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Maarten Janssen, 2014-

Visualização das frases

1823. Carta de Joaquim Maria Torres, impressor, para o Infante Dom Miguel.

Autor(es)

Joaquim Maria Torres      

Destinatário(s)

Infante Dom Miguel                        

Resumo

O autor denuncia a Dom Miguel os planos revolucionários de Cândido de Almeida Sandoval e presta-se a espiar pela parte do soberano.

Texto: -


[1]
Serenissimo Senhor
[2]
Hum acontecimento extraordinario, me conduz aos pés de Vossa Alteza, sem outro algum fim mais, q o de prevenir males espantosos.
[3]
Longe de mim, Serenissimo Senhor, a idéa de hum Denunciante, q apezar dos nobres exemplos dos Heroes da antiga Roma, eu Jámais pude conciliar hum semelhante titulo, com o caracter inteiro, e probo de huma educação morigerada.
[4]
Quando porêm, Serenissimo Senhor, hum Vassallo fiel, e amante dos seus soberanos, a Patria proxima a nadar em sangue, e a cobrirse de montões de ruinas, a existencia do seu Soberano, e de sua Augusta Familia compromettida, e ameaçada de huma infallivel destruição; dever-se-ha elle deixar ficar extactico observador de semelhante catástrofe, podendo tê-la prevenido?
[5]
deverá elle neste caso, valer-se de algum pretexto, seja elle qual fôr, para deixar consumar huma scena tão tragica, e horrorosa?
[6]
Deixará elle( sómente porq o ser Denunciante lhe desagrada) envolver o Reino todo na anarquia, para ao depois o vêr coberto de lucto e dôr?
[7]
Deixará elle finalmente com hum silencio criminoso, descarregar os golpes de huma iniqua vingança, perpendiculares sobre tão illustres Victimas?
[8]
Não se faria elle cumplice imprudente de semelhante attentado, e por consequencia digno dos maiores castigos?
[9]
Tal he, Serenissimo Senhor, a situação em q me colocou hum desses acasos de q a Providencia costuma servir-se para destruir os planos daquelles q se conspirão contra os seus ungidos:
[10]
e tal he, Senhor, o motivo q me obriga neste momento a desprezar todos os perigos, para salvar delles os meus soberanos, e a minha Patria: como Vossa Alteza podera collegir da narração seguinte:
[11]
Antigas transacções promovidas pela minha occupação, me fizerão conhecido de Candido d' Almeida Sandoval, a quem sempre tratei (segundo meu caracter) com urbanidade, e franqueza.
[12]
A moderação, e prudencia q elle sempre observou nas minhas conversas: a decadencia em q elle a Arte typografica (para a qual parece favoravel o systema subversivo), forão outros tantos motivos q o movêrão a ten tentar alliciar-me para os seus fins, e no dia trinta do mez de Agosto pelas oito horas da noite, fui procurado por Candido d' Almeida Sandoval, para q lhe imprimisse humas Fabulas q trazia,
[13]
e tirando d' algibeira o Authógrafo, o lêo,
[14]
e vendo eu q as ditas Fábulas continhão principios subversivos, lhe disse q era muito perigoso imprimir semelhante escripto, e q alêm da doutrina q seguia, o estylo bem dava a conhecer q era escripto delle Sandoval, e q. tendo eu assignado termo de não imprimir mais algum escripto seu, logo q quebrasse o termo, me comprometteria.
[15]
Sandoval então de novo instou comigo, para q copiasse o Original, e o submetesse á Real Commissão de Censura, para vêr se passava;
[16]
disse-lhe q sim para o satisfazer;
[17]
e depois passou logo a tratar de materias politicas: dizendo-me que os Constitucionaes d' Hespanha hião muito bem; e q em Portugal tambem havia grande partido constitucional, o qual brevemente appareceria.
[18]
vendo Sandoval q eu hia com o q me dizia, declara-se, e diz-me, q conhecen conhecendo q eu era homem com firmeza de caracter, e q do Systema constitucional podia tirar mais vantagens do q do actual; pois q me achava ainda hoje desempregado, apezar de ter cooperado de alguma fórma para a quéda do Systema constitucional, (em q o seu proprio crime parece têllo cegado de tal maneira, q não conheceo a contradição destes principios), e ter por esse motivo soffrido onze mezes de prisão, devendo-se á minha industria, a subnegação de provas, pelas quaes certamente teria o Governo de então Processado com rigor os complicados em tal acontecimento; q se persuadia, q eu sem vida havia estar desgostoso, e q devia conhecer q o governo Monarquico absoluto, era o mais tyrano de todos os Governos, e q convinha á Nobreza, e Clero; portanto q confiando no meu bom modo de pensar, se animava a declarar-me q elle Sandoval tinha concebido o Projecto de revolucionar Portugal, e restabelecer de novo o systema constitucional, o q conseguiria com facilidade, visto a disposição em q quasi todos estavão, e q para o dito fim, tinha feito huma Proclamação tão forte q era impossivel resistir-se, ouvindo-a lêr, e q no dia seguinte a traria.
[19]
Depois conversámos ainda mais cousa de cinco minutos:
[20]
despediose, e retirou-se.
[21]
Apenas Sandoval se retirou, tratei logo de pensar a quem me devia dirigir para declarar o q tinha ouvido a este Revolucionario;
[22]
e lembrando-me q Vossa Alteza Real devia ser Parte muito interessada na descoberta do trama, q tentavão urdir contra o Paternal Governo de Sua Magestade, e muito particularmente contra Vossa Alteza.
[23]
No dia trinta e hum de Agosto fui ao Passo da Bemposta;
[24]
porêm não me foi possivel fallar com Vossa Alteza,
[25]
retirei-me; e voltei ao Passo no primeiro de Setembro,
[26]
e tendo então a honra de fallar em particular a Vossa Alteza, de viva voz lhe declarei quanto deixo transcripto;
[27]
e de Vossa Alteza recebi as Reaes Ordens, mui positivas, para q. tratasse de descobrir quem erão os Socios de Sandoval, as quaes com a maior exactidão passo a executar
[28]
Deos guarde muitos annos a Vossa Alteza Real, Serenissimo Senhor Infante D Miguel.
[29]
Lisboa 1o de Setembro de 1823.
[30]
Joaquim Maria Torres.

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