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1620. Carta de Rui Fernandes de Castanheda para Simão Barbosa de Castro, seu advogado.
Author(s)
Rui Fernandes de
Castanheda
Addressee(s)
Simão Barbosa de
Castro
Summary
O autor suplica ao seu advogado que lhe dê instruções sobre como agir
pois foi preso e quer-se confessar à Inquisição.
Text: -
[1]
Agora sabera Vm as mais tristes novas que se po
dem immaginar do mais dezaventurado tris
te homẽ q nũca nasera
[2]
e he q por ocazião da
mal aventurada de minha mai e fas e pa
rentas sendo eu tão zelloso da ffe e tão bom cris
tão quãoto cristo Jhs sabe me foi forsado ir
me em trasgos de caminhro cobrar cõ hũ preca
torio q tinha dos contos a sãotiago de galiza
hũs i00V rs pa dahi ir a madrid, q me inpor
tava etta
[3]
chegando a caminha q são perto
de 70 legoas de Lxa fui en ora q não devera
a caza de hũ escrivão pa mo reconheser
[4]
e indo
de noite comesou de me fazer pergũtas e
vendome embarasado olhandome pa o rosto en
tendendo q vinha fogido posto q disfarsa
do em abito de caminhro me levou a caza do
ouvidor o qual cõ as pergũtas q me fes em
q eu cõfesei na verdade de meu nome tera
e pais e mais porq comfesei ter rasa da nasão
me mandou a cadea caregado de feros ate
aviriguar e saber dos inquizidores se vi
nha de bom tto ou não
[5]
e asi estou dezaventura
do dormĩdo no chão como hũ quão carega
do de feros sem comer pa ver se poso acabar es
ta triste vida por não verẽ meus olhos
taĩtos males e afrontas incriveis pois tão
to q agora avizarẽ me farão ir prezo en
feros de villa en villa como por mĩ pro foi
meu sor Jhs Cristo cõ quẽ me cõsolo,
[6]
mas
elle era deos e eu hũ baro mui fraco e
sobretudo mui enfermo e cãsado de trabalhos
[7]
sinto tudo isto e a descõsolacão e afronta de minha mu
lher q he nobre e tem outra irmã tão onrada e discan
sada deos seja cõtudo louvado
[8]
suposto tudo e eu ser tão bom cristão como deos he testa
pera hũ omẽ livrar a vida e os immencos males da
prizão tem obrigação de padeser hũ mal mais pique
no por ivitar outro maior e dar remedio a tudo pe
los milhores meos q lhe for posivel ainda q lhe cus
te trabalho risco e outras couzas
[9]
segdo entendo a mai e irmãs e migel soares sua mai ir
mãs devião ser testas contra mĩ o q entendo por o mo
do en q sairão e segdo me buscarão,
[10]
e asi contra testas tão
chegadas e tantas não cuido me podera livrar negar
posto q tudo o q diserão cõtra mĩ foi falco,
[11]
cuidei que
me livrase aquelle papel q me Vm fes os dias pasa
dos em q la aprezentei em q tratei de serẽ meus imi
gos
[12]
cõtudo como testas tãoto de caza parese q não bas
tou
[13]
agora fis esta petisão q com esta vai pa cõ a Vm
la emmendar
[14]
e com seu pareser a leve dona Cna minha
molher aos emquizidores q he pesoa tal de quẽ me
mais fio e se pode fiar q de hũa irmã d alma que asas
lhe tenho metido a mão no lado, pello que vm por
amor de noso sor e asĩ o elle livre de tão extraordina
reos apertos q tanto q este vir se immagine em meu
lugar e me acõselhe como letrado e amigo d alma
o q eu faria se sera bom minha molher levar esa
petisão a meza piquena donde nase a pra pernũsia
são e falando cõ elles cõ lagrimas pondolhe diante
sua calidade e reputação della de sua onra e de sua
irmã e cunhada e que eu me quero ir cõfesar velũ
tariamte antes q por elles seja preso e confesar o q
as 5 testas cõtra mĩ diserão comtanto q fique sol
to, se podera isto levar por aqui caminho seguro pa
q eu fique solto
[15]
inda que ponha sobre mĩ o que nũca
imaginei porq se despois de consumido 3 anos me
a de ser forcado fazelo e pode ser obrigado a levãtar
outros novos falcos testos mais val agora q sera me
nos mal e ficar livre e mais onrado
[16]
e se contudo vm
sinte q nẽ tudo esto cõforme ao estilo e ordẽ me he bas
tante pa deixar de ser prezo, me escreva logo de qual
outra letra quãodo se não fie da sua o q lhe parese
e o q devo fazer pa quãodo me ca vir prezo saberme
governar
[17]
e o q mais me aflige he q não sei se
chegara a emformasão do ouvidor juntamte cõ
o precatorio a emquisisão e q por me tomar esta
confisão em tempo de ja prezo pella justica por esta
sospeita de dizer q hia fogido me não valha
pa ficar boa a cõfisão e solto suposto a enquisisão
inda não tenha cansado mão de mĩ nem cons
te eu aver fogido pois hia cõ hũ precatorio a
galiza e me não acharão fora do caminho an
tes se eu fora fogido não fora cõ elle justificalo
pesoalmte a caza dos ofisiaes de justica
[18]
este a
vizo de vm espero pella posta, e no demais da
petisão q vm num pensamto encaminhe a minha
molher pa em meu nome a levar e o q a de fazer
cõ sem mil setas q me ficão a sete o
corasão tremendo como varas verdes esperãdo
reposta de vm e ordẽ pa me levarẽ ao mar e rio
[19]
de q des o livre e a todos de tão grande mal
do negosio q sobre isto se espera de madril
me avize e não se emfade e cõpadesa se pois
sabe tão grãode mal e o q este dezaventurado
ficara padesendo, deste inferno
[20]
dezavĩturado q nũca nasera
Rui frz de Castanheda
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