Senhor. = No dia 13 do corrente tive a honra de participar a Vossa
Magestade tudo quanto havia occorrido sobre a diligencia da prizão de Joa
quim Telles Jordão, que Vossa Magestade houvera por bem mandar-me encar
regar por portaria do primeiro do actual mez, e como o esperava n'aquel
le dia prezo, pois que o havia mandado conduzir por uma escolta. Eu,
Senhor, não podia já ter receios alguns a respeito de tal diligencia: o Escri
vão, que eu havia mandado era incorrumptivel, zeloso no cumprimento de
seus deveres, e assaz habil, e da escolta não podia eu desconfiar, nem havia
razões algumas de esperar que ninguem se arrojasse a querer-lhe tirar o
preso, que não tem amigo algum alem de seus proprios irmãos. Pelo
que, e porque as noticias dos manejos, que os inimigos do presente sis
tema de Governo fazião em diversas terras da comarca, e particularmente
n'este paiz de Cêa me fizerão entender que era aqui necessaria a minha
presença, parti da Guarda deixando o juiz de fora encarregado de pro
videnciar por occasião da chegada do ex-brigadeiro alguma cousa
que fosse necessario, que eu julgava nada seria, porque ao escrivão
tinha eu dado as precizas instrucções para se governar até Gouveia,
aonde eu vim combinar com o Major commandante do batalhão
o mais que me pareceo conveniente para a conducção segura do preso
até Lisboa, não me tendo esquecido pedir ao general da provincia
dous soldados de cavalleria para o acompanharem, associados á
escolta do batalhão para isso destinada, os quaes effectivamente elle
enviou a Gouveia. No dia quinze chegei a esta villa de Cea,
e hontem dezesete em logar de ver chegar o preso, como esperava, re
cebo a noticia de que elle fugira, e escapára á escolta á entrada
mesmo da cidade!...; eis aqui, Senhor, como o caso aconteceu, e me
he relatado- No dia quatorze de manhaa partio o preso da pra
ça d' Almeida a cavallo em uma cavagaldura, que o Governador
tinha para esse fim requesitado ao Juiz de fora, acompanhado do
escrivão tambem a cavallo em uma egoa propria d'elle, e escoltado
por doze soldados do referido batalhão commandados por um sar
gento: vierão ficar a Pinzio duas e meia legoas da Guarda; d'on
de, segundo as ordens, reenviárão a cavalgadura em que vinha o
preso; e como este repugnasse em vir a pé requererão ao juiz da
terra, que lhe fizesse apromptar outra; o que elle não fez, e então
o escrivão para não ver por mais tempo paralisada a marcha,
offereceo ao preso virem alternadamente por espaços na egoa
do mesmo escrivão; e assim vierão até ao chamado chafariz de
, que fica á entrada da cidade, enxergando-se já
no preso muito cançaço, e quasi impossibilitado de andar pelo mui
to que tinha caminhado a pé. Ali pedio elle ao escrivão que
o deixasse entrar a cavallo, porque se envergonhava de que o vis
sem a pé: condescendeo o sincero escrivão; montou o preso; e
aproveitando-se de um momento de distração que vio nos solda
dos, os quaes, tendo deposto as armas, se estavão lavando, e re
frescando, estimulando a egoa fugio. Os soldados ainda lhe
atirarão dous tiros, e parece que ferirão a egoa, e estiverão a
ponto de ferir o escrivão, que o seguio de perto até que de
cançado que já vinha não pôde continuar. O sargento, e
alguns soldados correrão a par delle, e ainda não tinhão vol
tado. O juiz de fóra tambem sem demora expedio officiaes
e milicianos em seu seguimento, e officiou a todas as au
toridades da raia, e das vizinhanças, e fez prender o escrivão
tomando as mais providentes medidas. Por amor e amisade
ao escrivão, tambem voluntariamente partirão algumas pessoas
a cavallo, e porque elle prometeo premios, etc tambem cor
rerão outras a pé: mas até a manhãa d' hontem não se
sabia ainda resultado algum. Eu d'aqui mesmo tenho
providenciado o que me era possivel. Fiz partir de Gouveia
os dous mencionados soldados de cavallo, que lá estavão, e o offici
ei ao Major para cooperar com o seu batalhão; o que elle
já tinha feito pondo em movimento o que tinha disponivel
logo á primeira noticia, que teve, e estou em correspondencia
tão frequente com elle, que já hoje tive duas cartas delle
À vista do que, Senhor, eu tenho ainda fundadas esperan
ças de que Joaquim Telles não escapará á justiça. Ain
da que elle consiga entrar na Hespanha, he possivel, e até
provavel, que sendo em uma ou outra parte achado sem
passaporte, seja, segundo a pratica em taes casos, reenviado
atè à fronteira, e para essa hipothese, se se verificar, já
eu tenho tomado precauções no que fica ao meu alcance
mas conviria que Vossa Magestade as fizesse mais extensas
visto como he largo patente a raia. Este desgraçado a
contecimento teve logo um bom effeito, e foi, que mos
trando-se os habitantes da Guarda condoidos da
do ex-brigadeiro, trocárão logo estes sentimentos em odio, e exe
cração, e tanto elles como todos os outros aonde chega a noti
cia da traição, e aleivosia, que elle praticou com o escrivão,
já dizem que agora se acabárão de desenganar de que o Go
verno tem procedido mui justamente com elle, e que elle era
capaz de todos os crimes. Seguro a Vossa Magestade de
que se hão de fazer todas as possiveis deligencias para a
reaprehenção daquelle indigno, que eu tenho razões de crer,
que elle leva em mira partir para a França, aonde es
pera se lhe verifique o posto que cá perdeo; e
que se ha de proceder contra quem se achar culpado da sua
fugida. A magoa que d'ahi me tem recrescido escusado
he encarecê-la a Vossa Magestade. Cea em dezasete
d' Agosto de mil oitocentos vinte e dous = O Corregedor da
Guarda = José Cupertino da Fonceca e Brito =