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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

1749. Carta de António Figueira de Jesus, sapateiro, para o seu pai, João Figueira.

ResumoO autor dá notícias suas ao pai e pede que este e a família o ajudem com os banhos do seu casamento.
Autor(es) António Figueira de Jesus
Destinatário(s) João Figueira            
De América, Brasil, Pernambuco, São Lourenço da Mata
Para Madeira, Funchal, São Pedro
Contexto

Este processo diz respeito a António Figueira de Jesus, de 34 anos, cristão-velho, sapateiro, natural de São Sebastião, Câmara de Lobos, ilha da Madeira, acusado de bigamia pela Inquisição de Lisboa. O réu casara, em 1735, na igreja de São Sebastião, Funchal, com Valentina Francisca, moradora na freguesia de Nossa Senhora da Graça de Câmara de Lobos. Viveu maritalmente com ela durante cerca de seis anos, e dessa relação nasceram três filhos (duas meninas, que morreram, e um rapaz, António).

Segundo o próprio, após seis meses em São Lourenço da Mata, no estado de Pernambuco, Brasil, para onde entretanto emigrou, adoeceu gravemente, tendo sido dona Firmiana Luísa das Mercês quem o assistiu, com muito amor e carinho, pelo que, instigado pelo pároco da freguesia, que não sabia que ele era casado e que a sua mulher estava viva, se resolveu a casar com ela, a 18 de maio de 1744, dando fiança para os banhos do mesmo.

De Firmiana Luísa das Mercês não teve filhos, e com ela estava já casado há sete anos quando foi preso, a 16 de junho de 1755, altura em que lhe acharam nos bolsos três pares de botões de ouro de pulso e colarinho.

As cartas inclusas no processo foram remetidas à Mesa da Inquisição pelo comissário do Santo Ofício, Hugo Maguiere. Ao contrário do que é afirmado nas cartas, o pai de António Figueira de Jesus não se chamava João Figueira, mas sim Domingos Martins. Para se poder casar a segunda vez, o réu terá acrescentado o apelido de Jesus ao seu nome e alterado o nome dos pais, dizendo ser filho de João Figueira e de Maria da Encarnação. Consta do processo que o réu dizia chamar-se também Francisco Gomes de Sousa e que indicava outra naturalidade e outros nomes dos pais desde que estava em terras brasileiras. Após a sua prisão, terá fugido da cadeia de Pernambuco, aproveitando-se de um arrombamento, tendo sido depois novamente preso e levado para a cadeia de São Francisco.

O destinatário das cartas, o seu pai, vivia no Funchal, na freguesia de São Pedro, em casa de um genro seu, Pascoal Gonçalves, criado do Provedor, que fez a denúncia por meio do cura da Sé do Funchal, António Telo de Souto, o que levou à investigação do réu pelo crime de bigamia. Segundo declarações de Valentina Francisca, Domingos Martins, seu sogro, ter-lhe-ia mostrado as cartas nas quais o réu pedia ajuda para tratar dos banhos do segundo casamento. Embora o nome do pai tenha sido alterado pelo réu, sabia-se que se tratava da mesma pessoa, já que os nomes dos cunhados estavam certos. Em interrogatório, Valentina Francisca disse ainda que não recebia carta do marido havia cinco anos, e que da última vez que lhe escrevera tinha enviado também um saco de farinha de pão.

António Figueira de Jesus foi condenado a 20 de setembro de 1971 a 4 anos de degredo para Elvas, onde alegou ter passado muita fome e necessidades.

Suporte meia folha de papel não dobrada, escrita no rosto e no verso.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 2650
Fólios 42r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2302579
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Catarina Carvalheiro
Contextualização Leonor Tavares
Modernização Raïssa Gillier
Data da transcrição2015

Page 42r > 42v

[1]
Meu Pay e Sor João figuera

Não sei ja a conta das cartas q tenho escrevido a Vmce

[2]
e aos sonhores meuis cunhados sem ter tido reposta de
[3]
nemhuma athe o prezente porem como vim dezejo
[4]
zo de saber da saude de Vmces p hessa rezão he q me
[5]
canço a escrever tanto eu não escrevi no navio de ça
[6]
coando ça esteve em corenta e sete p estar doente no
[7]
tempo q ele estava pa partir boteime pa o Re a man
[8]
dar cartas a Vmces e o navio tinha ja partido dois dis
[9]
as antes q eu foçe não tive essa fortuna suponho que
[10]
Vmces ja serão sabedores q eu estou cazado ja a sinco an
[11]
nos cazeime na era de mil e setesentos e corenta e coatro
[12]
a dozoito de maio tenho pedido a Vmces todos nas cartas q
[13]
escrevo me mandem os meus banhos despaxados em fa
[14]
ma dereitos q me estou vendo apertadicimo p os banhos
[15]
o fiador apertado eu apertado não sei como me veijo
[16]
isto ça apertase mto e pagaçe todos os anos se acrecenta
[17]
cada ves mais a porção asim q não lhe posço emcomendar
[18]
mais a Vmces todos os parentes e padrinhos emvio minhas lcas
[19]
e a todos os mais conhecidos eu não tenho perdido as esperan
[20]
cas de ver a Vmces todos pq ainda faco tencão daqui mais
[21]
a par de annos hir a tera ainda q ja não tenho aquele gos
[22]
to de ver minhas irmã q ça tive novas pelo navio da ter
[23]
a q herã mortas o coal sentimto so p morte se me acabara eu
[24]
cazei me nesta tera p Ds o ter prometido não q eu o coida
[25]
se porem como cazei com huã mulher branca cristam
[26]
velha das pricipais da tera com seuis parentes quilerigos
[27]
e não cazei com fazenda porem não careço pa pacar de
[28]
pedir p mce de Ds Vmces coando fizerem la os banhos min
[29]
ha mulher se xama D Firmiana Luiza Gomes das merces
[30]
meu sogro ja he morto xamavaçe Domingos Gomes Xaviel
[31]
minha sogra he viva p mce de Ds xamaçe D Anna Ma de mellos de alb
[32]
uque são naturais moradores desta freguezia de São Lco

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