Muito Reverendisimo Senhor João Afonço Dias
Prezadisimo Senhor dezejo a VMce saude muito perfeita, e que se
sirva da que
pesuo certa no seu querer.
Achandome eu em caza do
sargento Mor do Concelho de Ribeira de Pena no dia dois do mez de Fevereiro
deste prezente anno d' 1797 com Manoel Joze de Neiva boticario da freguesia
e Concelho de São Pedro de cerva comarca de
villa Real, e entrando se a falar nos
progresos dos Francezes, proferio o dito que no que elles obravavão parece,
que
Deos os ajudava, e talves apovaria tudo o que elles tem feito: ao que
respondi, que poderia ser; mas que
certamente não hera do agrado de Deos o ultraje
da religião e da sua ley: replicou dizendo: quem sabe que ley será
mais do agrado de
Deos respondi: aquella que elle deu a Moizés, e Cristo ensinou; respondeu quem sabe o que Deos dice a Moizés, este podia
escrever o que quizese, e dizer que Deos lho dicera, que
como não havia testemunhas
podia dizer o que quizese: respondi, que era certeza de fé, e só quem
fose herege duvidaria diso, e
que reparase bem o que dizia, que tinha duas
testemunhas prezentes, que erão Manoel Joze de Carvalho
e seu filho Francisco Xavier
da caza do Mato do mesmo Concelho de Ribeira de Penna que ahi se achavão
para
ouvir misa na capella do dito sargento Mor; e me apartei delle e
o deixei ficando a conversar com os dos: depois ao jantar, por eu me
mostrarar emfasteado do que lhe ouvira, me dice que aquillo que dicera,
fora de graça: mas não pude comprihender, se esta satisfação era
sincera, ou timorata: fiquei perplexo muito tempo se a devia,
ou não denunciar, e consultando pesoas pias, huns me dizião que sim
outros, que não por
parecer questão de argumento; mas lembrando-me
que o dito se alargou em dogmas de Religião e dizer que tinha certos livros
que me não lembra o nome, e que tinha lido outros prohividos, a que
eu acudi, dizendo, que os não devia ler, nem ter, e me responder, que
sabia
escolher o bom, e deixar o mao, que não fazia cazo desas
excomunhoens, e acressendo dizerme o dito sargento Mor, que o Vezitador
que tinha
andado pella sua freguesia no anno d' 1795 i elle tinha chamado Pedro
Livre, pella liberdade
com que falava, e elle ser tido por instroido em
Dogmas, e dizer que não dá credito a cousa de vizoens, ou revelaçoens
e que a nosa Religião
tem muitas cousas, que parecem superstiçoens, e que
na vontade do Pontifice estava fazer que se venerase este, ou aquelle
santo;
e na festa do São Braz que se fez no dia seguinte na Igreja do Salva-
Salvador do dito Concelho de
Ribeira de Pena fazer nnota publicamente do
Pregador, por contar certa vizão que tivera hum santo, dizendo: aquelle ainda cre
em vizoens. e tendo
emformação que o espirito do tal não he muito catolico,
antes bastantemente lebertino nas suas praticas, me diliberei a fazer esta
deligencia
e a pola na sua determinação por estar capacitado, que asim o devia fazer.
Deos guarde
a VMce como muito lhe dezeja quem he
de VMce muito venerador
O Padre Joze Antonio d Carvalho e Almeida
Cabeceiras de Basto
Caza de Piellas
12 de Junho
d' 1797