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Maarten Janssen, 2014-

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1823. Carta de Joaquim Maria Torres, impressor, para o Infante Dom Miguel.

ResumoO autor dá conta do que conseguiu obter na sua missão de espionagem junto de um conspirador.
Autor(es) Joaquim Maria Torres
Destinatário(s) Infante Dom Miguel            
De Portugal, Lisboa
Para Portugal, Lisboa
Contexto

Este processo teve como objeto uma conspiração política planeada contra o rei de que foram acusados os seguinte indivíduos: Cândido de Almeida Sandoval, publicista; Caetano José de Carvalho, boticário; Manuel Solitano, arquiteto; Camilo José do Rosário Guedes, negociante; António Pereira Quinland, coronel da Infantaria; o padre Joaquim de Sta. Ana Negrão, capelão de Infantaria Nº 1; Bento Lado de Miranda, negociante; Francisco de Borges Salema Garção, Vice-almirante da Armada da Marinha; Francisco de Paula de Azevedo, Brigadeiro do Exército; Joaquim Manuel Ferreira Pratas, capelão de Cavalaria; José Maria de Saldanha da Cunha, Tenente de Infantaria N.º 4; Caetano Alberto Borja Amora, ajudante de Milícias; João de Almeida Sandoval, sem ocupação; Dona Vitorina da Silva Sandoval.Alguns réus foram também acusados de pertencerem à maçonaria, cujas atividades, muitas vezes associadas quer à conspiração de Gomes Freire quer à Revolta de Pernambuco (ambos em 1817), se tinham tornado ilegais com a publicação do Alvará Régio de 30 de maio de 1818. Como seria de esperar, nem todos os acusados estavam realmente envolvidos. Por exemplo, José do Rosário Guedes e Manuel Solitano foram implicados na conspiração pelo publicista Cândido Almeida Sandoval. Quer José do Rosário Guedes quer Manuel Solitano tinham sido inicialmente detidos em Viana do Minho por se ter descoberto que o passaporte a que recorriam tinha informações falsas. O primeiro tinha identificado Manuel Solitano como Martinho Garcia, seu criado. Só mais tarde, já em Lisboa, é que viram os seus nomes envolvidos naquele crime de alta traição.O principal visado do processo seria o conhecido Cândido Almeida Sandoval, denunciado pelo impressor Joaquim Maria Torres, a quem o conflituoso publicista tinha pedido para dar à estampa alguns dos seus escritos e com quem tinha partilhado os seus planos conspirativos.Averiguações posteriores mostraram, contudo, que a conspiração não tinha a dimensão que Sandoval lhe atribuíra e que participara ao ministro da justiça. Tudo teria sido cogitado por aquele publicista desestabilizador com o passado marcado pela dissidência política.Identificado no processo como um «escrevinhador Revolucionário, miserável em todos os sistemas de Governo, sem firmeza e sem caráter», Sandoval fora redator dos jornais Patriótico Sandoval e Novo Hércules, onde recorrentemente criticava o governo, quer antes quer depois da queda do regime vintista. Importa notar que, já em setembro de 1822, Sandoval fora julgado e condenado à revelia por ter violado a Lei da Liberdade de Imprensa.Aquando da leitura das sentenças, alguns réus viram então confirmada a sua inocência, podendo sair em liberdade. A outros - àqueles implicados em atividades maçónicas - foi aplicado um Indulto Régio, mas a Sandoval foi imposto o degredo para toda a vida no presídio moçambicano de Angoche, agravado para pena de morte se voltasse a Portugal. Foi ainda obrigado a pagar duzentos mil réis para as despesas da Relação.África terá mesmo sido um destino a que Sandoval não conseguiu escapar. Por exemplo, os diários de Jean Baptiste-Douiville (viajante francês que percorreu a África Central entre 1828-30) fazem referência a esta ativa figura, referindo que Cândido Almeida Sandoval era constantemente encarcerado na fortaleza de Pungo-Andongo, em Malange (Angola), mas, com a mesma frequência, conseguia fugir, sendo que, por vezes, terá mesmo contado com a ajuda de Douiville.Inclusos neste processo, encontram-se alguns exemplares da Gazeta de Lisboa (do ano de 1823), uma amnistia concedida por Dom Pedro IV em 1826, sete cartas assinadas por Joaquim Maria Torres e dirigidas ao infante D. Miguel, e vários escritos políticos de Cândido Sandoval, como o «Calão-se os Homens, e fallão os Brutos», o «Horas de Recreio, D’um Monge d’ Arrábida, desenganado do Mundo e perseguido pelas moscas», ou ainda o «Fábulas, d’um Monge d’ Arrábida».

Suporte uma folha de papel dobrada, escrita nas três primeiras faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Fundo Feitos Findos, Processos-Crime
Cota arquivística Letra C, Maço 2, Número 38, Caixa 7, Caderno [1]
Fólios 35r-36v
Socio-Historical Keywords Rita Marquilhas
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Cristina Albino
Contextualização Miguel Cruz
Modernização Rita Marquilhas
Anotação POS POS automático
Data da transcrição2007

Texto: -


[1]
Serenisso Senhor
[2]
Tenho a honra de participar a Vossa Alteza Real, q não me tendo apparecido Candido d' Almeida Sandoval, em as noutes dos dias oito e nove do corrente mez, como tinha justo comigo, (em observancia das Reaes Ordens de Vossa Alteza Real), o fui procurar a sua casa;
[3]
apenas chego e nos saudámos, me diz Sandoval:
[4]
«Ora mui«to estimo q me vizitasse hoje, porq tenho cousas grandes «a partecipar-lhe!
[5]
e continúa:
[6]
Eu hontem á noute estive «com hum Figurão, q me asseverou termos tropas á nos«sa disposição, e até creio q alguns Chefes,
[7]
e visto que «temos a vantagem da imprensa, tudo está feito;
[8]
porêm «o Plano dos nossos Amigos he de se fazer a Revo«lução em Lisboa, visto o grande partido q aqui temos; «e por isso não convêm q se imprima por ora a Pro«clamação q lhe dei, em q se desacredita El Rei, porq «em Nome d' El Rei he q se hade fazer tudo;
[9]
El Rei «hade ser a nossa capa; mas quem devemos segurar lo«go he o Infante.
[10]
Eu fiz outra Proclamação, continúa «Sandoval, e hum Decreto, q não tenho agora em casa, «e por esse motivo lho não mostro;
[11]
porem sexta feira á noi«te vou a sua casa, e então os verá.
[12]
Para conseguir«mos os nossos fins até em Lisboa temos ouro hespanhol,
[13]
«nada nos hade faltar.»
[14]
Ponderei a Sandoval a difficuldade que havia em se effectuar semelhante Plano aqui na Capital, porq o Governo era muito activo e vigilante.
[15]
«Nada «importa, me tornou Sandoval, o Partido Realista «he mui pequeno, e aquellas Pessoas q temêrmos «serão rapidamente abafadas, para se não oppõrem «aos progressos da Revolução.
[16]
Alêm disto, estamos «apoiados pelos Hespanhoes:
[17]
ha pouco chegou aqui a «Lisboa uma Senhora Hespanhola, vinda de Bada«joz, a qual serve de Emissario para as relações «q ha entre os Liberaes de Hespanha e Portugal.
[18]
«Meu amigo, continuou Sandoval, não ha remedio «senão tomarem-se as medidas mais barbaras, visto «q o despotico Governo tão barbaro he comnôsco.»
[19]
Acabada q foi a narração de Sandoval, fiz alguma diligencia por saber quem era o Figurão com quem hontem tinha fallado, mas Sandoval não mo descobrio.
[20]
Perguntei-lhe se alguem tinha dado juramento,
[21]
tive em resposta, q não convinha esta formalidade, porq os socios não se devião conhecer huns aos outros; pois, se por desgraça, alguns se descobrissem, não se perderem todos.
[22]
Notei em Sandoval grande alegria, e não se fartava de me repetir, que o Plano não podia falhar, porque tinhamos muita gente.
[23]
Eis exactamente quanto sobre tal objecto, tem chegado ao meu conhecimento, e o q sem a menor alteração tenho a mui destincta honra de pôr na presença de Vossa Alteza Real.
[24]
Lisboa 10 de Setembro de 1823.
[25]
Sou com o maior respeito de Vossa Alteza Real Humilde, e fiel subdito Joaquim Maria Torres

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