Mto Rdo Snr Pe Fr Symão de Sta Anna
Ja vay passando de tres semanas, q eu me achey em
huma conversa com tres Religiozos de S Francisco no
seu mesmo convento, e hum delles
proferio algumas pro-
poziçoens, por razão das quais quero saber se devo de-
nuncia-lo áo Sto Officio; as quais eu não saberei bem
dizer, ou explicar-me
bem por carta; mas das respos-
tas, q eu dava, se poderão milhor entender: Em pri-
meiro lugar; disse elle, q sabia de mtas
pessoas, q vivi-
ão entregues àos peccados fiando-se em q se fossem pre-
destinadas pra o ceo, se havião de salvar; e sobre isto
não
me lembra o q elle mais foi dizendo; e dizendo eu, q es-
tando-se doente era escuzado chamar o medico, porque
se estivesse chegado,
o termo da vida, certamte morria,
e q não estando, não morria; e então elle disse q ahi
obravão as cauzas segundas; e tambem
q o homem não ti-
nha termo determinado pra morrer: e isto julgo ser
aquellas palavras de Job- constituisti terminos... Disse
, vinha a dizer q o homem não tinha Liberdade; e
isto não sei de q
modo o disse; mas lembra-me, q outro Re-
ligiozo respondeo q, o q elle dizia era contra o Concilio
Tridentino; e eu tambem disse,
q se o homem não ti-
nha Liberdade tambem não peccava: Disse tambem
a respeito de se perderem os
meninos q morriam sem
Baptismo- pois elles q culpa tem? - ainda q me não lembro
com q
palavras o disse; mas lembra-me de lhe dizer,
q se J Christo nos não resgatasse q todos eramos
condẽnados; e então elle disse,
q seria por peccados q
fizessemos; e eu então lhe disse, q ainda q não tives
semos outros peccados, mais
q o Original: tambem fa
lou a respeito das Graças efficazes, ou sufficientes, por
modo de quem zombava; e pareceme q vinha a dizer
pois
são sufficientes, e não se obra com ellas? ou outra
couza similhante; mas por modo de quem se ria: Tam
bem
qdo se falou da predestinação, e eu lhe disse do me
dico, ou outra couza q disse S Agostinho; e elle então dis
se, q
era argomento de Lavrador; e então outro Pa
dre lhe disse q athe agora não se lhe tinha dado
resposta; e outro Padre, qdo elle falava da
predestina
ção , (e não me lembra como) disse q por isso sempre
lhe agradara a sentença post provisa merita; e di
go isto, porq não sei se
o outro diria mais alguma cou
za, q se não acõmodasse nem com huma, nem com
outra sentença. Ora
eu acabada a conversa falei
com hum dos dous Padres, q ouvio tudo isto, e lhe per
guntei se teria obrigação de o denunciar, e elle
me disse q
não; q o tal Padre q proferio as ditas pro
poziçoens, q era catholico como os mais, q como por
falava assim como por modo de argomentar, e q
tinha aind estava ainda com os furores da aula;
mas eu
com isto não socego; ainda q este tal Padre q
me deo esta resposta, he de boma vida, e instrui-
do, e á quem eu mtas vezes me
confesso; comtudo
o modo com q o outro proferio as propoziçoens, não o
julgo por modo de argomento; comtudo a favor do pro-
ferente me lembra, se não
seria com espirito he-
retico, ou por não entender o q dizia, ou por não
reparar bem no q dizia; e tambem
por dizer is-
to na prezença de dous Relligiozos, e em Lu-
gar aonde podião outros ouvir porq era em
humas escadas do corredor; e tambem porq
qdo
se lhe disse q o q elle dizia era contra o concilio,
parece-me q não instou; e tambem qdo se lhe
disse a respto do peccado Original, q todos nos ha-
viamos de perder, ainda sem outros peccados,
tambem me parece q não
contradisse; ainda q
não sei se o elle calar-se será bom, se máo sinal.
Quero me faça o favor de me mandar dizer se tenho
obrigação de denunciar, e com
brevidade porq se aca-
ba o tempo. Minha Irmãa tem passado mal, mas
como tem tido algum aLivio, por
isso não lhe tem man
dado pedir q venha ca; e tambem pelo conside
rar occupado, e ainda mais nestes dias athe Do
mingo. Eu vou passando; estimarei q V Rma te
nha aLivio nas suas queixas, e deme occazioens
em
q eu mostre
sou
De V Rma
Servo, e amigo mto venerador
obrigado
Barcellos
18
de Julho de
1797
O Pe Manoel Joze Ribeiro Pon
tes