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Maarten Janssen, 2014-

CARDS2111

1722. Carta de frei António das Chagas para [António Ribeiro de Abreu], Inquisidor de Coimbra.

Author(s)

António das Chagas      

Addressee(s)

António Ribeiro de Abreu                        

Summary

O autor pede conselho ao destinatário em relação a umas confissões que tem ouvido a uma mulher que parece estar possuída do demónio.

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Jesus Maria Jose

Meu amigo e Senhor o correyo passado lhe escrevi a Vmce porem não foi a carta porque mandandoa eu na quarta feira a Cramos incluza na de religiozo que costuma remetermas na quinta feira a Amarante que he o dia do correyo, sucedeo que da caza aonde eu a mandei partio nesse dia Reverendo Luis da Cunha vigario de Constantine para Villa Real que havia de passar por Cramos e se encarregou de entregala, porem creio a levou para a sua Igreja para a abrir, como me dizem costuma quando tem semilhantes occaziois e de a mandou e se entregou no sabbado estando eu em Cramos, este Reverendo dizemme que ja foi beijar a sentensa a esse santo tribunal he porque tambem he dos da confraria e pellas informaçõis que me dão he bem dezenvergohado, e tanto, que para o demonio encarecer a certa pessoa o quanto eu sou e fui mao, para que se não confesse comigo, nem me descubra nada ,como fes sempre para com todos os confessores que lhe tem entendido o achaque, me compara com o dito clerigo, dizendo que fui e sou tal como elle; reparo que espicificando peccados em tudo mente, no que o não he falla verdade e tem descuberto cousas que o tal sogeito não podia saber sem o demonio lhe dizer: eu tenho tido graves contendas com este demonio tem feito por me meter. medos, e feito ameaças de morte, e fesme morto algũas vezes, hũa em barranco outra de tiro e outra de fogo fazendo se visse arder a caza em que eu dormia, e quando soube eu queria hir tirar o depoimento para a denuncia se pôs no caminho com esquadrão de demonios em hũa encruzilhada de hũa e outra parte com espadas largas e luzentes em ameacandome se pr ali passasse, isto veo a molher muitas vezes, e peguntandolhe para que era tantas, e tantas armas para frade que havia de hir respondeo, que bem sabia que para mim um bastava, porem que queria que cada me cortassse bocadinho e formando frade como eu a frente do tal sogeito, o forão partindo em pedacinhos com as espadas dizendo que assim me havião de fazer, e por isto, e outras mais cousas me quis ella tirar de hir, e por ali passar tendo por sem duvida o haver de ter algũ perigo, do qual eu nenhũ receio tive, pois estava certo que sendo asinado em serviso de Deos não podia o demonio fazerme mal, e assim foi porque veo o mesmo sogeito que ao passar eu pello sitio todos os demonios virarão as espadas com as pontas para si, e ajoelharão bem sei que não ajoelharão á minha virtude porque della tem o demonio bem pouco medo, mas ou foi a dignidade de sacerdote ou ao pello linho que trago como o de vmce ou querer Deos aterralos, e castigalos no mesmo lugar aonde intentavão impedir o seu serviso tem tomado a minha figura, , para enganar e feito cousas inauditas. o clerigo que acima digo não deve de estar verdadeiramente convensido porque ainda quando vem á terra persegue a certo sogeito com quem tratava no temp das diabruras, e a ella lhe custa muito defenderse delle. Na dita carta dizia a Vmce em como o sogeito não quis que eu fizesse a denuncia em seu nome senão hir fazela a Comissario porem despois soube que o Comissario a quem fis foi o mesmo demonio e não foi pouco o dar nisso, e capas de assim o entender, como ja o entende, e dis que outra vés padecera semilhante engano ,queira Deos não fosse mais vezes, e que cuide ella tem tem denunciado algũas couzas que não estão denunciadas. Como este sogeito estava sem confessor que lhe conhecesse o achaque ,nem todos lho entendem pello modo que ella se confessa, veio darme a mão, e com a freguesia de confissõis, e comunhõis se tem descuberto muitos pactos, e o demonio entregado cousas em que elles estavão, porem ella ainda tem muita cousa disto, de que procede enganala o demonio a cada passo, e com a confissão e comunhão se dezengana, e então lhe Deos luz para conhecer a verdade este negocio he tal que eu não me entendo com elle toendoo esquadrinhado bem em largas conferencias com o sogeito na confissão e extra, e por hora pude averiguar devia denunciar o que remeto na forma que melhor o soube fazer. No que toca aos mais pactos que são muitos os que tem confessado porque de novo com as repetidas confissõis e comunhõis lhe lembrão, são de couzas que de novo lhe nacen no corpo, varios instrumentos as quais cousas tocadas por ella, ou tocando com ellas a outrem hia peccar com as tais pessoas, ou ellas vinhão a certa parte peccar com ella e dis que não sabião do tal pacto, mas era isto por modo que eu agora não tenho tempo para dizer ainda que o entendo e todas estas pessoas com quem tocão ou a quem respeitão estes pactos de novo lembrados dis ella ja estão denunciados em outros pactos que antecedentemente lhe lembrarão, e que por isso sente deve de novo denunciar nada disto, e que assim o praticarão ja os seus confessores, e eu nisto fico em duvida e assim lhe disse que mandava perguntar a Vmce o que nisto se devia fazer, Vmce mo mande dizer em modo que eu lhe possa mostrar a carta para que ella fique com menos duvida; os pactos dis ella são semilhantes a outros que ja denunciou e os peccados que com as tais pessoas foi da mesma especie etc eu entendo pello modo com que o demonio armou esta tratada, que não sahirá nada a luz, salvo havendo modo, ou porva com que esta Marianna de Simõis se prendesse, e obrigada com tratos, ou exorcismos quizesse declarar verdade, porque como ella foi a que ensinou a Roza, tambem ensinaria mais, e a ella alguem a ensinou; das mais tocadas tenho confessado trés ou quatro das denunciadas, não tem couza que se diga; a outra para que primeiro pedi licença sempre entendo he das finas, porem pareceme não he da confraria da Roza; ja me tem vindo 4 vezes aos pés e nunca quis ou não pode confessar, sempre foi sem absolvição, destes dias me tornou a fallar, que ainda havia de vir outra vés cuidando eu que mais a não via porque nos despedimos, eu não a entendo. o correyo passado me remeteo o Prior de Santo afonso a de Vmce em reposta da que lhe escrevi de Pombeiro na qual fallava no que foi para tirar os cabellos, outras mais cousas destas tenho feito nao tão graves mas era precizo, e o Frei Manoel das Chagas, e o Regedor de Onhão quando tratavão deste sogeito fazião o mesmo, athé gora não me parece illicito o que foi estra confesso em suposta a necessidade do sogeito e persuadirme eu que sem perigo proprio o fazia, hũa couza tem em que eu me não quero meter, porque não quero nem posso fiar tanto de mim estimarei que o senhor Manoel de Vasconselos esteja com melhoras, e alcance logo saude perfeita para tratar das suas concluzõis. Deos guarde a Vmce

Refonteira 29. de Dezembro de 722 De Vmce muito amigo e servo Frei Antonio das Chagas

Depois de ter a carta feita me remeterão a de Vmce deste correyo em reposta de que lhe escrevi e e a de Vmce he escripta em 22 deste. disme Vmce que não entende bem esta tratada e assim creio que será porque por letra não se pode explicar bem e procurando eu sabela de rais em muitas e largas conferencias que para isso tenho feito não sei se a entendo bem, si entendo que por letra mal poderei dizer o que tenho entendido nesta materia emquanto a fazeremse as denuncias antes de absolver he cousa que não pode ser, nem este negocio pode correr pellas regras gerais porquanto despois de comungar está o sogeito capaz de poder fallar em modo que ja entenda, porque como o demonio a tem ainda ligada com muitos pactos e estes sempre lhe vão lembrando de novo quando frequenta os sacramentos emquanto não abjura os que lhe lembrão e a não absolvem, está o demonio mui forte, e não a deixa ser senhora de si, eu a absolvi muitas vezes com promessa de fazer despois tudo o que eu lhe disser lhe he precizo para descarga de sua consciencia: e entendo que esta molher está verdadeiramente convensida e que se tomara ver livre de tudo, e fara o que lhe disserem he necessario porem no que toca a renovar as denuncias que ja fés isso será metermonos em cambanito e confuzão, que lhe fará muito mal a ella, e estando ja totalmente livre do demonio poderia sem menos prejuizo repetir o que tem dito; si me parece que se podera fazer isto a respeito de algũas couzas que a Vcme lhe parecerem mais graves, e essenciais, e que não estejão bem declaradas, se a respeito disto for necesaria algũa declaração della, por algum modo lha farei fazer porque ainda por aqui havemos de andar perto athe a quaresma e, eu tenho disposto o negocio em termos que posso hir algúns dias fallar com o tal sogeito a sua caza, e sem a sua gente entender o que he, porque a tem por assombrada, e cuida, e tambem os mais que lhe vou ler exorcismos etc outras vezes vem ella ainda No que toca os pactos que de novo lhe lembrarão mandeme Vmce dizer se basta que fiquem assim sem ser necesario declarar algũas pessoas com quem tocão tais pactos como a dita molher entende e assim me parece pello modo que me dis se fazia isto, e como ja forão as tais pessoas denunciadas por culpas semilhantes e não sabem por que modo erão constrangidas a peccar, dis a tal molher lhe conselhavão os confesores não falasse nisso salvo ouvesse pessoas diversas, modo de peccar diverso etc e assim dis que tem passado muitas confissois, e se ouver de tornar a dar conta disto serlheha mui custozo e talvés nocivo. sobre isto peço reposta em forma que lha possa mostrar; me fallou em hũa criança entre as muitas que se matarão para os Rios, das quais tenho algúns em meu poder para se queimarem, para a morte da qual concorreo a Marianna e outras pessoas, dis que não sabe que as tais pessoas que matavão as crianças que as cozião, e queimavão, por mandado do demonio que ali assistia em figura de homem, erão sabedoras que aquillo era para veneficios e por mandado do mesmo demonio he muito de prezumir que assim fosse, emquanto á Marianna não tenho duvida, nem tão pouco em que seja hũa grande bruxa e por isso eu ja a Vmce toquei que tomara apanhala em hũa por modo que contra ella se podesse proceder, e em algũas destas mortes das crianças he que eu a esperava, se ouvesse dos mais assistentes algú que contra ella depuzesse álem da Roza, porem esta me disse despois que todas estas diabruras das tais mortes estavão denunciadas, e perguntandolhe eu quantas serião, disseme que das que ella sabia serião serião dés ou doze, se Vmce me poder mandar dizer se fautas, e se está algũa em que entre a dita Marianna e clerigo que creio era pai da criança que então se chacinou, e não sei se parente da mesma Roza, segundo minha lembransa porque se acazo por este meio, ou pello depoimento do tal clerigo, ou por outro semilhante se podesse achar porva para se prender a dita Marianna, nesta he que está todo o segredo deste negocio e esta he a que havia de dezembrulhar a meada, se ouvesse meio com que a obrigassem a fallar a verdade e de outra sorte suponho que nada se fará.


Legenda:

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