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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

[1745]. Carta do frei Francisco de Assis, padre, para Joaquim Carvalho, pseudónimo de Pedro Duarte.

ResumoO autor dirige-se a Joaquim Carvalho, pseudónimo de Pedro Duarte, ralhando-lhe pela ingratidão que lhe demonstra face aos favores que ele sempre lhe fez. Informa-o de que vai viver para a casa do seu pai, em Lisboa, e dá-lhe informações sobre como o contactar, pedindo-lhe que continue a dispor dele como sempre.
Autor(es) Francisco de Assis
Destinatário(s) Pedro Duarte            
De Portugal, Elvas, freguesia de Santo Ildefonso
Para Portugal, Évora, Estremoz
Contexto

O réu deste processo é o frei Francisco de Assis, padre, acusado de solicitação em 1741. O padre Francisco de Assis assistia em casa da família de Maria Antónia da Encarnação. Esta, achando que ele a tratava sempre de forma especial em relação às outras pessoas, em novembro de 1740 enviou-lhe um recado, pedindo-lhe que a confessasse. Tendo ficado satisfeita com os seus conselhos, fez de Francisco de Assis o seu confessor. Na véspera do dia de Reis de 1741, ele escreveu-lhe uma carta, à qual ela respondeu, tendo os dois começado a trocar correspondência, tratando-se por manos. As cartas vinham remetidas ao pai dela, Francisco da Silva, para disfarçar. O padre ia então passar vários dias na sua casa, seduzindo-a com beijos e abraços, convencendo-a de que tinha boas intenções e que nada daquilo era pecado. Até que, na Páscoa desse mesmo ano, os dois tiveram relações sexuais. Após a Páscoa, todavia, quando ela voltou a confessar-se, os dois tiveram um desentendimento. Ele deixou de a visitar, e Maria Antónia da Encarnação pediu-lhe que deixasse de escrever com tanta frequência, o que o ofendeu. A correspondência entre eles diminuiu, e deixaram de se ver. Na sequência disto, Maria Antónia da Encarnação confessou tudo ao pároco de S. Pedro de Óbidos, que lhe disse que fosse falar com o comissário do Santo Ofício, da paróquia de S. João. Como ela era uma rapariga recatada, que apenas saía de casa com a mãe e as irmãs para ir à igreja, e agora tinha medo de que um comportamento diferente levantasse suspeitas, pediu ao pároco de S. Pedro que enviasse a sua confissão, escrita a 7 de Julho, remetendo com ela um papelinho que o frei Francisco de Assis escrevera com o seu sangue, e ainda algumas das cartas dele que ela não queimara. As cartas PSCR1522, PSCR1523 e PSCR1524 parecem ter sido escritas antes da Páscoa de 1741, que foi a 25 de Março, pois não parece ainda haver frieza entre os dois. A carta PSCR1521 deve ter sido escrita depois da Páscoa, pois Francisco de Assis menciona os eventos que tinham ocorrido nesse dia. A carta PSCR1525 parece aludir ao desentendimento entre os dois, pelo que deve ter sido escrita entre a Páscoa e o mês de julho, quando ela o denunciou.

Depois dessa acusação, Francisco de Assis fugiu para Roma, tentando escapar à prisão. Pelo caminho, em Génova, conheceu Pedro Duarte, um jovem português que fora soldado do rei de Espanha mas fugira do seu serviço em 1744. Pediu-lhe que o acompanhasse na sua viagem a Roma, tomando-o como amante. Mas, ao regressarem a Portugal, Pedro Duarte fugiu dele e Francisco de Assis mandou-o prender, acusando-o de sodomia e fazendo diligências para o soltar apenas depois de ele prometer que não o abandonaria. Em setembro de 1745, Pedro Duarte contou tudo isto à Inquisição de Évora. Foi lançado um mandato de captura a Francisco de Assis, que por essa altura estava a morar em Elvas, onde tinha contado a outro padre que solicitava várias mulheres durante a confissão. Franscico de Assis fugiu de novo, desta vez para Lisboa, a 10 de outubro de 1745. A carta PSCR1526 deve ter sido escrita entre os dias 7 e 10 de outubro, dado que nela o autor anuncia que vai para Lisboa. Entre outros assuntos, queixa-se da ingratidão de Joaquim Carvalho, na verdade Pedro Duarte, que o denunciara.

Suporte uma folha de papel escrita numa das faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 4624
Fólios 217r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2304611
Transcrição Maria Teresa Oliveira
Revisão principal Fernanda Pratas
Contextualização Maria Teresa Oliveira
Modernização Fernanda Pratas
Data da transcrição2016

Page 217r

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Meu Joaquim, e meu Primo todo do meu coração aca

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ba de dezenganarte, que tu apostado a fazeresme mil tiranias, e eu pello contrario a conresponderte com mil favores como a experiencia
[5]
te tem mostrado, e tu o tem mto bem visto. eu não posso dar
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no motivo de te auzentares de mim sem me dizeres couza alguma,
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se foi o entenderes que como me vou pa lisboa, acabou a minha
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lembrança pa ti, bem tens visto que a nenhua das tuas ingratido
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ens tenho atendido, nem olhado pa fazerte todo o bem que posso, e
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poder a mais não posso atribuir o teu dezapego; emfim hinda aqui
[11]
vim buscarte, e tenção tinha de te deixar pa huns sapatos se aca-
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zo a Sr Dom Paullo me não lograsse como me logrou, q são hoje os
[13]
amigos que no mundo se encontrão não mais que cada hum cuida
[14]
ir na sua conveniencia, e de mil enganos, e embustes; e por isso alugou
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me hum burro por vinte, e nove tostoens com a pensão de lhe dar de comer
[16]
ca o homem, que comigo hia, e por isso te não deixei aqui o dinheiro pa huns sa
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patos. Concidera no bem que te tenho feito, e se acharás igual, e mais ver
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dadeiro amigo, que eu estou certissimo que ahinda que todo o mundo corras outro Frei Francisco, nem a elle semilhante jamais o encontrarás.
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eu vou pa caza de meu Pai se me quizeres escrever; fazeo elle mora
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no principio da calçada de são Franco junto à Patriarcal. e chamase Domin
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gos dos Santos. Porem fecha a carta pa mim com hum sobreescrito asim
[22]
Ao carissimo irmão Fr Franco de Assis gde Ds ms anns Lxa e depois outro sobre
[23]
escrito por fora asim Ao sr Domingos Dos Santos gde Ds junto à Patriarcal
[24]
no principio da calçada de são Franco Lxa; e no primeiro corro espero por
[25]
carta tua, e aqui a caza do sr Mel de souza, te responderei. e elle te dira todo
[26]
o bem que de ti dize e em todo o tempo direi. Cuida bem na tua vida que
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não hes menino, e se te quizeres aproveitar e servirte de mim, me has de
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achar com o mesmo coração, que sempre em mim experimentastes. Deos te
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tome à sua conta, e te faza qual eu dezejo ser, e te gde com mta saude
[30]
na sua Divina graça.

[31]
Teu Primo e sempre o mesmo no amor
[32]
Fr Franco

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[34]

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