes

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