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Maarten Janssen, 2014-
Resumo | Maria Jacinta dos Anjos envia notícias a sua mãe, por intermédio de seu tio, e confessa-se rebelde e desobediente. |
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Autor(es) | Maria Jacinta dos Anjos |
Destinatário(s) | Maria Teresa de Jesus |
De | América, Brasil, Rio de Janeiro |
Para | S.l. |
Contexto | Há duas fontes documentais e uma monografia que permitem contextualizar a personagem histórica de Rosa Maria Egipcíaca, bem como o círculo onde se movia: trata-se dos processos 2901 e 9065 da Inquisição de Lisboa, arquivados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e o livro de Luiz Mott (1993), "Rosa Egipcíaca uma Santa Africana no Brasil", Bertrand Brasil. As pessoas envolvidas nos processos 2901 e 9065 enquanto réus são Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, escrava forra (natural da Costa de Ajudá, de etnia courã e residente no Brasil), o Padre Francisco Gonçalves Lopes (português, residente no Brasil) e o Padre João Batista de Capo Fiume (italiano, residente no Brasil). Os primeiros dois conheceram-se em São João del Rei (Minas Gerais), ainda Rosa era escrava. Segundo o seu testemunho, em 1748 converteu-se à vida religiosa guiada pelo Padre Francisco Gonçalves Lopes e abandonou um passado de prostituição. Afirmou à Inquisição ter sentido “invasões espirituais malignas”, e o padre exorcizava-a. Houve alguns acontecimentos que foram contribuindo para a crescente má fama de Rosa e para desconfiança das autoridades em relação a ela. Em 1749, numa igreja, estando Frei Luís de Peruggia a discursar, Rosa levantou-se e gritou algo sobre os demónios presentes no local e caiu ao chão. De seguida foi exorcizada, foi mandada prender pelo bispo e açoitada no pelourinho da praça pública, facto que a terá deixado paralisada do lado direito. Depois disso não havia quem a confessasse, e Rosa pediu uma audiência ao bispo de Mariana para provar a sua sinceridade. Foram feitas provas de exorcismo na presença de vários sacerdotes, mas a escrava não conseguiu convencê-los de que estava possuída. Vendo o seu desespero, o padre Francisco Gonçalves Lopes convenceu Pedro Rodrigues Arvelos ‒ um lavrador amigo de ambos – a comprar Rosa à sua proprietária e assim a escrava foi trocada por um "moleque". Em 1751 Rosa e Francisco Gonçalves Lopes decidiram ir para o Rio de Janeiro, dada a sua fama de "velhaca" em Minas, e segundo o testemunho do Padre Filipe de Sousa, próximo dos réus, porque quiseram fugir a um possível julgamento de Rosa. Foram vivendo em casa de amigos do padre e a escrava mudou de nome, acrescentando-lhe "Maria Egipcíaca da Vera Cruz". Em 1751 Rosa aprendeu a escrever com Maria Teresa do Sacramento. Há dois documentos originais da sua letra nos processos da Inquisição, ao lado de muitos outros de que foi autora mental por os ter ditado à sua mestra de escrita. O seu novo responsável espiritual passou a ser Frei Agostinho. Em 1754 Rosa, o padre Francisco, frei Agostinho e alguns patrocinadores fundaram o Recolhimento de Nossa Senhora do Parto. O bispo do Rio de Janeiro, Dom António do Desterro, nomeou como primeira regente Maria Teresa do Sacramento (de 28 anos, natural de Lisboa), mas Rosa era a verdadeira responsável da instituição. O Recolhimento seria destinado "a mulheres pecadoras que nos confessionários diziam que tinham ofendido a Deus por não terem casas para morar" (p. 42 do livro de Luiz Mott) e teve diversas recolhidas de várias idades. Maria Teresa não se sentiria como total regente e, juntamente com Frei Agostinho cujos exorcismos não resultavam com Rosa, denunciou a africana ao bispo pelo seu comportamento estranho. Isto porque Rosa continuava com frequentes ataques e desmaios, chegando a agredir e maltratar quem estivesse por perto, necessitando de muitas atenções e diversos exorcismos, descritos por algumas testemunhas do processo inquisitorial. Frei Agostinho deixou de ser seu diretor espiritual, também por ter adoecido, e foram nomeadas outras pessoas para essa função. A fama de Rosa agravou-se também porque, estando numa igreja a assistir à missa, viu que estavam duas senhoras a conversar e avançou sobre elas. Destas duas pessoas, uma era membro da elite do Rio de Janeiro (Dona Quitéria), o que fez com que por ordem do bispo fosse expulsa do Recolhimento de Nossa Senhora do Parto (1758). Dificilmente a ré se livraria da fama de embusteira, mas para que Rosa não tivesse nova sentença de açoites ‒ que teria, como escrava -, pediu a Pedro Rodrigues Arvelos a sua carta de Alforria, e tornou-se liberta. Nos sete meses seguintes, Rosa viveu em casa de uma amiga e depois na casa do padre Francisco Gonçalves Lopes, anexa ao Recolhimento. Entretanto, ficou como seu diretor espiritual Frei João Batista , e durante este tempo Rosa disse ter a premonição de um dilúvio. Houve alguma expectativa em relação a esse acontecimento, e quando ele se deu, agravou-se a sua fama. Voltou a entrar para o Recolhimento sem explicação aparente (mas como na época o bispo estava doente, pode ter havido um aproveitamento da sua debilidade). No ano de 1759 as quatro filhas de Pedro Rodrigues Arvelos e Maria Teresa Arvelos entram para a instituição (Maria Jacinta, de 13 anos, Faustina, de 16, Genovena, de 19, e Francisca Tomásia, de 11). Rosa era motivo de adoração, tal como as suas relíquias (dentes, sangue, cabelos, cartas, roupas e saliva, com que se faziam bolinhos para alívio das meninas que sentissem maus espíritos). Chegou-se a mandar fazer um retrato de Rosa para ser adorado na igreja, mas a Inquisição nunca o conseguiu encontrar. Já em 1762, a 22 de janeiro, Dom António do Desterro pediu que Rosa e o padre Francisco Gonçalves Lopes fossem presos por culpas de heresia formal. Coube ao Promotor do Juízo Eclesiástico local, Dr. António José Correia, formalizar o auto de denúncia, levando a portaria a casa do Padre António José dos Reis Pereira de Castro (principal representante da Inquisição no Rio de Janeiro), que tinha sido já quem ordenara a sua anterior expulsão do Recolhimento. Não há indicação da causa de uma acusação formal repentina, mas segundo Luiz Mott seria por Frei Manuel da Encarnação ter sido eleito em 1761 Vigário Geral, e ter sido ele um dos que pressionaram o bispo para punir Rosa na altura do incidente com Dona Quitéria. Ao todo foram ouvidos no Rio de Janeiro doze homens e sete mulheres e o primeiro foi o Padre Francisco Gonçalves Lopes, contando casos passados com a ré, mas sem a acusar. No entanto, a maior parte dos testemunhos foram incriminatórios e o comissário declarou haver fundamento para um mandado de prisão, que foi dado a 4 de fevereiro de 1762. Mais nove testemunhas foram ouvidas até ao dia 13 do mesmo mês, também elas maioritariamente incriminatórias. No dia 20 começou o interrogatório a Rosa, e o padre acabou também por ser detido a 8 de março do mesmo ano. No dia 6 de março , Maria Teresa Arvelos apresentou-se ao inquisidor e entregou-lhe 55 cartas que ela e seu marido tinham recebido em São João del Rei (26 ditadas por Rosa, 22 do Padre, 4 de Maria Jacinta e 3 assinadas por Faustina, ambas filhas dos Arvelos), bem como um manuscrito que relatava algumas visões da ré. A 12 de março foi a vez de seu marido se apresentar, procedimento comum na época pois quem tivesse relação com um réu autoincriminava-se , já que os arrependidos ou confessados podiam ter a condescendência do Tribunal do Santo Ofício. Rosa e Francisco Gonçalves Lopes estiveram presos durante um ano seguido à espera de ordens de Portugal. O único bem confiscado ao padre foi inexplicavelmente o seu escravo Brás, que por causa das acusações contra seu senhor também foi preso. Foi leiloado em agosto , e do processo consta o "Auto de Arrematação do Mulato Sequestrado do Padre Francisco Gonçalves Lopes", que foi vendido por 510 réis. A 1 de março de 1763, o escrivão deu os autos como conclusos, pois da parte da justiça do bispo já não se poderia atuar . A 29 de março do mesmo ano o Comissário Anteriorónio José dos Reis Pereira e Castro determinou a remessa dos presos para o Tribunal do Santo Ofício e Lisboa. As despesas da viagem foram pagas com o dinheiro conseguido com a venda do escravo Brás. Chegaram a Lisboa a 2 de agosto de 1763 (a viagem terá demorado cerca de três meses) e foram encaminhados para os cárceres da Custódia. Foram revistados e o que confiscaram ao padre foi: uma caixa de tabaco velha de prata, um breve de marca com seu cordão, tudo em ouro, um garfo e colher de prata, 60 réis e um lenço com um embrulho de papéis. Ainda nesse dia foram transferidos para os Cárceres Secretos. A partir de 19 de outubro , Rosa foi ouvida, mas o padre adoeceu, de modo que passou um ano até ser interrogado pela primeira vez. Na sala de audiências estariam: o réu, os guardas que controlavam as saídas, um inquisidor e um notário. Rosa, teve seis sessões de interrogatório muito espaçadas, que decorreram até 4 de junho de 1765 (ano dos seus 45 anos) ficando sempre presa no cárcere inquisitorial. A Mesa pediu que todas as onze testemunhas do Brasil voltassem a ser inquiridas e que se encontrasse o terceiro réu do processo, Frei João Batista de Capo Fiume. Mandou também que se procurasse o retrato de Rosa que era adorado no Rio. Quanto a Frei João Batista, o familiar responsável disse ter procurado o sacerdote, mas os que o conheciam disseram que tinha voltado para Itália (terá falecido em 1786, em Bolonha, no seu convento, aos 74 anos). Quanto aos interrogatórios feitos ao padre Francisco, esses tiveram início a 29 de março de 1764. O réu tentou desresponsabilizar-se alegando que tinha sido enganado por Rosa e pelo crédito que ela recebia, enquanto santa, da parte de sacerdotes com patente mais alta do que a sua. Entretanto, descreveu no processo as experiências vividas com aquela ré, e chegou a relatar um episódio em que Rosa o terá tentado seduzir. A Mesa conclui que o réu seria culpado, suspendeu-o de confissor e de exorcista, obrigou-o a orações diarias e condenou-o a cinco anos de degredo em Castro Marim. Autorizou, no entanto, que continuasse a celebrar missa. A 24 de março de 1766 o sacerdote foi cumprir o degredo, mas por ter adoecido em Castro Marim foi autorizada a sua transferência para a sua Beira natal. O processo de Rosa seria prejudicado pelas novas audiências às testemunhas do Brasil, pois eram, na sua maioria, desfavoráveis à sua libertação. Inexplicavelmente, este processo não tem incluída uma sentença e termina com um escrito de Ana do Coração de Jesus (rapariga recolhida no Rio de Janeiro) com acrescentos ao seu depoimento. Sobre isto Luiz Mott diz que Rosa podia ter sido transferida ou mesmo ter falecido, se bem que não haja certificado de qualquer dessas eventualidades. Recentemente foi descoberta a certidão de falecimento de Rosa Maria Egipcíaca, que terá falecido por morte natural na cozinha, dizendo o tal documento o seguinte (transcrição normalizada): "Em o dia de hoje doze do prezente mês de outubro do presente ano de mil setecentos e setenta e um fomos ambos chamados aos cárceres secretos desta Inquisição e indo em companhia do guarda António Batista (...) que serve de Alcaide do Médico e mais guardas ao cárcere da cozinha nela achámos um corpo morto que reconhecemos ser da preta Rosa Maria Egipcíaca conteúda nestes autos na qual se achava presa aqueles ditos Médico Alcaide guardas nos foi dito que ela tinha falecido de sua morte natural originada de várias moléstias que padecia complicadas com achaques e que fora visitada pelo nosso médico e cirurgião administrando-se-lhe vários remédios necessários para a dita enfermidade e recebera o Sacramento da Ascensão de que se passou esta certidão que assinamos em os ditos doze do corrente mez de 1771, Manuel Ferreira". |
Suporte | uma folha de papel dobrada escrita nos dois rostos. |
Arquivo | Arquivo Nacional da Torre do Tombo |
Repository | Tribunal do Santo Ofício |
Fundo | Inquisição de Lisboa |
Cota arquivística | Processo 14316 |
Fólios | 101r-102r |
Transcrição | Leonor Tavares |
Revisão principal | Rita Marquilhas |
Contextualização | Rita Marquilhas |
Modernização | Raïssa Gillier |
Anotação POS | Clara Pinto, Catarina Carvalheiro |
Data da transcrição | 2008 |
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