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Maarten Janssen, 2014-

Visualização das frases

1674. Carta de Luzia Carvalha Feio, criada, para a sua irmã, Isabel Carvalha.

ResumoA autora dá à irmã a notícia de que está viva e de que estivera muito doente, a ponto de receber a extrema-unção. Pede também o envio de tecidos através do portador da carta.
Autor(es) Luzia Carvalha Feio
Destinatário(s) Isabel Carvalha            
De África, Angola, Luanda
Para Portugal, Lisboa
Contexto

O réu deste processo é Manuel da Silva e foi acusado de bigamia pela Inquisição de Lisboa. A 9 de agosto de 1674, Manuel da Silva apresentou-se na Mesa do Santo Ofício. Disse que 11 anos antes estivera ao serviço de Bernardo Pereira de Castro, na vila de Almada, sendo Luzia Carvalha Feio criada da mulher do seu patrão. Este, por servirem os dois na mesma casa, tratou de os casar, na igreja do Espírito Santo da mesma vila de Almada, sendo o padrinho de ambos. Em Almada, fizeram vida marital por um ano, mas, como a mulher aí se portara mal, Manuel da Silva levou-a para Lisboa. Contudo, não teve emenda, antes se resolveu a fugir e a deixá-lo, embarcando para Angola como criada de um homem casado. Dois ou três anos depois, Ana Monteiro, viúva, moradora em São Nicolau, Lisboa, contou a Manuel da Silva que ouvira dizer a umas pessoas que tinham vindo de Angola que a mulher dele tinha sido morta pelo homem com quem embarcara. Depois dessa primeira informação, foram procurando notícias por várias vias, confirmando o sucedido. Manuel da Silva perguntara, então, a Isabel Carvalha, irmã de Luzia, se ela estava realmente morta, respondendo ela que sim. Desejando viver a sua vida em sossego, voltou a casar com Catarina de Basto, viúva de Manuel Freire, no final de 1673, na igreja de S. Miguel de Alfama.

No dia anterior a apresentar-se à Mesa do Santo Ofício, Manuel da Silva foi avisado por Ana Monteiro de que tinha chegado uma carta de Luzia Carvalha, carta essa que apresentou à Inquisição, pois provava que a primeira mulher estava viva.

O processo não contém mais informações, apenas que o acusado ficou a aguardar que o chamassem novamente a interrogatório.

Suporte uma folha de papel dobrada escrita nas três primeiras faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 16591
Fólios 7r-8r
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2316630
Socio-Historical Keywords Maria Teresa Oliveira
Transcrição Mariana Gomes
Revisão principal Catarina Carvalheiro
Contextualização Mariana Gomes
Modernização Raïssa Gillier
Data da transcrição2015

Texto: -


[1]
Minha Irmã e minha snra
[2]
Loanda 22 de feverei de 1674 Annos
[3]
Bem sei q por novidade tera Vm que no diverço de sete annos.
[4]
são estas as pras novas q Vm tem desta triste pelengrina q coanto talves teria pa sy, que eu seria morta tem novas de ouvida hũa vida de milagre que a Virgem de nazaret e a seu sagrado filho devo a vida porq me deu hũa doenca adonde todos Julgavão q eu não ouvera de Viver
[5]
derão me a sancta osam a hũa sesta fra a tarde e com c capucho de santo Anto pa me alembrar o neome de Jesus com froxo de sange pela boqua em tanta cantidade que todas as criaturas que me estavão asistindo adonde fui aconpanhada de muitas amegas e esas todas filhas de purtugal e todos os fizicos q avião na terra
[6]
fui Vizitada de todos adonde me não faltava mais que ter parente diente de mim que era a maior desconsolação q me aconpanhava
[7]
Vai num anno que me deo esta doenca e ainda me dura
[8]
peso a Ds q se me der Vyda que seja pa o servir e Vm em suas orasonis me emcomende a Ds lembrelhe que me criou e que não conhesy outra mai mais q a Vm
[9]
de coantas desobidiencias e palavras em q a agravei mil Vezes lhe peço perdão
[10]
e me deite a sua menção como q se foro ja morta hũa porque não tenho confianca da Vida e ainda q a tivera o hir outra ves a purtugal a pasar o mar tam furiozo
[11]
fiquo com hũa fonte em hũa perna q me mandarão os fizicos abrir,
[12]
Agora lhe quero dar parte a Vm de como parea a Vida nos pros tenpos q chegei a angola q me espolsei da caza de dona loiza
[13]
alugei hũas cazas por preso de Vinte mil rs cada anno e eu não tynha de meu Vintem adonde metida nestas cazas como preza sem ter conhesimto de nimgem nem ningem o tinha de mim adonde padesi sete mezes mtas fomes e mta sede e estreles nesesidades
[14]
no cabo dos sete mezes que parese foi couza de emcanto adonde Ds me conpesou logo a favoreser
[15]
não lhe digo a vm que estou Riqua mas pode viver descansada que tenho q comer e tenho minhas cazas em q vivo tenho a minha linpeza toda nesesaria tenho tres negras e tres q me morrerão
[16]
pode vm dar mtas grasas a Ds q vivendo eu con bom credito tenho por honde poder pasar a Vida
[17]
o portador desta lhe podera a Vm Dar larga, Conta da minha Vida e por ser pesoa tam serta me deletarei a escrever
[18]
e lhe pedi muito q a buscase a Vm e lhe peso lhe fale foi surgião mor neste Reino e tanbem curava de fizico e me asistio nas minhas doencas e me ajudou a pasar a Vida de holho grandes obrigasonis
[19]
e vm de sua parte lhe Renda as gracas e por elle me pode Vm escrever porq a de Voltar a este Reino logo e mandeme Vm dar conta de sua Via que primitira Ds q seja como eu dezejo,
[20]
qua tive po notisia q meu Irmão Mel carvalho feio q era morto e que tanbem era morto meu Irmão o alferes Joze Carvalho
[21]
e se asim he Ds lhe tenha as suas almas em gloria q em ben pouqua obrigasão lhe estou
[22]
nem por iço Ds me faltou numa terra tam agreste como he amgolla que não ai nella mais q peste tudo o mais he hũa esterlidade
[23]
Vai hũa botiga de azeite dous mil rs covado de baeta 2 U 500 rs hũa Vara de pano de lo que chamos nos pano camizeiro 600 rs isto coando ai muito
[24]
Julge Vm por isto o q podera ser as mais Couzas q quem nesta terra se sostenta limpamte tem q dar a Ds mtas grasas
[25]
mande me Vm coando me escrever largas novas de minha sobrinha monica maria e de meu sobrinho dioginho se esta ja molher e o menino se he ja homem e lhe mando a minha benca e peso a Ds os cubra de boas fadas q não sejão como a perigrina de sua tia que vim viver em gine entre gentio que não conhesem q couza he Ds inmigos dos filhos e das filhas de portugal q he clime dos filhos desta terra serem nos todos treidores
[26]
e quem emtre elles se sabe conservar ainda asim não pode viver con elles
[27]
eu ja não sou o lião que era
[28]
ja a minha natureza se mudou
[29]
vivo com todas e todos agrado e com todos me viu tenporizando a snra anna mendes
[30]
se for viva q premita Ds q o seja pa emparo de seus afilhados lhe mando mil lenbrancas e q esta ceja per sua e que Veja se nestas partes ha Couza em que a posa servir que a minha pobreza esta muito Remdida a seus pes que me alembra muito bem o grande emparo q tive nella cobrindome senpre debaicho do seu honrrado capello
[31]
pagelho Ds em lhe dar Vida e bom mandado Da snra Dona Vilante
[32]
não na quero emfadar mais a Vm porq se contara tudo não ouvera papel que coubera o manifestar saudades e sentimento q tenho de me ver tantas mil legoas auzente de quem me criou
[33]
a snra ana mendes lhe peso me deite a sua bensão e Vm me não falte com a sua eu minha a meus sobrinhos
[34]
aDs minha Irmã
[35]
aDs minha mai q em vida de Ds despido de Vm quem podera aconpanhar este papel pa hir ver quem me Criou e quem me deu tão boa doutrina q a não tomar foi maldade minha não falta da bondade de Vm
[36]
aDs minha Irmã que as lagrimas me não dão lugar a dizer mas a quem Ds gde muitos annos pa o meu emparo e de meus sobrinhos
[37]
Irmã de Vm Lozia Carvalho feio
[38]
Coando vou a igreja me visto como Veuva com capelo ate o biquo do pe e vestida de sarga negra
[39]
foi este senpre o trajo q despois que estou em angola truse
[40]
no mais que tenho variado foi vestirme de chamalote negro pondo com elle capelo
[41]
do mais que nesesito he de manto de burato de seda
[42]
leva por hordem o portador desta a conprarmo
[43]
pesolhe a vm mo mande fazer e o mande cortar pello seu manto que o portador a de dar todo o aviamento de vm lho emtregara feito
[44]
pesolhe que coando elle o for conprar que queira vm hir com elle pa escolher q for muito Ralinho e muito fino
[45]
mando tanbem buscar chamalote ou tafeta dobre cor d ouro pa vestido
[46]
pesolhe a vm asista com elle na conpra pa q a cor seja boa porq pa as vezitas vistome de cor
[47]
e vinte varas de de Renda negra e seu Retros
[48]
o manto que truso de purtugal de Carrião ainda esta novo porcoanto me visto de veuva ficame tanto pequeno por ico mando conprar este outro
[49]
as amigas do esperito santo lhe mando mtos Recados q lhe não escrevo por me não alembrar o nome dellas porque fiquei esquesida em mtas couzas desta doenca
[50]
qua tive por notisia que ellas prenderão o matador q matou o seu marido e que ao pe da forqua lhe dera o Regedor perdão
[51]
não sei se he verdade se mentira
[52]
esto me contou hũa degredada que veio dese Reino do limoeiro
[53]
aquela snra que tinha aquele menino que meteu frade e foi pa o maranhão lhe mando mtos Recados
[54]
a snra q tem seu filho q hera ourives do ouro lhe mando mtos Recados
[55]
a nenhũa sey o nome q estou tal que me não alembra mais q e q tenho deante dos holhos e iso dahi a pouquo tenpo ja me não alenbra
[56]
peso a vm me mande hũa medida do sõo do Carmo pa me chingir em mim
[57]
anta Veloza me diserão q era veuva que pa me alenbrar o seu nome estive estudando

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