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Maarten Janssen, 2014-

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1800. Carta de Luís Pereira Pinto, padre, para António Rebelo Santiago, doutor.

ResumoO autor consulta o destinatário sobre a existência ou não de heresia nas proposições que foram ouvidas a um médico quando estava preso.
Autor(es) Luís Pereira Pinto
Destinatário(s) António Rebelo Santiago            
De Portugal, Esgueira, Branca
Para Portugal, Feira, Ribadul
Contexto

Processo relativo a Manuel Pereira da Graça, solteiro, graduado em Medicina na Faculdade de Coimbra, filho de José Pereira da Graça, lavrador, natural e morador em Macinhata do Vouga de Serém no Bispado de Aveiro. Foi acusado de heresia por supostamente dizer que sentia mal da fé católica e que na confissão sacramental não havia obrigação de confessar todos os pecados, que a alma morria com o corpo, que a fornicação simples não era pecado mas sim coisa própria da natureza e que se servia disso para poder persuadir as donzelas que queria corromper. Segundo a Inquisição, Manuel Pereira da Graça não cria em indulgências nem no patrocínio dos Santos. O réu terá sido também denunciado porque em Macinhata do Vouga tinha má fama em relação a assuntos religiosos. Segundo consta da apresentação do réu, o mesmo teria vivido em Coimbra, depois teria passado uns tempos em França e mais tarde voltaria a Coimbra para se doutorar em Medicina. Teria assim vindo influenciado pelas terras onde passou, sendo que nas suas práticas e conversas se notavam ideias contrárias ao Papa, aos bispos e ao estado eclesiástico em geral. Várias testemunhas disseram que o ouviram dizer proposições heréticas. Luís da Assunção, um religioso do Convento de Serém, disse que não formava bom conceito do réu em matéria de religião católica por o ter ouvido dizer que sentia mal da sua religião em pontos de fé e que tinha oposições contra a religião e as coisas sagradas, que este maliciava sobre as pessoas que frequentavam os sacramentos da confissão e comunhão e que não ouvia missa nos dias de preceito. Em vez de ir ouvir missa, o réu ficaria em casa (mesmo tendo a igreja perto) ou então desaparecia. Disse-se também que se sabia que Manuel Pereira da Graça murmurava das indulgências e dizia ser inútil dar esmolas aos santos e rogar-lhes pela saúde dos enfermos porque aos santos não lhes importava que sarassem. O reverendo Luís da Assunção também teria dito que sabia que era de conhecimento público que Manuel Pereira da Graça tinha tido uma disputa acesa com o padre João do Livramento e que nessa ocasião chegou ao cúmulo de puxar de uma faca porque o dito padre tinha dito a algumas pessoas para se não fiarem nos ditos do médico. Segundo um leitor de Teologia, Manuel da Virgem, o réu teria também escrito um pequeno livro manuscrito em que fazia declarações contra as ordens regulares e maldizia do celibato e das orações aos santos. O livro andava a circular por entre as mãos dos estudantes. Outra das acusações teve a ver com o facto de o médico ter deixado morrer alguns enfermos sem os mandar sacramentar como seria obrigado. Estas e outras queixas foram formuladas por religiosos de Macinhata do Vouga de Serém. O próprio Manuel Pereira da Graça escreveu à Inquisição dizendo que estava a ser vítima de um conluio por parte dos seus inimigos religiosos e que os ditos nunca tinham tido o propósito de maldizer da fé e da igreja católica. Conteúdo do seu testemunho: teria dito por várias vezes que os frades eram inúteis e mesmo prejudiciais pensando no estado temporal, que o excessivo número de eclesiásticos não só era pesado para o Estado como também para religião, que por isso perdia o seu esplendor; que as esmolas dadas aos padres não eram as mais proveitosas e que antes se deviam dar aos pobres enfermos, que seria mais do agrado de Deus; que numa ocasião quis espancar um frade por ele andar a insuflar a revolta de pacientes contra si sem dizer a verdade; e que vendo que um grande número de moças solteiras corriam todos os dias para se irem confessar, muitas vezes enganando os pais e faltando ao trabalho e que depois apareciam grávidas e faziam coisas contrárias à fé, tinha dito que não lhes servia de nada a confissão e que mais valia estarem a trabalhar nos campos, mas que com isto apenas quis dizer que as moças faziam confissões sacrílegas; que em uma ocasião disse a um eclesiástico em tom de brincadeira que não jejuava porque não tinha apetites carnais e que um dos principais efeitos do jejum era macerar a carne para evitar a concupiscência; que também tinha tido algumas discussões com eclesiásticos relativamente a pontos da religião, mas que o fazia apenas para argumentar e experimentar a ciência e capacidade dos ditos eclesiásticos e nunca por contumácia; e que tinha dito uma vez que nem todos os milagres que se diziam ser o eram e que na altura já era raro Deus fazê-los ou que pelo menos nunca tinha visto nenhum. A 10 de Dezembro de 1799, o réu foi condenado a abjuração leve supeita na fé, mas foi absolvido ad cauthelam da Excumunhão. Recebeu penitências espirituais e instrução ordinária e teve de pagar as custas do processo.

Suporte meia folha de papel dobrada, escrita nas duas primeiras faces e com o sobrescrito na terceira.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 7770
Fólios 94 r, v
Socio-Historical Keywords Rita Marquilhas
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Rita Marquilhas
Modernização Rita Marquilhas
Data da transcrição2009

Texto: -


[1]
Snr Dor Antonio Rebello
[2]
Eu ouvi dizer cura, Joze de Souza Pa-checo q lhe dissera hum leigo dos Frades de Se-rem q o Doutor Manuel Pera da Graça Me-dico natural da frega de Macinhata de vouga e Cavalheiro do habito de christo estando prezo na cadea do seu destrito estava dizendo com a venera do mmo habito na mão o couza semilhante, estas palavras:
[3]
es Ladrãozinho, ou judeozinho q me não livras daqui, ou palavras semilhantes,
[4]
e mais falandome neste facto, João Roiz Pera da Barroca desta frega da Branca pareceme q elle disse q o tal Medico estava dizendo q levasse o Diabo o habito ou de q lhe servia, se o não livra-va da prizão,
[5]
o tal João Roiz Pera ouvio contar tãobem isto,
[6]
e Eu fui consultado se con efeito se devia dar conta disto,
[7]
pareceome q não mas como agora duvido rogolhe me avize se he cazo de denunciar,
[8]
e sendo-o por esta mma carta Dou conta a vmce e rezolvera o q lhe pare-cer.
[9]
De Vmce mto vnr e cro O Pe Luis Pereira Pinto
[10]
Branca 28 de 7bro de 1800

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