O autor escreve a Ana Vitória, estranhando ter ficado algum tempo sem receber notícias suas. Refere que, apesar da distância e de as cartas trocadas entre ambos não servirem de muito consolo, poderiam servir como um desabafo para a destinatária, para aliviar as suas mágoas e queixas. Diz não saber quando voltará para a zona de Setúbal e, por fim, aconselha-a a não se queixar, pois assim incorreria em pecado.
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J M J,
Minha mto amada filha em Jezu Christo este Sr se compadeça de ti, e te dê algum
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[2] | alivio, e consolação, pa poderes continuar no seu sto serviço com fervor, e diligencia. A falta
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[3] | de noticias tuas me dava ja algum cuido porem graças a ds q te rezolvestes a escrever. Eu bem
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[4] | sei q as cartas de pouco alivio te podem servir; porem sempre o coração dezafoga alguma coi-
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[5] | za em dizer os seus trabalhos; por cuja cauza eu não me aflijo com as tuas cartas, ainda que
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[6] | sejão extensas, tomara eu poderte remediar; porem eu não sei o q N Sr disporá de mim.
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[7] | Não sei se me continuarão aqui, ou se me mandarão pa outra parte. Se me não derem ocupa-
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[8] | ção alguma, sempre faço tenção de hir pa essa terra; ainda q de Lisboa estão suspirando por
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[9] | mim, e tem rezão; porq ha sete annos, q não confessão comigo. As daqui q são oito tãobem
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[10] | me dezejão cá, mas eu tenhome posto indiferente pa tudo o q N Sr quiser. Em qto ao q me
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[11] | dizes da tua consciencia digo q não estás em peccado mortal; porq julgo q te terás conserva
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[12] | do como qdo eu lá estava. As tentaçoens não são peccado senão só qdo se querem, e abração
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[13] | mas não qdo mortificão, afligem, e desconsolão. Em qto ás murmuraçoens, como tu não murmu
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[14] | res, nem concorres pa q outras o fação, não tens peccado, ainda q o ouças fazer; mas não mostres
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[15] | gosto de ouvir murmurar. E socega com os teus escrupulos, q não são nada, e só servem de te
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[16] | atormentar. Cuida em fazer a Oração e se te não podes levantar cedo, fazea qdo estiveres á
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[17] | Missa, q então a ouves melhor, ou qdo estiveres no trabalho; porq mto bem podem as mãos trabalhar
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[18] | e o Coração amar; mas não faças mta aplicação com a Cabeça q isso te pode fazer mal, lembra
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[19] | te de q estás na preza de N Sr e poemte a conversar com elle no teu coração pedindolhe se
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[20] | compadeça de ti; e q te não dezempare, q te assiste sempre, com a sua divina graça pa q o não
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[21] | offendas; e q te dê o seu amor. Porem tudo isto com socego, e serenide do Coração, e sem aflição.
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[22] | Deste modo agradarás a N Sr e hirás crescendo em virtudes. Vê se te podes confessar mais a
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[23] | miudo, e se não achares a Fr Pedro, o podes fazer a Fr Alexandre, q ja ha de ter recolhido. E como
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[24] | nos dias de mais devoção elles vão fora, e não te poderão confessar, podes hir na vespera, confes-
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[25] | sarte, e comunga, e no outro dia podes comungar sem te confessares desprezando duvidas, e não
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[26] | fazendo cazo de escrupulos. Encomendame a Ds q te gde como mto dezejo, e abraze no fogo
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[27] | do seu Rico amor.
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Faro
Sinco de Maio.
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Fr Nicoláo.
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