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Maarten Janssen, 2014-

CARDS0318

1823. Carta de Joaquim Maria Torres, impressor, para um destinatário não identificado, membro do círculo de relações do Infante Dom Miguel.

ResumoO autor repete as proposições conspiradoras que ouviu da boca de Cândido de Almeida Sandoval.
Autor(es) Joaquim Maria Torres
Destinatário(s) Anónimo538            
De Portugal, Lisboa
Para
Contexto

Este processo teve como objeto uma conspiração política planeada contra o rei de que foram acusados os seguinte indivíduos: Cândido de Almeida Sandoval, publicista; Caetano José de Carvalho, boticário; Manuel Solitano, arquiteto; Camilo José do Rosário Guedes, negociante; António Pereira Quinland, coronel da Infantaria; o padre Joaquim de Sta. Ana Negrão, capelão de Infantaria Nº 1; Bento Lado de Miranda, negociante; Francisco de Borges Salema Garção, Vice-almirante da Armada da Marinha; Francisco de Paula de Azevedo, Brigadeiro do Exército; Joaquim Manuel Ferreira Pratas, capelão de Cavalaria; José Maria de Saldanha da Cunha, Tenente de Infantaria N.º 4; Caetano Alberto Borja Amora, ajudante de Milícias; João de Almeida Sandoval, sem ocupação; Dona Vitorina da Silva Sandoval.

Alguns réus foram também acusados de pertencerem à maçonaria, cujas atividades, muitas vezes associadas quer à conspiração de Gomes Freire quer à Revolta de Pernambuco (ambos em 1817), se tinham tornado ilegais com a publicação do Alvará Régio de 30 de maio de 1818. Como seria de esperar, nem todos os acusados estavam realmente envolvidos. Por exemplo, José do Rosário Guedes e Manuel Solitano foram implicados na conspiração pelo publicista Cândido Almeida Sandoval. Quer José do Rosário Guedes quer Manuel Solitano tinham sido inicialmente detidos em Viana do Minho por se ter descoberto que o passaporte a que recorriam tinha informações falsas. O primeiro tinha identificado Manuel Solitano como Martinho Garcia, seu criado. Só mais tarde, já em Lisboa, é que viram os seus nomes envolvidos naquele crime de alta traição.

O principal visado do processo seria o conhecido Cândido Almeida Sandoval, denunciado pelo impressor Joaquim Maria Torres, a quem o conflituoso publicista tinha pedido para dar à estampa alguns dos seus escritos e com quem tinha partilhado os seus planos conspirativos.

Averiguações posteriores mostraram, contudo, que a conspiração não tinha a dimensão que Sandoval lhe atribuíra e que participara ao ministro da justiça. Tudo teria sido cogitado por aquele publicista desestabilizador com o passado marcado pela dissidência política.

Identificado no processo como um «escrevinhador Revolucionário, miserável em todos os sistemas de Governo, sem firmeza e sem caráter», Sandoval fora redator dos jornais Patriótico Sandoval e Novo Hércules, onde recorrentemente criticava o governo, quer antes quer depois da queda do regime vintista. Importa notar que, já em setembro de 1822, Sandoval fora julgado e condenado à revelia por ter violado a Lei da Liberdade de Imprensa.

Aquando da leitura das sentenças, alguns réus viram então confirmada a sua inocência, podendo sair em liberdade. A outros - àqueles implicados em atividades maçónicas - foi aplicado um Indulto Régio, mas a Sandoval foi imposto o degredo para toda a vida no presídio moçambicano de Angoche, agravado para pena de morte se voltasse a Portugal. Foi ainda obrigado a pagar duzentos mil réis para as despesas da Relação.

África terá mesmo sido um destino a que Sandoval não conseguiu escapar. Por exemplo, os diários de Jean Baptiste-Douiville (viajante francês que percorreu a África Central entre 1828-30) fazem referência a esta ativa figura, referindo que Cândido Almeida Sandoval era constantemente encarcerado na fortaleza de Pungo-Andongo, em Malange (Angola), mas, com a mesma frequência, conseguia fugir, sendo que, por vezes, terá mesmo contado com a ajuda de Douiville.

Inclusos neste processo, encontram-se alguns exemplares da Gazeta de Lisboa (do ano de 1823), uma amnistia concedida por Dom Pedro IV em 1826, sete cartas assinadas por Joaquim Maria Torres e dirigidas ao infante D. Miguel, e vários escritos políticos de Cândido Sandoval, como o «Calão-se os Homens, e fallão os Brutos», o «Horas de Recreio, D’um Monge d’ Arrábida, desenganado do Mundo e perseguido pelas moscas», ou ainda o «Fábulas, d’um Monge d’ Arrábida».

Suporte uma folha de papel dobrada, escrita nas duas primeiras faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Fundo Feitos Findos, Processos-Crime
Cota arquivística Letra C, Maço 2, Número 38, Caixa 7, Caderno [1]
Fólios 23r
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Cristina Albino
Contextualização Miguel Cruz
Anotação POS Rita Marquilhas
Data da transcrição2007

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Vm participará a sua Alteza Real, q hontem ás oito horas da noite estive com Sandoval; tratei de indagar delle se estava firme no projecto de fazer a contrarrevolução contra o atual Governo, e systema q hoje nos rége; ao q sandoval me respondeo estas formaes palavras: «Tudo está feito; falta pa rebentar a contra-revolução q appareção doze ou quinze homens armados, q sejão verdadeiramente constitucionaes.» Ao q lhe repliquei: «E a quem hão de seguir esses homens?» « A hum Coronel, me tornou sandoval, o cujo me deo o seguinte plano: Devem-se armar todos os individuos q entrarem na Conspiração, e embarcando-se de noite, passarão a Escaropim: de atravessarão hum Deserto de cinco leguas, e entrando depois da meianoite em huma terra vizinha, onde não ha tropa nenhuma; hirão immediatamente a casa do Juiz, e o obrigarão a passar as ordens necessarias para logo se organizar a Camara Constitucional: espalhar-se-hão algumas das Proclamações impressas q de Lisboa se levarem: far-se-ha tudo em Nome de Sua Magestade; e dir-sehá q Sua Magestade os authorizou, e lhes deo Ordens muito positivas para estabelecerem de novo o Systema Constitucional: far-se-hão juntar as Milicias, e persuadir-se-hão a obrarem de accôrdo: Mandar-se-ha rapidamente participar este succésso a Cabreira, q se acha em Badajoz, o cujo logo se unirá: q para este fim o Capitão Ajudante de Milicias, Amóra, conta com huma Companhia de Soldados; mas esta medida não convêm: Depois se Officiará para Sua Magestade, mandando-se-lhe dizer q naquella Provincia acaba de se proclamar a Constituição, e q as outras o passão a fazer immediatamente; portanto q Sua Magestade annua novamente ao Systema Constitucional, aliás correrão rios de sangue em todo o Reino de Portugal, e q Sua Magestade ficará responsavel pelas funestissimas consequencias q se seguirão a tão grande desordem.

Eis exactamente o q hontem pude saber de Sandoval, e o q immediatamente deve fazer saber a Sua Alteza Real. Continuarei com toda a prudencia q o caso exige, as minhas observações sobre tão importante objecto, e fielmente participarei o succedido.

Lisboa 2 de Setembro de 1823.

NB Sandoval não me declarou o nome do Coronel de qm fallou, nem da terra onde devia rebentar a Conspiração.


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