Sr
Jozè Anastasio da Cunha.
Não lhe sei encarecer, o qto, há muito tempo,
desejava boas noti-
cias suas. O Tenente João Baptista, em que
VM tem hũ
grande admirador, e hum amigo, que
conhece e sabe avali-
ar o seu merecimo foi quem
me deu noticias individuaes;
e isto mto por
acaso, porque eu não tinha conhecimo algum
do
tal João Bapta mas vindo aqui à livraria desta
casa, me fallou na sua Arithmetica Universal, e
me repetio alguns versos, dos
que VM tinha feito. de-
pois me trouxe a Arithmetica
e os versos, os quaes a-
ctualme parão na
ma mão.
Qto a confissão, que
VM faz dos seus erros, creyo que
he em
pte necessaria, e em parte não. E
primeirame pelo
que toca aos versos,
prescindindo da materia, não são in-
dignos de apparecer, porque em todos elles
são os pensa-
mtos verdadeiros, e muito
frequenteme nobres e poeti-
cos; assim a
huns sustenta os a verdade, a outros levan-
ta os a novidade, a belleza, e ainda
a sublimide. A
Ode sobre a Empresa da Academia de
Valencia he hum
Dithyrambo, de que gostei muito. Os Heroicos, que tem
por
epigraphe Veritati sacrum contem muita
coiza
boa e verdadeirame poetica. Porem a materia
de quasi todos
os outros versos não sei eu, nem saberá ninguem desculpar
corrompe e perde não só o Christão, mas ate o homem. Sim
estão de coizas deste
genero cheyas as obras dos poetas, mas
a ninguem salvão os peccados dos
outros. A oração universal
de Pope contem coizas, que nem cabem no
homem Christão.
Vejo que VM ha de dizer, que brincava, como poeta; porem
qdo tornar a trazer a memoria aquelles bons
principios, que
VM algum dia teve, e pelos quaes escrupulizava ate de
abraçar
aquelle genero de vida, que não hè de si máo, mas estava sogeito
a
alguns perigos de consciencia; qdo digo eu, tornar a
fazer re-
flexão sobre tão bons principios, conhecerá com o claro
enten-
dimo que tem, que fez mal. Porem
basta jà disto, e perdoe
toda a molestia, que lhe tenha cauzado.
Da sua
Arithmetica não sou eu, nem posso ser juiz
competente. Eu não aprendi de
Geometria mais que aquella,
que julguei preciza para me dar a
clareza o
entendimo, segurança no
racio
cionio, e methodo. De calculo toquei tanto,
qto era necessa-
rio
pa esta mesma Geometria. Assim não passei
mto da
Algebra e da Geometria Elementar.
Donde pode estar certo,
que aquillo, que vou a dizer, não hè de homem, que
enten-
da a materia, mas de quem deseja satisfazer de algum
modo ao que me
pede na sua carta. Isto supposto, digo, que
a sua obra he de hum Homem, que tem
feito progressos
grandes no calculo; e suppostos ogs
poucos subsidios, que
em Portugal hà pa o
adiantamo das sciencias Mathema-
ticas,
cuido, que disse pouco em dizer grandes. Dois livros
Livros que eu vi
mostrão, que a obra toda conterá mtas verdades
e
muitos conhecimos que atè agora estavão ocultos a
todos os
nossos Naturaes, e que jà entre nós se vay chegando aonde jà
hà mto
tempo chegarão as outras naçoens da Europa. Do
calculo costumava eu dizer, que
era semente, que ou não
nacia absolutame ou ao
menos não pegava bem, nem se
lograva no nosso terreno; mas com os
conhecimos a que
VM
tem chegado, e creyo, que à sua imitação
chegarão outros,
mudarei de linguaguem. Este o juizo, que faço da sua obra
qto ao seu merecimo
absoluto, e a sciencia, que mostra em
seu autor: não o faço tão favoravel pelo
merecimo que
diz respeito aos leitores,
e a instrução, que nella podem ter
principalme os principiantes, para quem ella se
quer
inculcar; porque a acho summame conciza, e
por conse-
quencia quasi no mesmo gráo difficultosa. Em dois li-
vros
pequenos chega VM as Equaçoens do quarto gráo,
começando dos
primeiros elementos: ha obras extensas, como
a Arithmetica dos Geometras de
Deidier, que sego
ma lembrança,
não passão das Equaçoens do
3o Huma obra elementar he
necessario que se detenha em cada
huma
huma das coizas,
e que vá deduzindo humas das outras não só com rigor de
demonstração, senão tambem com clareza e evidencia.
o que se não pode fazer em
marcha mto rapida. Sei
que Descartes
censurando o de fazer conciza a sua Geometria
respondeo, que não tinha
empenho de compor obras grandes
nem que as suas fossem intendidas de idiotas;
porem aquelle
Filosofo era hum espirito de invenção raro, e escrevia
não
para expor o que já se sabia das sciencias, mas para
descubrir o que se
ignorava ainda nellas. Este juizo, que
eu tinha feito da sua
Arithm e communicado ao
Tene
João Bapta vi que era o mesmo, que
depois formou hum
tal P. Monteiro, que aqui hà, e de cuja Mathematica ouço
dizer bem. eu não o conheço. Estimarei que nestes novos estu-
dos da
Universide o empreguem a
VM porque me persua-
do, que ha de ficar o
publico bem servido, e a VM tiramno da
vida mais miseravel, que eu
considero, que he a de soldado.
João Baptista fazlhe neste ponto todos os bons
offos de
grande amigo. Tinha
mto mais que dizer, mas hè for-
çoso
acabar, se fizer primeiro huma advertencia, que
nacerá de escrupulo, e não
seria necessaria, e he, que
a verdade dos
pensamos de que fallo acima, he a verdade
pre
cizame practica.
Ds
gde a VM
ms
as
Lisboa
17
de Julho de 1776
De VM
Criado, amo
e apaixonado
Joaqm de Foyos