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Maarten Janssen, 2014-

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1701. Carta de António Nunes Álvares, arcipreste e vigário de Ervedal, para o bispo de Coimbra [D. João de Melo].

Autor(es)

António Nunes Álvares      

Destinatário(s)

João de Melo                        

Resumo

O autor informa o bispo de Coimbra sobre as diligências que fizera em Folhadosa, no decorrer do processo de casamento de Maria Ferroa.

Texto: -


[1]
Illmo Snor
[2]
Assim pa obedecer a Va Illma pa o q estou sempre pronto, como alentado da alegria q recebi á vista da sua firma por considerar estar Va Illma com a boa dispozição, q todos os dias ainda q indigno de ser ouvido lhe peço a Deos fui a Folha-doza, na forma q me ordenou,
[3]
e fis a informação pedida da vida, procedimtos, e costumes da mer relatada na carta, como tambem da qualidade dos paes, condição dos bens, e do q tem o espozo q a pertende por mer, de q qualidade he, se ella fes o voto q dis, e se o pai a constrange.
[4]
Principiei a informação com cautella pa q não descobrisse o voto daquella mer, se fosse oculto, e logo achei, não aver pessoa naquelle povo sem noticia de q ella tinha feito voto de castidade;
[5]
he de vinte e nove annos de idade, ocupasse em costuras, e no officio de tecedeira, está pa com o mundo em boa opinião, de bem procedida, e virtuoza.
[6]
Os paes são christaons velhos, de gente honesta, bem aparentados,
[7]
nobres não, poes q o pai lavra com hũa junta de boes, não em fazen-das suas, mas tambem nas alheas por jornaes, e q se criou servindo amos na provincia do alem Tejo,
[8]
e tem de seo duzentos mil res em bens de rais se bem está empenhado em cem mil res,
[9]
chamasse o tal homen Mel Ferrão.
[10]
O espozo q a pertende por mer he de igual geração oriundo de Sen-domil, e nacido em Torresello,
[11]
esteve servindo mtos annos na predita provincia do alem Tejo, da qual se recolheo pa sua patria trazendo mil cruzados, q com cem mil res que tinha de legitima, fazem quinhentos mil res, pouco mais, ou menos.
[12]
Depoes desta informação com pessoas fidedignas fui á Igra tomar depoimento a mer relatada nessa carta carta, e perguntandoa secretamte se era a q por si, ou por outrem tinha escrevido a Va Illma pedindolhe conselho q estado tomaria,
[13]
respondeo q sim, mas q logo no dia seguinte depoes de mandar remeter essa carta, instada pello benefficiado Mel Gracia seo parente e cominada por seos paes, se resolvera a tomar estado de casada, e lhes fizera essa promessa, se a livrassem de escrupolos de conciencia
[14]
E advirtindolhe eu q visse o q fazia, poes q confessava na carta q a Va Illma escreveo se despozara com Jesu Christo fazendo votos de castidade e q nosso Snor a poderia castigar renunciando o maes perfeito estado sem necessidade, poes estava informado, q suposto lhe morreo irmão, lhe ficarão dous, q tinha ido pa o alem Tejo, outro q tinha em casa: respondeo, q não avia noticias do q foi pa o alem Tejo, e q o q esta em casa por achaques q padese he incapaz de casar no q achei falar menos verdadeira por ser contra o q achei por informação,
[15]
e conheci estar ella, sem esperar por resolução de Va Illma, determinada a tomar estado conjugal.
[16]
Naquelle pouco tempo q estive falando com aquella mer, descobri nella mta vontade de estar em opinião de santa sem renunciar amor proprio, porqto me disse, q quando Deos lhe nam despachara as peticoes dandolhe vida ao irmão de q fas menção na carta lhe fizera queixas, dizendolhe, basta Snor q com esta minha virtude não mereci ser de vos ouvida.
[17]
E q logo pa dar a intender a não queria naquelle estado celibado, a deixara em sequidoes na oração men-tal por mto tempo, achandose até ali por mtas vezes interiormente conso-lada.
[18]
E fazendolhe eu advertencia, q pa ter sequidoes na oração bastavão peccados viniaes q esfrião o fervor do Espirito, ou quererlhe Deos casti-gar algũa soberba espiritual, e q não devia pertender q elle a despa-chasse á vontade propria, mas querer o q elle fosse servido dispachar por sua santissima vontade,
[19]
e q Sto Anselmo, expondo aquelle lugar da escritura q affirma fizera S Paulo tres peticoes a Deos sen q fosse ouvido, comentara, q não era grande o despacho q Deos dava á vontade das creaturas, mas aquelle q lhe qdo despacha o q he utilidade dellas.
[20]
E q não tivesse pa Si, fora inspiração divina aquelle pensamto pensamento en q se lhe representou, q o estado da virgindade era vida ociosa, poes he o estado en q se serve mto a Deos, e q a poderia castigar no estado de casada por faltar ao voto q tinha feito dandolhe tribulaçoes da carne como adverte o Apostolo, e permitindo q o homen com quem queria casar lhe fizesse companhia.
[21]
e respondeume q tudo sofreria com pasiencia pa marecer, q assim o mandasse eu dizer a Va Illma.
[22]
Á vista da tal resolução, pergunteilhe de q modo fizera o voto, se com algũa condição, se por tempo determinado, se por engano, ou intimidada de algũa pessoa.
[23]
respondeo, q o fizera absolutamente por vontade com toda a delibaraçam com animo de nunca em toda a vida deixar de viver pura,
[24]
mas q não fizera este voto em presença de pessoa algũa, nem com palavras exteriores, mas com os pensamentos do intendimento, e com os affectos do coração.
[25]
E lembrandome eu ser esta hũa questão mto controverssa, como Va Illma sabe melhor q eu, pa lhe dar plena informação, lhe repliquei, se fizera na idade de dezoito annos propo-sito de guardar castidade interiormte, ou se áquelle Deos q he escrutinador de corações fizera voto absoluto de cas-tidade!
[26]
E disse, que não fora proposito, mas promessa interior, e q tomava aquelle estado poq seo pai a constrangia, o q achei ser verdade, por ser publico, q o pai dizia lhe avia de cortar o pescoço, se ella repugnasse aquelle casa-mento.
[27]
He o q com toda a verdade descobri sobre o re-latado nessa carta q veio inclusa Em a de Va Illma a quem Deos nos conserve por m an
[28]
Ervedal 23 de agosto de 1701
[29]
Humilde servo de va Illma Antonio Nunes Alvares

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