Illmo Sr Manoel Estanislao Fragoso
A bondade com que VaSa sempre me tem
tratado, sem que eu o mereça, e o firme conceito
de que a todos vale, e a todos consola, me obriga a
derigir-me a VaSa em hum caso, que na ma vida
mais me affligio, e me priva do socego Alẽ de pou
camente affirmar a VaSa que eu nunca pensei
mal dos misterios, e moral da nossa Sta Religião,
pois como isto são actos internos sempre dei-
xão aberto o campo a duvida, posso porem
com toda a affoitesa protular a VaSa, q nem com
as minhas palavras, ou comportamento offendo
a piedade, antes faço respeito a Religião, e suas
relações; pelo que não são meus olhos sofredores
de ler blasfemias, e sinto muito q mas dirijão.
No dia ultimo deste mes pelo correio de Lisboa
recebi a carta inclusa, que remetto a VaSa;
carta que não posso ler sem horror, e que as pri-
meiras veses q a li me pos em hüa convulsão,
não podendo nunca mais obter socego. Eu
estou bem persuadido que ella he de pessoa
d állcacer, mandada deitar no correio de Lxa
e athe tem a letra muitos vicos da de hum
Beneficiado de S. Tyago, chamado Anastacio,
pois combinando letras delle, vejo q qdo esc-
creve mais apurado he toda a letra da
carta, q impropriamte chamo carta, pois he
hüa simples narração hestorica de blasfemias,
e tras anexo hum papelinho com huma
proposição escripta, q involve hum sen-
tido duvidoso, pois podendo intender-se
em hum sentido bom, tambem se pode
intender como maxima de Deista, ou da-
quelles protestantes, que negão a Authoridade
dos concilios, e do Summo Pontifice, e di-
zem que a rasão particular he a interpre-
te das Divinas Letras. Este appendice
copio eu tal, e ql; e deixo o original pa
poder combinar com algumas letras. Eu
desafoguei com o meu Ao o Sr Major porta-
dor desta, e lhe dixe que tudo communicava
a VaSa para me aconselhar, e socegar meu
espirito. Rogo a VaSa me desculpe na vide con-
sideração de que me dirijo a VaSa pelo res-
peito q deveras lhe consagro, e pela bonda-
de, com que tracta
o seu humilde Cdo obgdmo
Mel de Sza Palermo de Aragão