Jesus Maria Jose
Meu amigo e Senhor
o correyo passado lhe escrevi a Vmce porem
não foi a carta porque mandandoa eu na quarta feira a
Cramos incluza na de hũ religiozo
que costuma remetermas
na quinta feira a Amarante que he o dia do correyo, sucedeo que
da caza aonde eu a mandei partio
nesse dia hũ Reverendo
Luis da Cunha vigario de Constantine lá para Villa Real que
havia de passar por Cramos e se encarregou
de
entregala, porem creio a levou para a sua Igreja para lá a abrir,
como me dizem costuma quando tem semilhantes occaziois
e
de lá a mandou e se entregou no sabbado estando eu em
Cramos, este Reverendo dizemme que ja foi beijar a sentensa a esse
santo
tribunal he porque tambem he dos da
confraria e pellas informaçõis que me dão he bem
dezenvergohado, e tanto, que para o demonio encarecer a certa pessoa o quanto
eu sou e fui mao, para que se não confesse comigo, nem
me
descubra nada ,como fes sempre para com todos os
confessores que lhe tem entendido o achaque, me compara com
o dito clerigo, dizendo
que fui e sou tal como elle; só
reparo que espicificando peccados em tudo mente, no que o não he
falla verdade e tem descuberto
cousas que o tal sogeito não
podia saber sem o demonio lhe dizer: eu tenho tido
graves contendas com este demonio tem feito por me meter.
medos,
e feito ameaças de morte, e fesme morto algũas
vezes, hũa em hũ barranco outra de hũ tiro e outra
de fogo fazendo se visse arder a caza em que eu dormia,
e quando soube eu queria hir
tirar o depoimento para a denuncia se pôs no caminho com hũ esquadrão de demonios em
hũa
encruzilhada de hũa e outra parte com espadas largas e luzentes em
ameacandome se pr ali passasse, isto veo a molher muitas vezes, e peguntandolhe
para que era
tantas, e tantas armas para hũ frade que havia de hir só respondeo, que bem sabia que
para
mim um só bastava, porem que queria que cada hũ me cortassse hũ bocadinho e
formando hũ frade como eu a frente do tal sogeito,
o forão partindo em pedacinhos
com as espadas dizendo que assim me havião de fazer, e por isto, e outras mais cousas
me quis ella tirar de lá hir, e por ali passar tendo por sem
duvida o haver
de ter algũ perigo, do qual eu nenhũ receio tive, pois estava certo que sendo
asinado em serviso de Deos não podia o demonio
fazerme mal, e assim foi porque veo
o mesmo sogeito que ao passar eu pello sitio todos os demonios virarão as espadas com
as pontas
para si, e ajoelharão bem sei que não ajoelharão á minha virtude
porque della tem o demonio bem pouco
medo, mas ou foi a dignidade de
sacerdote ou ao pello linho que trago como o de vmce ou querer Deos aterralos, e
castigalos
no mesmo lugar aonde intentavão impedir o seu serviso tem
tomado a minha figura, , para enganar e feito cousas inauditas.
o clerigo que
acima digo não deve de estar verdadeiramente convensido porque ainda
quando cá vem á terra persegue a certo sogeito com quem tratava no temp
das diabruras,
e a ella lhe custa muito defenderse delle. Na dita carta
dizia a Vmce em como o sogeito não quis que eu fizesse a denuncia em seu
nome
senão hir fazela a hũ Comissario porem despois soube que o Comissario
a quem fis foi o mesmo demonio e não foi
pouco o dar nisso, e
capas de assim o entender, como ja o entende, e dis que só outra vés
padecera semilhante engano ,queira Deos
não fosse mais vezes, e que cuide ella tem
tem denunciado algũas couzas que não estão denunciadas. Como este sogeito estava sem
confessor
que lhe conhecesse o achaque ,nem todos lho entendem pello modo que ella se confessa, veio darme a
mão, e com a freguesia de confissõis, e
comunhõis se tem descuberto muitos pactos, e o demonio
entregado cousas em que elles estavão, porem ella ainda tem muita cousa disto, de
que procede
enganala o demonio a cada passo, e com a confissão e comunhão se dezengana, e então lhe dá
Deos luz para conhecer a
verdade este negocio he tal que eu não me entendo com elle toendoo
esquadrinhado bem em largas conferencias com o sogeito na confissão e
extra, e por hora
só pude averiguar devia denunciar o que remeto na forma que melhor o soube fazer. No
que toca aos mais pactos que são
muitos os que tem confessado porque de novo com as repetidas
confissõis e comunhõis lhe lembrão, são de couzas que de novo lhe nacen no
corpo, varios instrumentos
as quais cousas tocadas por ella, ou tocando com ellas a outrem hia peccar com as
tais pessoas, ou ellas vinhão a certa
parte peccar com ella e dis que não sabião do tal pacto, mas
era isto por hũ modo que eu agora não tenho tempo para dizer ainda que
já o entendo e todas
estas pessoas com quem tocão ou a quem respeitão estes pactos de novo lembrados dis ella
ja estão denunciados em outros pactos que
antecedentemente lhe lembrarão, e que por isso sente
deve de novo denunciar nada disto, e que assim o
praticarão ja os seus confessores, e eu
nisto fico em duvida e assim lhe disse que mandava perguntar a Vmce o que nisto se devia
fazer,
Vmce mo mande dizer em modo que eu lhe possa mostrar a carta para que ella fique com
menos duvida; os pactos dis ella são
semilhantes a outros que ja denunciou e os peccados que com
as tais pessoas foi da mesma especie
etc eu entendo pello modo com que o demonio armou
esta tratada, que não sahirá nada a luz, salvo havendo modo, ou porva
com que esta
Marianna de Simõis se prendesse, e lá obrigada com tratos, ou exorcismos quizesse declarar
verdade, porque
como ella foi a que ensinou a Roza, tambem ensinaria mais, e a ella alguem
a ensinou; das mais tocadas tenho confessado trés ou quatro das já denunciadas, não tem
couza
que se diga; a outra para que primeiro pedi licença sempre entendo he das finas, porem
pareceme não he da confraria da Roza; ja me
tem vindo 4 vezes aos pés e nunca quis ou não pode
confessar, sempre foi sem absolvição, hũ destes dias me tornou a fallar, que ainda havia
de vir outra vés cuidando eu
que mais a não via porque nos despedimos, eu não a entendo.
o correyo passado me remeteo o Prior de Santo afonso a de Vmce em
reposta da que lhe escrevi de
Pombeiro na qual fallava no que foi para tirar os cabellos, outras mais cousas destas tenho
feito nao tão graves
mas era precizo, e o Frei Manoel das Chagas, e o Regedor de Onhão quando
tratavão deste sogeito fazião o mesmo, athé gora não me parece illicito o
que foi estra
confesso em suposta a necessidade do sogeito e persuadirme eu que sem perigo proprio o fazia, só
hũa couza tem em que eu
me não quero meter, porque não quero nem posso fiar tanto de mim
estimarei que o senhor Manoel de Vasconselos esteja com melhoras,
e alcance logo saude perfeita para
tratar das suas concluzõis. Deos guarde a Vmce
Refonteira
29. de Dezembro de 722
De Vmce muito amigo e servo
Frei Antonio das Chagas
Depois de ter a carta feita me remeterão a de Vmce deste correyo
em reposta de que lhe escrevi e e a de Vmce he escripta em
22
deste. disme Vmce que não entende bem esta tratada e assim creio que
será porque por letra
não se pode explicar bem e procurando eu sabela de
rais em muitas e largas conferencias que para isso tenho feito não sei se a
entendo bem,
si entendo que por letra mal poderei dizer o que tenho
entendido nesta materia emquanto a fazeremse as denuncias antes de
absolver he cousa
que não pode ser, nem este negocio pode correr pellas regras
gerais porquanto só despois de comungar está o sogeito capaz de poder
fallar em
modo que ja entenda, porque como o demonio a tem ainda
ligada com muitos pactos e estes sempre lhe vão lembrando de novo
quando frequenta os sacramentos emquanto não abjura os que lhe lembrão e
a não absolvem, está o demonio mui forte, e não a deixa
ser senhora de si,
eu a absolvi muitas vezes com promessa de fazer despois tudo o que eu
lhe disser lhe he precizo para descarga de sua
consciencia: e entendo
que esta molher está verdadeiramente convensida e que se tomara ver livre
de tudo, e fara o que lhe disserem he
necessario porem no que toca a
renovar as denuncias que ja fés isso será metermonos em hũ cambanito
e confuzão, que
lhe fará muito mal a ella, e só estando ja totalmente livre
do demonio poderia sem menos prejuizo repetir o que tem dito; si me parece
que se podera fazer isto a respeito de algũas couzas que a Vcme lhe parecerem
mais graves, e essenciais, e que lá não estejão bem
declaradas, se a respeito
disto for necesaria algũa declaração della, por algum modo lha farei fazer
porque ainda por aqui havemos de andar perto athe a quaresma
e,
eu tenho disposto o negocio em termos que posso hir algúns dias fallar com
o
tal sogeito a sua caza, e sem a sua gente entender o que he,
porque a
tem por assombrada, e cuida, e tambem os mais que lhe vou ler
exorcismos etc outras vezes vem ella ainda No que toca os
pactos
que de novo lhe lembrarão mandeme Vmce dizer se basta que
fiquem assim sem ser necesario declarar algũas pessoas com quem tocão
tais pactos
como a dita molher entende e assim me parece pello modo
que me dis se fazia isto, e como ja forão as tais pessoas denunciadas
por culpas
semilhantes e não sabem por que modo erão constrangidas
a peccar, dis a tal molher lhe conselhavão os confesores não falasse nisso
salvo ouvesse pessoas
diversas, modo de peccar diverso etc e assim dis
que tem passado muitas confissois, e se ouver de tornar a dar conta disto
serlheha mui custozo e talvés
nocivo. sobre isto peço reposta em
forma que lha possa mostrar; só me fallou em hũa criança
entre as muitas que se matarão para os Rios, das
quais tenho algúns em meu
poder para se queimarem, para a morte da qual concorreo a Marianna
e outras pessoas, dis que não sabe que as tais
pessoas que matavão as crianças
que as cozião, e queimavão, por mandado do demonio que ali assistia em
figura de homem, erão
sabedoras que aquillo era para veneficios e por
mandado do mesmo demonio he muito de prezumir que assim fosse,
emquanto
á Marianna não tenho duvida, nem tão pouco em que seja hũa grande
bruxa e por isso eu ja a Vmce toquei que tomara
apanhala em hũa
por modo que contra ella se podesse proceder, e em algũas destas
mortes das crianças he que eu a esperava, se ouvesse dos mais
assistentes
algú que contra ella depuzesse álem da Roza, porem esta me
disse despois que todas estas diabruras das tais mortes estavão
denunciadas, e perguntandolhe eu
quantas serião, disseme que das que ella sabia serião
serião dés ou doze, se Vmce me poder mandar dizer se
lá fautas, e se está lá algũa em que entre a dita Marianna e hú
clerigo que creio era pai da criança que então se chacinou, e
não sei
se parente da mesma Roza, segundo minha lembransa porque se acazo
por este meio, ou pello depoimento do tal clerigo, ou por outro
semilhante
se podesse achar porva para se prender a dita Marianna, nesta he que
está todo o segredo deste negocio e esta he a
que havia de
dezembrulhar a meada, se lá ouvesse meio com que a obrigassem a fallar
a verdade e de outra sorte suponho que nada se fará.