Resumo | A sobrinha, religiosa, escreve ao tio, padre ligado ao Tribunal da Inquisição, a pedir notícias e a contar os ataques sofridos pelas religiosas do mosteiro onde reside. |
Autor(es) |
Soror Isabel
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Destinatário(s) |
Nuno da Silva Teles
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De |
Portugal, Lisboa |
Para |
S.l. |
Contexto | A ré deste processo é Maria do Rosário, religiosa do Convento do Santíssimo Sacramento de Alcântara da Ordem de São Domingos, em Lisboa, acusada em 1752, pela Inquisição de Lisboa, de crimes de bruxaria e feitiçaria. No processo há várias cartas de religiosas do mesmo convento que testemunharam terem sido frequente e violentamente atacadas por Maria do Rosário, acompanhada por Teresa Quaresma e por uma jovem. A denúncia inicial foi feita por escrito pela Madre Soror Helena Josefa de Santa Maria (44 anos), religiosa do mosteiro do Santíssimo Sacramento. Disse, nas sessões de interrogatório, que mesmo desde que Maria do Rosário havia sido presa, continuava a entrar no seu mosteiro por volta da meia-noite, acompanhada pelo Demónio (que estaria sempre lá, sob a figura de "uma fantasma enorme e horrenda") e por outras feiticeiras, ameaçando as religiosas residentes naquele local, sofrendo várias transformações, antes das quais se untava com um unguento e invocava forças demoníacas, para além das agressões físicas feitas a várias pessoas e de blasfémias contra Deus e os santos (fl.12r e seguintes). A ré e as suas companheiras também furtariam muita comida e utensílios, pelo que causavam alguns prejuízos ao mosteiro. Outras cartas referem, em vez de Maria do Rosário, outras "feiticeiras", de nome Páscoa e Úrsula. O processo não tem qualquer conclusão, pois termina com a última carta de denúncia de uma das religiosas. No primeiro fólio apenas ficou atestado que no dia 22 de dezembro de 1752 se aguardavam mais provas. Colados no papel da denúncia inicial (CARDS3108) estão dois papéis dobrados, contendo um deles um pedaço de cabelo, referido no processo como sendo de "uma rapariga muito bonita de 14 anos da qual são os cabelos juntos a este requerimento" e "os quais mostram ser de pessoa asseada por estarem oleados com banha cheirosa". |
Suporte
| meia folha de papel não dobrada, escrita no rosto e no verso. |
Arquivo
| Arquivo Nacional da Torre do Tombo |
Repository
| Tribunal do Santo Ofício |
Fundo
| Inquisição de Lisboa |
Cota arquivística
| Processo 13693 |
Fólios
| 51r-v |
Transcrição
| Mariana Gomes |
Contextualização
| Mariana Gomes |
Modernização
| Sandra Antunes |
Anotação POS
| Clara Pinto, Catarina Carvalheiro |
Data da transcrição | 2009 |
[1] |
VSa e as deza com
ancia o meu amor digame VSa Como paça q
dezo seja mto bem
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as sobras todas querem a benção de
VSa e se lhe recomendão afectuozas; e a
me
Pssa e toda a
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[3] | mais
comunide
q todas se confeção a
VSa
mto obrigadas; Nos vamos curtindo, o nosso
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[4] |
cruelissimo martirio; q me parece
q esta gente está cada vez mais hinumana;
porq
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[5] | as crueldades são tam tais q parece ficarão coraçadõens de pedra; hontem cheguei a ter
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[6] |
pençamtos de pedir a VSa chegace a este
Convto
pa com os seus olhos ver
Maglna nossa prima
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[7] |
q tinha o rostro todo pingado de Lacre; e a cabeça; e
3 feitiços feitos em coraçõens e triangolos
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[8] | pregados na façe testa e alto da
cabeça; tam grdes como a pálma de hũa mão, e mayores com
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[9] |
mtos pingos de Lacre e Sera
pa sigurar milhor; com
mto sangue; isto se tirou a força de
preceitos
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[10] | porem ficou com o rostro cheyo de impolas; e queimaduras todo ferido;
parecia hũa Imagem
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[11] | de Xpto crucificado; isto lhe fizerão na noite de
2a
pa
3a duas molheres diz q chamadas
Pascoa
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[12] | e Urçula
q entrandolhe na Cela, ou arebatandoa por hũm braço
qdo hya pa
ella; lhe atarão as
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[13] | mãos; e fazendo estes feitios; e outras mil indecencias;
lhe deicharão hũ coto de vella; e outro
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[14] | de Lacre
q sobejou sobre a Cama e se forão dizendo; vamos
agora a outra jornada; diz q
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[15] |
esta hũa hé alta, e bem parecida não gorda; mas tambem não
mto magra; e tinha o cabelo atado
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[16] | com hũa
fita amarela; a outra era mais mais baicha e groça; esta parece ser a
Pascoa; porq ou
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[17] | tras freiras
q já virão esta Urçula dizem o
mesmo q he alta moça, e bem parecida; esta
Urçula
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[18] | anda insolente; parece hũ Demo muy
parecida a Ma Thereza; gavace de
q nunca a hão de achar
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[19] | ella tem feito
couzas a varias religas não só de martirios; mas
outras couzas; q hé hũ
grde mila
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[20] | gre de
N
Pe não fazer grde ruina
nestas pobres creaturas; isto meu Tio hé só de mim pa
VSa
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[21] |
pa
q
VSa veja os perigos em
q estão as nossas almas se o
N
Pe nos não ajudára; nesta mesma noyte
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[22] | e dia
estavão outras dũas freiras; da mesma sorte q
Maglna tambem pingadas;
não o do de la
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[23] |
cre ; e de sera; mas com outras milhares de couzas; e circumstancias pasmozas;
e não só estas 3 marti
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[24] | rizadas, mas outras mtas
religas sentem os
effos destas vizitas em sendo; e anda fora estas
q digo
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[25] | outra de novo
mto trigueira; e grosseirona;
q parece peçoa de may baicha sorte; neste dia
de
3a fra
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[26] |
q digo; como era dia sto
foy dia de vir mais gente à Igra e hindo ouvir missa
hũa freira destas
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[27] | 3. q estavão pingadas e
pregadas de alfenetes; chegandoce a grade; olhou pa
sima hũa molher mto tem
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[28] | po; e logo á freira lhe
derão tais dores de cabeça, e embaraço nella q cahyo
toda perturbada, e qdo tor
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[29] | nou a si; disse; esta
molher sertamte hé a q
eu vi esta noite; e me poz o feitiço na Cabeça; por estas e ou
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[30] | tras
mtas couzas temos por serto
q da pampulha são
algũas das q aqui vem; da Urçula nos dava
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[31] |
Ma Thereza
mta noticia q era
mto do seu seyo;
q
mto a dezejava ella cá q
era mto sua amiga; mas aqui
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[32] | na pampulha dizem
q tambem há hũa Urçula; qual
destas seja; não sabemos; mto tempo apareci-
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[33] | ão
estas molheres; mas as cabeças não se vião; agora ja
claramte as vem, e conhecem
plos rostros; eu creyo
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[34] |
q hé N
Pe querer manifestalas
pa se prenderem qra
Ds
q a veuva de Lacre ja o esteja; mas o Lacre
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[35] | não
tem tido emmenda seja o Sr Bemdito
pa sempre por tudo o
q permite; Hellena são couzas
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[36] |
raras, as q lhe socedem; mas cala tudo; eu lhe disse
escrevesse a VSa ella pla sua mão;
e lhe comu
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[37] | nicasse tudo; porq podia soceder;
q por ahy se tiracem algũas noticias mais
claras; e eu mais
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[38] | dera a VSa se não fora o receyo de emfadalo;
q sempre faço estes escritos com Reparo, por este
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[39] |
respto perdoime
VSa ser tam proluxa; e Lanceme
a sua benção
permitindome o gosto de
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[40] | o servir
Ds
gde a VSa
ms
as
Sacramto
4a fra
Sobra e Serva de
VSa
mto
amte
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[41] |
S
Izabel
outras mtas peçoas dizem virão esta molher olhar
de
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[42] | fito pa a grade; outra conheceo a
Urçula na Igra
pla ver lá dentro tam
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[43] | repetidas vezes; e
Anto de Araujo o nosso
vizinho q não sabe o q
cá
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[44] | socede mas fala sempre nestas molheres; diz q
está hũa Urçula
q veyo de fora; mas asiste
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