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Maarten Janssen, 2014-

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[1748-1752]. Carta de Soror Isabel, religiosa, para o tio Nuno da Silva Teles, padre.

ResumoA sobrinha, religiosa, escreve ao tio, padre ligado ao Tribunal da Inquisição, a pedir notícias e a contar os ataques sofridos pelas religiosas do mosteiro onde reside.
Autor(es) Soror Isabel
Destinatário(s) Nuno da Silva Teles            
De Portugal, Lisboa
Para S.l.
Contexto

A ré deste processo é Maria do Rosário, religiosa do Convento do Santíssimo Sacramento de Alcântara da Ordem de São Domingos, em Lisboa, acusada em 1752, pela Inquisição de Lisboa, de crimes de bruxaria e feitiçaria. No processo há várias cartas de religiosas do mesmo convento que testemunharam terem sido frequente e violentamente atacadas por Maria do Rosário, acompanhada por Teresa Quaresma e por uma jovem. A denúncia inicial foi feita por escrito pela Madre Soror Helena Josefa de Santa Maria (44 anos), religiosa do mosteiro do Santíssimo Sacramento. Disse, nas sessões de interrogatório, que mesmo desde que Maria do Rosário havia sido presa, continuava a entrar no seu mosteiro por volta da meia-noite, acompanhada pelo Demónio (que estaria sempre lá, sob a figura de "uma fantasma enorme e horrenda") e por outras feiticeiras, ameaçando as religiosas residentes naquele local, sofrendo várias transformações, antes das quais se untava com um unguento e invocava forças demoníacas, para além das agressões físicas feitas a várias pessoas e de blasfémias contra Deus e os santos (fl.12r e seguintes). A ré e as suas companheiras também furtariam muita comida e utensílios, pelo que causavam alguns prejuízos ao mosteiro. Outras cartas referem, em vez de Maria do Rosário, outras "feiticeiras", de nome Páscoa e Úrsula. O processo não tem qualquer conclusão, pois termina com a última carta de denúncia de uma das religiosas. No primeiro fólio apenas ficou atestado que no dia 22 de dezembro de 1752 se aguardavam mais provas. Colados no papel da denúncia inicial (CARDS3108) estão dois papéis dobrados, contendo um deles um pedaço de cabelo, referido no processo como sendo de "uma rapariga muito bonita de 14 anos da qual são os cabelos juntos a este requerimento" e "os quais mostram ser de pessoa asseada por estarem oleados com banha cheirosa".

Suporte meia folha de papel não dobrada, escrita no rosto e no verso.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 13693
Fólios 51r-v
Transcrição Mariana Gomes
Contextualização Mariana Gomes
Modernização Sandra Antunes
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2009

Texto: -


[1]
L S o SS Sacramto
[2]
Meu Tio e Sor do meu C
[3]
mil tempos q não tenho noticias de VSa e as deza com ancia o meu amor
[4]
digame VSa Como paça q dezo seja mto bem
[5]
as sobras todas querem a benção de VSa e se lhe recomendão afectuozas; e a me Pssa e toda a mais comunide q todas se confeção a VSa mto obrigadas;
[6]
Nos vamos curtindo, o nosso cruelissimo martirio; q me parece q esta gente está cada vez mais hinumana; porq as crueldades são tam tais q parece ficarão coraçadõens de pedra;
[7]
hontem cheguei a ter pençamtos de pedir a VSa chegace a este Convto pa com os seus olhos ver Maglna nossa prima q tinha o rostro todo pingado de Lacre; e a cabeça;
[8]
e 3 feitiços feitos em coraçõens e triangolos pregados na façe testa e alto da cabeça; tam grdes como a pálma de hũa mão, e mayores com mtos pingos de Lacre e Sera pa sigurar milhor; com mto sangue;
[9]
isto se tirou a força de preceitos
[10]
porem ficou com o rostro cheyo de impolas; e queimaduras todo ferido;
[11]
parecia hũa Imagem de Xpto crucificado;
[12]
isto lhe fizerão na noite de 2a pa 3a duas molheres diz q chamadas Pascoa e Urçula q entrandolhe na Cela, ou arebatandoa por hũm braço qdo hya pa ella; lhe atarão as mãos;
[13]
e fazendo estes feitios; e outras mil indecencias; lhe deicharão coto de vella; e outro de Lacre q sobejou sobre a Cama e se forão dizendo; vamos agora a outra jornada;
[14]
diz q esta hũa alta, e bem parecida não gorda; mas tambem não mto magra; e tinha o cabelo atado com hũa fita amarela;
[15]
a outra era mais mais baicha e groça;
[16]
esta parece ser a Pascoa; porq outras freiras q virão esta Urçula dizem o mesmo q he alta moça, e bem parecida;
[17]
esta Urçula anda insolente;
[18]
parece Demo muy parecida a Ma Thereza;
[19]
gavace de q nunca a hão de achar
[20]
ella tem feito couzas a varias religas não de martirios; mas outras couzas; q grde milagre de N Pe não fazer grde ruina nestas pobres creaturas;
[21]
isto meu Tio de mim pa VSa pa q VSa veja os perigos em q estão as nossas almas se o N Pe nos não ajudára;
[22]
nesta mesma noyte e dia estavão outras dũas freiras; da mesma sorte q Maglna tambem pingadas; não o do de lacre; e de sera; mas com outras milhares de couzas; e circumstancias pasmozas;
[23]
e não estas 3 martirizadas, mas outras mtas religas sentem os effos destas vizitas em sendo;
[24]
e anda fora estas q digo
[25]
outra de novo mto trigueira; e grosseirona; q parece peçoa de may baicha sorte; neste dia de 3a fra q digo; como era dia sto foy dia de vir mais gente à Igra
[26]
e hindo ouvir missa hũa freira destas 3. q estavão pingadas e pregadas de alfenetes; chegandoce a grade; olhou pa sima hũa molher mto tempo; e logo á freira lhe derão tais dores de cabeça, e embaraço nella q cahyo toda perturbada,
[27]
e qdo tornou a si; disse; esta molher sertamte a q eu vi esta noite; e me poz o feitiço na Cabeça;
[28]
por estas e outras mtas couzas temos por serto q da pampulha são algũas das q aqui vem;
[29]
da Urçula nos dava Ma Thereza mta noticia q era mto do seu seyo; q mto a dezejava ella q era mto sua amiga;
[30]
mas aqui na pampulha dizem q tambem hũa Urçula;
[31]
qual destas seja; não sabemos;
[32]
mto tempo apareci-ão estas molheres; mas as cabeças não se vião;
[33]
agora ja claramte as vem, e conhecem plos rostros;
[34]
eu creyo q N Pe querer manifestalas pa se prenderem
[35]
qra Ds q a veuva de Lacre ja o esteja;
[36]
mas o Lacre não tem tido emmenda
[37]
seja o Sr Bemdito pa sempre por tudo o q permite;
[38]
Hellena são couzas raras, as q lhe socedem; mas cala tudo;
[39]
eu lhe disse escrevesse a VSa ella pla sua mão; e lhe comunicasse tudo; porq podia soceder; q por ahy se tiracem algũas noticias mais claras;
[40]
e eu mais dera a VSa se não fora o receyo de emfadalo; q sempre faço estes escritos com Reparo,
[41]
por este respto perdoime VSa ser tam proluxa; e Lanceme a sua benção permitindome o gosto de o servir
[42]
Ds gde a VSa ms as
[43]
Sacramto 4a fra Sobra e Serva de VSa mto amte S Izabel
[44]
outras mtas peçoas dizem virão esta molher olhar de fito pa a grade;
[45]
outra conheceo a Urçula na Igra pla ver dentro tam repetidas vezes;
[46]
e Anto de Araujo o nosso vizinho q não sabe o q socede mas fala sempre nestas molheres; diz q está hũa Urçula q veyo de fora; mas asiste neste bairro q fina feiticeira;
[47]
hoje 6a fra em q esta vay amanheceo hũa freira com o rostro todo queimado; façes testa nariz boca;
[48]
toda está em carne viva;
[49]
e os pulços onde lhe pegarão queimados e cheyos de impolas;
[50]
e outras mais padecerão esta noite seus tormtos dados por Urcula
[51]
e as q não as virão ouvirão plo Dormitorio paseyos vozes, e outras couzas,
[52]
eu bemdito seja smo Patriarcha por favor especial seu; nada vejo nem ouço;
[53]
nem o sons me tirão ao mesmo tempo em q todas não dormem de sustos e plo q ouvem;
[54]
meu Tio da m alma; façamos deliga por esta Urçula q me parece VSa nola esta mostrando pa q a prendão

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