meu irmão Como tem faltado as minhas cartas a VS he rezão q lhe de a causa
por q lhe não pareca q foi feito adrede e assĩ he necesso dar conta de mỹ. desd antes q VS se partisse de Madrid, o Pe Nuno Mascarenhas me escreveo
de Roma em Xbro de 621. q VS estava nomeado V Rey da India, logo mandei
tomar hũa falua pa mandar hũ criado, mas foi o tpo tal que não pode partir
senão a 14 de Janeiro e por mais diliga q fes tomando Postas de Madrid
pa lisboa. não pode chegar senão depois de VS partido tres dias, o que sinti mto,
p tra tenho escrito algũas a VS mas em duas q tenho suas, hũa de Mocã-
biq outra comecada em Cochim, e acabada em Goa me não dis VS q lhe
foi dada algũa; Mto me alegrei de saber a boa saude cõ q VS ficava
premita Deos conservarlha mtos annos cõ mtos beĩs como VS deseja
Grande pesar tenho da perda das naos em q VS foi, foi grão desgraça ha-
vendo peleijado cõ tanto valor, perderẽsse na entrada de Mocãbique, se tive-
ra liberde logo me fora a corte porq entendo fora de efeito; assĩ pa os mnros
en-
tenderem como da parte de VS se fes tudo o que comvinha como pa se lhe mandar
o socorro de q tem tanta neceçide, mas ha quinze mezes e mo que estou preso neste
castello. e havendo onze q sua Mage respondeo a hũ Memorial meu q dando
fiança de des mil crusados. se me tornasse minha fazenda e papeis que se me tem
tomado/ fosse solto e me aprezentasse em Madrid, per competencia do comisso
de estado de casta cõ o de Portugal. não sou solto. nem sei qdo se resolvera a quem
toca mandar esta ordem. / pa o ser; se VS se lembrava de mỹ como era rezão
e lhe eu mereço não paçara eu este trabalho. e VS tivera quẽ acudisse as suas
cou-
zas como convinha. Mas pa o q eu mereco por meus pecados inda isto he pouco;
seja Deos louvado com tudo; o modo da minha prisão tera VS sabido plas cartas
da sra Conda q as q eu escrevia a VS chegarão depois de partidas as naos, E
po isso me antecipo tanto nesta. por q lhe não aconteca o q as outras
A Prevenção q VS fes em mandar o Galeão de secoro a Ormus era muy
boa e de importancia se aquella fortza se não houvese entregue por fraqueza de
quem nella estava, mto dezejo ver os Mnros do Consso de Portugal pa lhes.
fazer ver qtos annos ha q eu pronostiquei esta perda; se se fizesse a fortalleza em
Cueixome, a Resolução q VS tomou em passar a esse estado nas embar-
quações piquenas q achou em Mocãbiq foi mui asertada, mas arisca-
da, porq como era cabo de Monção podião as corentes faserelhe mto
empidi-
mento e Verse VS em mto grande perigo e falta d agoa e mantimtos
O Miseravel estado em q VS achou esse ha mtos dias q lhe eu tinha ad-
vertido. e por essa resão o persuadia a não fazer tal Viagẽ. Primita Deos q
o mto q se VS canssa por remedear as couzas aproveite, o q VS fes em Cochĩ
em aplicar os dous por cento pa a cide fazer artelha e redificar os muros hei
p mui asertado, e o mesmo pareçera a todos q ponderarẽ sem paixão pq p
este modo em q emtrodosiu VS este tributo em q a cide não queria vir ha
tantos annos. e dã modo pa se defender e refaser as ruinas q tinha; o q VS
me dis de Crãganor mtos annos ha q o tenho escro a sua Mage o q em-
porta he ser señor do mar; pombais qtos menos melhor.
A compra q VS fes da Naveta foi mui boa e asertada, em Madrid
folgarão mto de saber q ella estava na Ilha Terceira, tanto q franco de Luca
mo escreveo cõ grande alvoroço. e mais a festejarião depois de chegada a Lxa, a
nova da perda de Ormus se soube em Mayo por tra. se não mandarẽ secoro a
VS sera por não quererem. e não por lhes faltar tpo pa o aprestarẽ; o Pe Colla-
co me escreveo ha mezes q instava p q se acudisse cõ grão calor. mas como
nos Mnros do Consso ha pouco. duvido facão cousa q preste; eu qro mto a
VS e desejolhe mtos beĩs, Mto estimara poderlhe aliviar os trabalhos
mas tornar a India nem pla mesma vida o fisera. e não tem sua Mage
mces cõ q a isso me pudera obrigar. pq estou tão escandalisado de Portugue
zes. que estou resoluto em não viver em Portugal. nem servir a elRey
naquella Coroa. melhor me vai com os estrajeros q c os naturais, e he isto tanto
assi q com mais gosto passarei a vida fora daquelle Ro comendo pão de fare-
llos q nelle cõ todos os mimos q ha. creya VS q me custa mto privarme dos
a que quero bem. mas sem resões e esquivancas podem mto.
O Partar q VS me aponta dos abitos q levou tratarei em Madrid
como la for. porq não he cousa q se possa tratar por carta. e sendo preso. e o
mesmo farei no q VS apontou sobre os Imgreses. q me pareçe cousa muy
posta em resão mormente agora c o cazamento do Principe de Cales cõ a In-
fanta e se os castelhanos não são de todo enimigos nossos, de crer he q nas ca-
pitulações q fiserão tratarião deste particullar.
A señora Conda me escreveo em 7 de Outubro depois de Receber
as cartas de VS q vierão na Navetta; q ficava emtrouxada pa ir pa
a Vidigra deve ser ordem de VS Mas serto q me pareçe q não era aquillo
o q comvinha a VS pa a criação do sr D Vasco e tãobem pa os negoçeos de
VS se nisto digo mal. VS me perdoe.
Cuando me prenderão. me tomarão a fazda q tinha; emqto o Conde de
Mola foi vivo me acudio mas depois q elle moreo me tenho visto
em mtos e grandes apertos; a sra Conda escrevi me quizesse mandar pagar e
por mais q lhe reprezentei minha neceçide ate hoje me tem acudido nem
cõ hũ Vintem; e qto a prisão dura mais tanto mayores me ficão sendo, seja
deos louvado. VS se sirva de dar ordem cõ que eu seja pago. e lembresse
da mta perda q em se me tardar este pagmto se me tem dado. e q tãobem
VS ma deu em mandar vender os meus Jorĩs sem ordem minha. e não.
os mandando eu pa Vender. porq os tinha pa outro intento, serto q o sinti como
se fora cousa de mais importancia , o criado q mandei a Lxa me trouxe o Im
ventario dos meus caixões. feito diante de João pinto de figrdo nelles faltão
algũas couzas. a q João pinto respondeo. q VS os mandava abrir p qtos pagẽs
tinha. e assĩ faltou hũa trouxa e hũ Bufeite de pao. preto; serto sor
q cõ mais amor e cuido tratei eu das cousas de VS ainda que não forão de Ir-
mão. pla confiança q eu fasia em mandar a VS qto tinha. merecia mais
cudado; A sra Conda me não escreve em poder de quem fica o meu fatto.
tudo isso são asuntos de desgostos a quẽ esta sem liberde.
VS me dis cõ grandes Juramtos q de comtino me tem no penssamto
meus negoceos, sem essas afirmações creyo a VS plo mto q sempre lhe quis
e quero; Ormus me deu tão pouco plas mtas perdas q tive e por largar tudo
o cõ q outros capitães emrequecião, que não empreguei. em Goa mais q 20
mil Xes os gastos da viagẽ forão grandes os de napoles não forão piqe
nos e assi ha ja pouco do q trouxe. porq sobre o q elRey me tem tomado. estou
comendo d emprestado; VS me fara mta M em me querer man-
dar pagar. algũa cousa do q elRey me deve; em poder de Po nunes
salgado. ficou hũ conhecimto em forma. de quatro mil setesentos Xes
ou o q for. afora isto a sra que houve contra a fazda d elRey sobre
a compra de Ormus; Bem vejo as nececides q VS me representa
desse estado ( de dinheiro) mas pa secorrer a hũ Irmão nececitado. bem
se pode roubar os altares. ( como disem em Portugal. ) qto mais q a hũ
VisoRey tão suppremo como VS não lhe faltão modos pa tudo qdo tem
vontade.
Po Nunes salgado e Paullo monteiro são os criados a q mais obrigacão
tenho VS me fara M de os homrar e favoreçer, estimarei p mce
mui grande dar VS a Paullo montro algũa cousa de q possa viver
pque tenho sabido q ha tido hũa grande perda depois que me eu vim
e como he velho e tem filhos sentirei muito q passe nececides
Boas novas de VS desejo sempre. dellas me faca M não dou
novas do mundo porq estou preso e sei poucas. não faltarão mtos q terão
liberde pa as procurar e gosto pa as dar. Goarde Deos a Vossa
Senhoria
napoles e Castello nouvo
a 22 de Xbro de 623.
Sor dom luis da gama etc
dom luis da gama