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[1654]. Carta não autógrafa de Francisco Gomes Henriques para Beatriz Mendes, sua mulher.
Autor(es)
Francisco Gomes Henriques
Destinatário(s)
Beatriz Mendes
Resumo
O autor dirige-se à mulher e aos filhos para lhes anunciar que foi condenado à morte. Despede-se de todos e declara-lhes as suas últimas vontades.
Texto: -
[1]
Deus nosso sñor esteja em vossa companhia pa emparo de
vossos filhos e genro he vos sostente vos dee de seos beis pa empa
rar a minha onrada filipa serva de deos e virtuoza dandoselhe
os des mil cruzados q destes a todos pois q meos pecados pirmi
tirão q Eu o não fizese
[2]
e seja com pesoa igual a nos e de ventage
[3]
Agora vos quero dar conta de minha desgraça q por meos pecados
me condenarão estes senhores segunda fa vinte oito de setenbro
a morte
[4]
seja deos lovado q me guardou isto perto de oitenta anos
pa vir a morer hũa morte tão afrontoza
[5]
eu a tomei com grande a
nimo apelei da dita sentença pa a curia de Roma
[6]
tomarão a dita
apelacão com grandes portestos e asinei no mesmo dia
[7]
a quinta fa
seguinte me chamarão e me diserão q não resebião a minha apelação
q me puzese bem com deos
[8]
e os ditos senhores me responderão em tribu
nal sopremo q se o não devia q o não disese q se pacase esta mortte
injustamte q gozaria do ceo aterno
[9]
eu lhe respondi como no primro
dia
[10]
asim permitira deos q o goze pois vou comforme em sua santa
fee e mizericordia
[11]
velhacos me chegarão a isto mas almas e mas
consiencias
[12]
jezu cristo lhe pesa conta com castigo e a min me de pa
siencia pa pacar este transe tão agoniado
[13]
Lus e lume dos meos olhos minha companheira de perto de sincoenta
anos ficaivos embora pois q nosso sñor jezu cristo não foi servido
q morese nos vosos bracos e de meos filhos
[14]
treze filhos tive em vossa
companhia
[15]
noso sñor os confirme asin aos prezentes como auzentes
em sua santa fee pa q rogem pela minha alma asim nem mais
nem menos como os vos dotrinastes e eu de tameninos
[16]
Meu Anto mends lus em q me revia em vossas grandezas e do
meo onrado filho frnco e a minha virtuoza vilante e o meo Anto
brandão e meos netos a minha alma fica encaregada a vos pois
deos vos pos em teras tão santas e tão virtuozas
[17]
emcomendovos
mto a minha alma com misas e oficios e esmolas e jejus
[18]
não vos esc
uecais do q vos emcomendo pois volo mereco que vos pus ricos
e onrados e os meo netos ja serão de idade pa me emcomendarem a
ds
[19]
e não quero q me facais mais q comforme vos emcomendava a ds
em minha liberdade e mto mais em meos trabalhos de tres anos
q neles estive
[20]
a todos vos filhos da minha alma e netos, não
vos esqueca a devacão de nossa snora da gloria pois he de tantos
anos e a devacão dos pobres q vinhão a esa casa pa q deos se lenbre de mi
nha alma
[21]
quando vim a estes cancados trabalhos pormeti a ds nosso sñor
e a virgem nossa sñora da gloria q se me livrase e fose pa minha caza lhe deria
q cazaria hũa orfa onde lhe daria sento e sincoenta mil rs por letra
[22]
pecados não derão ese lugar nem foi ds servido
[23]
não deixe de se cazar
logo pa q ds ponha seos olhos de mizericordia com a minha alma sendo
ela serva sua pois tanto a tenho ofendo,
[24]
tinha em minha vontade
q fose aquela orfa parenta vosa a quem demos hũa cacha de asuquar
das mtas q nos vierão hũa ves do Rio de janro
[25]
e lha derão na alfandega
livre sem pagar direitos
[26]
não lhe sei o nome porq me não lembra
[27]
ou
esa ou a filha de luis pais a mais pequena q he onrada e mto fermoza he
[28]
não faltara quem quaze com ela por sua fermozura
[29]
he isto seja aque
la que a vos vos parecer que em vosa ileição o decho.
[30]
Minha ma enriques lus em q me revia e meu onrado filho e genro,
estevão da silvra minha esmoler molher e marido sabe noso sñor filha
as ancias q levo vosas e de voso marido porq eres onra da nosa geracão
[31]
ds vos deche lograr e gozar vosa mucidade em serviso de ds noso sñor
q he a verdadeira e a min me de paciencia pa pacar este transe de agonia
[32]
pesovos mto a vos e a voso marido pois fazieis bem a todos facais bem a
este desgarciado pois foi ds servido q não morese em vosos bracos
he em nosa caza,
[33]
pola minha bencão e a de ds q vos não esquecais do que
vos emcomendo eses dias q viveres
[34]
e asim vos peso q o escrevais ao meo
anto mendes e a franco e a vilante o q atras lhe digo a eles
[35]
em todas as ocaziois
q lhe escreveres estimarei q vos lembreis de minha alma asim como eu
o fazia em meos trabalhos e todas as nosas obrigasois toquante a nossa
caza
[36]
a meo filho estevão da silvra lhe peso q busque o irmão de pero lopes
e que lhe pesa mto e lhe ponha em comsiencia q he mto devoto dos ingrezinhos
q me emcomende a minha alma a ds q o mesmo fizera eu se istiver em
liberdade como ele está
[38]
e teria cuidado desa
caza pela mta cuid amizade q entre nos avia q lho mereco
[39]
e gozando
da vista de ds como confio em sua mizericordia, eu terei cuidado de me
lembrar dele e de todos os mais
[40]
As advirtencias q acho pa descargo de minha conciemsia são as segintes
a jaques mercador lhe devo comforme me parese nove mil rs de suas
pagas da sobrelogia em q vevia ou o que ele por sua verdade diser
[41]
tãobem lhe devo mais algũas miudezas de sua logia q elle dira o q he
[42]
tãobem lhe devo de mais a mais sinquo ou seis tostois q lhe pedi pa dar a
hum pobre
[43]
se não os tiver asentados deselhe satisfacão com o demais
[44]
não acho q deva mais pa dezemcaregar minha consiencia q isto
[45]
tomemme
tres bulas de composição pa ir mais satisfeito,
[46]
sse for vivo po gomes não dechem
de lhe fazer bem dandolhe oito des tostois cada mes e hum vestido cada ano
suas camizas e meias e sapatos e lhe pagem as cazas em q viver por amor de deos
[47]
tãobem deve
alberto pais
outo a
hua
pequena
chueta
e dise dian
te de min q
avia o dro
se o não
cobrese
suas cazas
[48]
O Vigairo da Loirinham q se chama foão grases freire me deve
duzentos e sincoenta mil rs e custas o que a sentença dicher a qual
divida me deve da igreja em q esta das bulas q lhe mandei vir de roma
q me não pagou de q he escrivão dos vigairos fulano pinto q mora a nosa
sñora dos martes cunhado do surdo trosedor
[49]
o dito vigairo me pagava
cada ano vinto mil rs natal e são joão des mil rs em cada paga he
deviame duas pagas antes q me prendesem
[50]
e o irmão de alvaro da costa
mercador me dise dois dias antes q me prendesem, q tinha vinte mil rs
pa me dar por conta do dito vigairo se he q os não deo
[51]
deve ese ano e os tres
de meos trabalhos e o mais q por diante vai corendo e lhe der satisfacão
por imcheo
[52]
e não satisfazendo tudo o podem mandar escomungar na
comfirmidade da sentença
[53]
e não pagava mais q os ditos vinte mil rs
cada ano porq tinha grande pencão e o avia mister pa seo comgro
co q se achar por meos escritos de recibos lhe levarão em comtam, quando
lhe derem quitação.
[54]
Anbrosio de agiar q ds tem era mto pontual e por iso lhe emprestei
seis mil cruzados em q entrou hum cavalo q me tinha custado oitenta
mil rs
[55]
naquele mes q o avia comprado lho dei logo por setenta mil
rs ainda menos do q me avia custado
[56]
cobre no de seo marido porq ela
tornou a cazar de q esta hũa escritura sua no escritorio dos meos pa
peis e facaselhe embargo nas cazas do Remolares pa se irem pagando V
quando não puder ser menos.
[57]
A condesa do sabugal me deve seis
sentos mil rs q lhe dei a seis anos a rezão de juro de q tenho escrito
seo
[58]
e antes q me prendesem me deo comsinacão nas logias das suas cazas
da rua nova
[59]
cuido q cobrei sem mil res ou o que na verdade se achar por
meos resibos
[60]
o mais se cobre dela e os reditos q os pagar com o primor com
q lhos dei.
[61]
Na rua da moiraria morava hum alfaiate
[62]
a entrada da
nosa porta empenhou hũa salva pequena em quatro mil rs e nela esta por
algarismo da minha letra
[63]
se a não veio tirar he sua
[64]
Ahy estão ou
tros pinhores de hum omen q nos podava as pareiras
[65]
estão em quatro
mil rs comforme minha alembranca
[66]
os pinhores ele dira os q são em
sua consiencia
[67]
pouco mais valião do q lhe emprestei.
[68]
tãobem esta
hum sestinho de prata empenhado em oito mil rs
[71]
se o vierem buscar demlho.
[72]
tãobem estão
hũas galhetas em seo pratinho tudo de prata empenhado em des
mil rs q mel aires mercador de panos sabe de quem são
[74]
ahy estão mtos pinhores de diversas pesoas de culheres
e garfos e copos e aneis q todos comforme minha alembranca neles
esta asentado o q devem
[75]
asim nas cazas da moiraria mos empenha
rao como na logia
[76]
vindose buscar se dem q não quero levar
ese emcargo bastame o emcargo de meos pecados.
[77]
hũa vezinha forgideira da moiraria tem impenhado hua anagoa de baeta
em mil e oitosentos rs ou o q ela diser
[79]
Na emchara dos cavaleiros quando fui a ver minha irman antes q me prendesem
vi tantos pobres q lhe fis o q pude q me cortarão o coração
[80]
asim vos peso minha
companheira q todos os anos emqto viveres lhe deis dois moios de mestura
ou senteio ou milho tudo repartido pelos mais pobres da dita vila a quatro
alqres cada hum comforme os filhos q tiverem aventegando a mai de pelonia
[81]
A paula de belas filha do ferador e a suas filhas lhe acudão todos os
mezes com suas amasaduras de pão e dro q são mto pobres
[82]
pa q todos me em
comendem a minha alma a ds, as esmolas q se fizerem na emchara
seja pelo mes do natal q he o maior aperto q eles tem
[83]
e isto repartira
meu cunhado simão vas ou minha irman se forem vivos
[84]
e por vosa morte
decharei isto emcaregado a quem vos parecer pa q me emcomendem
a ds pa q me perdoe meos pecados,
[85]
com a duro comfeiteiro tenho contas
largas
[86]
ele me deve he eu lhe devo
[87]
façaose contas quem dever q page
[88]
E Avendo algũas dividas q eu deva q me não alenbrão a todas sse
dem satisfacão sem contenda de justica q asim he a minha redadeira
vontade.
[89]
Minha sñora e companheira pesovos mto q a meo companheiro
q foi nestes caseres q lhe tenho mtas obrigasois o agazalhem no escrito
rio de grigorio com mto amor porq não he desta terra nem tem nimgem
nela q eu fazia conta se tivese liberdade levalo comigo
[90]
e se lhe faca
logo hum vestido mto bom do q ele quizer ou se lhe de o dinheiro bastante
pa tudo o q lhe for nesesario e cama e de comer bastante e o mais q lhe for
nesesario e jubão de seda e toda a ropa branca q lhe for nesesario e lencos
[91]
e tudo o mais se lhe de milhor do q a min porq asim he a minha redadeira
vontade he coiza q serve pa esa caza e de mta utulidade por ser mto nobre como o
tempo demostrara
[92]
sobre isto não tenho mais q vos dizer porq nada
lhe falte pois he forasteiro e não tenho em minha prezenca q lhe
deiche
[93]
ou lhe dem logo vinte mil rs pa q ele faca o vestido a seo
gosto dandoselhe tudo o mais q asima digo não lhe faltando nada
[94]
mto vos avizara mas esto tão afregido q não me da o tempo lugar
a mais
[95]
a ds q vos gde a todos e vos de paciencia e a minha bencao q vos
gde a todos e a de ds pramente
[96]
Deste voso desgarciado afrigido
frco guomes ẽriqũes
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