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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

[1730-1737]. Carta de Margarida de Jesus (a Feia), alfaiata, para frei André da Conceição, sacerdote.

ResumoA autora transmite as suas saudades e o seu contentamento pela orientação recebida pelo destinatário. Dá ainda várias informações e recomendações a partir de certos colóquios sobrenaturais que teria tido naquele espaço de tempo.
Autor(es) Margarida de Jesus, alias a Feia
Destinatário(s) André da Conceição            
De S.l.
Para Portugal, Vila Real
Contexto

Acusado de solicitação e molinismo, o padre André da Conceição teria mantido atos torpes com as suas confessadas e filhas espirituais, faria demonstrações de pretensamente ter dotes de adivinhação e recomendaria o tocamento das suas mãos como bom remédio a certos sustos e superstições de que as mesmas mulheres padeciam. Adicionalmente, afirmava lograr certos favores especiais do Céu “e para encobrir o seu engano e persuadir o veneno da sua doutrina lhes mandava fazer muitas penitências e orações e visitar vias sacras”. Parte da correspondência trocada por este padre confessor em contexto de direção espiritual está guardada em dois processos distintos da Inquisição de Coimbra: 3326, em que ele é réu, e 9942, instaurado a uma das suas seguidoras, Margarida de Jesus, a 'Feia'. Desta produção epistolográfica, destacam-se vozes femininas – Leonor Caetana e Margarida de Jesus, a 'Feia' – mutuamente referidas nas cartas encaminhadas ao padre confessor. De sublinhar, contudo, a existência de duas cartas escritas pelo padre José Rodrigues de Morais (de origens muito humildes, homem bem procedido e “metido a beato”, ecónomo na igreja da vila de Torre de Moncorvo), muito embora assinadas por Margarida, sua autora mental. As constantes referências ao demónio como “meu moço” encontram ligação com o adágio popular «Até o diabo, quando era moço, era bonito».

A correspondência inclusa nestes dois processos inquisitoriais resulta de duas formas de incorporação em momentos distintos: Por um lado, deparamo-nos com parte do correio trocado entre André da Conceição e Leonor Caetana, o qual chegou ao conhecimento da Inquisição de Coimbra por entrega voluntária desta última a um padre missionário. Inclui, como vemos, a carta que esta lhe escrevera «ao depois que conheceu o erro e engano em que estava» (TSO, IC, proc. 3326, fl. 32r). A estas provas documentais somaram-se as declarações prestadas tanto por esta mulher como por Antónia Maria. Com efeito, a validade e credibilidade destas testemunhas saíram reforçadas à vista do teor das cartas escritas pelo denunciado e deram origem à instauração do processo.

Quanto às cartas e orações redigidas por Margarida de Jesus, foram encontradas entre vários papéis mantidos na posse do réu num momento posterior à saída deste em auto da fé. A ligação desta mulher ao réu remontava ao tempo em que ele estivera na Torre de Moncorvo, cerca de 1730. Margarida manteve contacto mesmo após a sua transição para outro convento, partilhando amiúde as suas experiências e práticas, nomeadamente os favores e revelações que cria receber de Deus, as perseguições do demónio e o teor de várias visões. Dada a relevância destes testemunhos manuscritos, foram prontamente encaminhados pelo padre provincial da Província da Conceição. Temia o comissário do Santo Ofício de Vila Real que o denunciado, «vendo que lhe faltavam cartas das confessadas» e sabendo a causa que contra ele se compunha, se pusesse em fuga.

Suporte meia folha de papel escrita em ambas as faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 9942
Fólios 6r-v
Transcrição Ana Leitão
Contextualização Ana Leitão
Modernização Clara Pinto
Data da transcrição2015

Page 6r > 6v

[1]
S M

Meu amante e querido pai pai pai e

[2]
lecto amado do meu coraçao e da minha
[3]
alma e emquanto Ds foir Ds he vmce m
[4]
eu pai e mai te dos meas olhos e da minha vi
[5]
da eu çou oBedientisima filha de vmce
[6]
meu amaDo pai Resibi a carta de vmce
[7]
e com grende e conçolação Da minha al
[8]
ma e pelas Boas novas q vmce me Da e
[9]
da çua çaudae e premita Ds concrevar
[10]
lhe como esta sua filha o peDe a Ds pa a
[11]
minha e çonçolação meu pai he tal allegr
[12]
gria q Resebo no coração quendo tenho car
[13]
ta De vmce q logo as vizinhas me conhese a
[14]
llegria mas agora fico e com a pena e Da mo
[15]
rte do senhor pai mas elle não morreo q vi
[16]
vio pa Ds e porque e toDas es almas q m
[17]
orre Dia da cua espoza e não se preda ne
[18]
nham alma a Do senhor pai esta e goçnz-zan
[19]
do da vista Ds dia Do nasimento da sua espoz
[20]
za tive grenDe e contenDa com o moço Dalha
[21]
me Dise q nasera pa nos toda a ffellisse
[22]
daDe pa elle te da a pena i eu com o pode
[23]
r de vmce o fis Dizer e queanto tempo este
[24]
ve alma do Senhor pai no purgatoira
[25]
meu rico pai não poço emcarecre a penea
[26]
q lhe cazou e me dise a seu paezar q Dia Do
[27]
santo nome De espoza Do filho çaia al
[28]
ma do pai pa a ssidaDe seleste q fo
[29]
ra e pa pagar n alguma falta de con
[30]
firmidaDe e com as mallaes mas elle me Dise q eu o pagari
[31]
a Bem me tem atormentado o corpo q alma não podae a
[32]
sim q poDe vmce estar muito alegre e por tamanha dita q
[33]
não ha dae milhar dita q hir pa o ceo a Senhora mai
[34]
a Senhoras irmãos me faça ridaDe os pezimos da minha par
[35]
te mas q alma q esta no ceo q merese para Bem eu da
[36]
minha parte Bem çaBe vmce o quento eu farrei pela cua al
[37]
ma muitos Reponsços teve a cua alma eu meu pai do meu cora
[38]
ção dia da cua espoza da Senhora da assumção tive gran
[39]
de vizita e em companhiia de vmce de meia noite e emte as tres
[40]
hi vai as pallavras em que Rompeo alma tudo nassido cor
[41]
ação q Bem me parese q Bem se podera dar a empreça
[42]
e tamBem do Santisimo nassimento da cua riça espoz
[43]
a mas meu pai nada disto he meu q todo he de vmce
[44]
eu pedi ao pe Jeseph me escrever tudo e com grande se
[45]
gredo e porque o noço moço não o pode çofre nem mo
[46]
deizxa e escrever a mim a dillaçam de eu mnão ter
[47]
escrivido o moço não pode çofre mas o Sentissimo no
[48]
me de minha Senhora o tem botado e por terra os pes de
[49]
vmce esta prezo emquante for vontade cua espo
[50]
za agora mande huma fflore daquela rica cape
[51]
lla q cua espoza lhe pos na caBeça e porque sam
[52]
fflores colhidas no jardim da gloria q a quera
[53]
meter no coração o q agora chegara ao seus pes q sse
[54]
do chegara esse dia pa a minha alma q grande pena he
[55]
a minha por não chegar a dezaBar o coração

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