Sra Ana Maria mto ma Sra
Dezejo a vmce toda aquela paz, e socego; todos aqueles alivios, to-
dos aqueles augmentos spirituaes, e graças Divinas, q pa mim
mesmo posso pedir, e rogar a noso Bom e Todo poderozo Ds
Sra Vmce me perdoe a confiança de lhe escrever; e pa este
perdão me pode valêr a intenção, com q pego na pena: e vem a ser
socegar a Vmce, atender pelo seu bem, e de sua sobrinha; e sobre
tudo obedecer, a qm governa ma alma, e agradar a meu Ds
Tod o cuidado de Vmce, tod as razões suas, e de outras pesoas pa
persuadir a sua sobrinha, q largue pa caza, pa onde veyo; se fun-
dão no reparo, na nota, e escandalo do mundo. Não he isto verde
não tem duvida; pois asim o diz a sua carta, asim o dizem ou-
tros, ainda pesoas Reliozas: pois sabendo eu mta couza (q na
da no mũdo vem sempre a estar oculto, como diz Jezus Cho) nun
ca tive noticia se falase, ou suspeitase mal de sua sobrinha
por estar onde está, nem por se comunicar comigo. He verde q
sujeito houve, q a infamou: porem como odio, paixão, e ma vida
do tal sujeito são couzas claras, e notorias, e q á mesma virtu-
de de sua sobrinha tem aversão: ja se ve, q nenhũ homem
prudente deve fazer cazo dos ditos; ou pa milhor dizer da má
vontade da tal creatura. N Sr de a este homem mil bens; os
quaes todos os dias lhe peço, e eu sempre lhe perdoei, e perdo-o de
todo meu coração os gravisimos testemunhos, q me tem levantádo.
Como pois o escandalo do mũdo, o meterem-se almas no in-
ferno (como Vmce diz) por estar sua sobrinha na caza, onde mo-
ra; he todo o alvo dos seus cuidos, escrupulos, e deligencias: peço-
lhe Sra Ana Maria pelas chagas de Jezus Cho me ouça com
atenção nesta carta. Bem dezejava eu falar com Vmce; mas como por
ora não pode ser, peçolhe ouça as ptes, emqto Vmce me não con-
cede licença de me por a seus pes na sua prezença.
Pronũciar sentença sem ouvir as ptes não he licito, não he
bom; he antes prejudicial, e reprovado por todos Direitos natural,
e positivo. Sua sobrinha de Vmce estava morãdo em tal caza, tal
penuria, e tal dezãparo temporal, e spiritual, qual direi; pa q se
abrão os olhos a razão. Primeiramte vivia so, sem companhia al-
guã. Oh juizos humanos! Huã moça de poucos anos estar so em
huã caza, sahir so; indo so onde lhe era prescizo: isto não cau-
cauza reparo ao mundo: viver em companhia de huã mulher velha, de boa vida,
e de todos sabida, a qual a criou; isto he q escandaliza qtos homes, e mulhe-
res Ds criou! porq? porq esa mulher velha está em caza de hũ Padre.
Pois o P não he confesor de ambas velha, e moça? pois huã May ainda de cre-
ação não pode viver com sua filha, esteja a May, onde estiver, comtanto q não
seja caza ruim? Pois não se supoem guardada, defendida, segura, livre de peri-
go huã filha diante de sua May; ainda q na caza onde vão, estejão homẽs perdidos?
Podese imaginar, q huã May de creação, mulher velha, mulher sta, mulher mto, e mto
amte de sua filha ha de ser consentidora de couzas ruins etca Não he isto, o q
estámos vendo em tantas cazas de Padres, sem nota, sem reparo, sem escanda-
lo de pesoa alguã? Pois como so este Padre, q escreve, chamãdolhe todos bom, he
o desgraçado, q o mũdo ha de praticar com ele outros direitos, os quaes o mesmo
mundo não uza com Padre dos quaes não tem bom conceito? Ora o certo he
q neste negocio anda Demonio solicitador, Demonio envejozo do bem das al-
mas.
Dirá Vmce: estivese Clara com ma sobrinha; ou vivese ela em compa de seu
cunhado; ou viese pa onde estão seus parentes. Ao pro respõda Clara, q he mto boa
testemunha, a qual diz q não quiz, nem quererá; porq não he tola, pa estar morrendo
a fome, e dezamparo; tendo de comer, e vestir, Mir Caza boa onde morar, Misa, e confi-
ção a tod a hora, confeçor de caza, e interro feito. Ofereceuse Clara pa vir tratar
de mim por hũs dias emqto ensinava o meu preto a cozinhar. Nunca o quiz en-
sinar, nem se quiz ir de ma caza por mais q lhe dei a entender. Não quiz correr
eu com ela podendo: porq sabia as necesides q pasava em compa de sua sobrinha;
e porq não sou ingrato; e tirano visto o bem, q me servio, e amor, com q cuidou
de mim, depoes q veyo pa ma caza. Estar sua sobrinha com seu cunhado, he o mes-
mo q querer perder o temor de Ds: porq era tão sem cautela, q ouvindo-se tinha
acto matrimonial com sua Irmãa, e fazia a vista de todos outras couzas inde-
centes com sua mulher, sem aproveitar avizos etc. Bastava a caza andar revol-
ta sem comer, nem durmir a horas eta pa q sua sobrinha não podese servir a
N Sr em compa de tal cunhado. Cazamto, apartamto[ diz o ditado] bastava esta
razão so, qdo não houvese outras mtas e mtas Ir pa caza de seus parentes ao pa-
recer era mto sto, mas ponderado tudo, eralhe mto mto e outra vez mto prejudicial.
Segure-me Vmce mta solidão, mto recolhimto, mta abstração de creaturas em caza de-
seus parentes [sem o qual tudo não pode pasar sua sobrinha por ser chamada de Ds]
segureme o sustento, e vestido lá [palavras, e promesas não são obras, e hũ deve
acreditar mais obras, q palavras] segureme frequencia de sacramtos duas ve
zes e tres na semana no mato, segureme hũ Director existente sempre no mato per-
to, e capazisimo[ pois sua sobrinha carece comunicar Director com toda frequencia]
segureme, q mudanças não prejudicão ao spirito, e tãobem mudanças de confesor[
o q todos reprovão] segureme outras mtas couzas bem necesarias a qm trata de perfei-
ção: e eu então lhe seguraria a ida de sua sobrinha pa caza de seus Parentes.