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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

1823. Carta de António Simões Machado, capelão, para Estêvão Ferreira da Cruz, corregedor.

ResumoAntónio Simões Machado, vítima de roubo, conta ao corregedor o que sabe acerca dos ladrões da Carapinheira.
Autor(es) António Simões Machado
Destinatário(s) Estevão Ferreira da Cruz            
De Portugal, Coimbra, Murtede
Para Portugal, Leiria
Contexto

Este processo diz respeito a uma quadrilha de ladrões que atuava em vários locais do país (em feiras, mercados, estradas e propriedades), assaltando negociantes, comerciantes e casas particulares. A acusação era a de roubo, espancamento e assassinato de algumas das vítimas. Embora o processo envolvesse vários queixosos, o suplicante era Rodrigo José dos Santos, ourives, que se encontrava muito temeroso perante a possibilidade de um dos acusados, José Gomes Figadal, vir a ser libertado pelo Tribunal da Relação do Porto. As cartas incluídas no processo remetem para vários episódios que ilustram a extensão e a violência dos crimes cometidos por esta quadrilha. No caso de Rodrigo José dos Santos, sabemos que o seu filho, Manuel José dos Santos, se encontrava acamado e incapaz de se deslocar junto do escrivão António Ciriaca de Carvalho e do cirurgião Ismael Maria Freire de Andrade, que deveriam proceder aos autos de exame. O cirurgião, que tal como o escrivão teve de se deslocar à residência da vítima, pode confirmar que os ferimentos foram feitos com um instrumento cortante e perfurante. Uma outra testemunha, entretanto arrolada, confirmou o roubo feito ao filho do ourives, o qual, para além de ter sido roubado em ouro, foi brutalmente espancado, encontrando-se em risco de vida. Essa mesma testemunha acrescentou que o assalto fora de facto feito por José Gomes Figadal (um dos membros da dita quadrilha). Um outro caso é o de António Simões Machado, também ele agredido com bastante violência. No dia 18 de junho de 1823, no lugar de Murtede, o escrivão Jerónimo Ferreira Barjão e o cirurgião Joaquim José Gonçalves Morim dirigiram-se a casa de António Simões Machado (que se encontrava fisicamente debilitado) para proceder ao auto de exame do corpo de delito. Aí verificaram que este tinha várias feridas no rosto, nas mãos e pernas, nódoas negras nos olhos e marcas de unhas no pescoço. Conforme explicou o próprio António Simões Machado numa das cartas, estando a dormir com a janela aberta (com o objetivo de acordar cedo para partir para Coimbra), acordou, por volta da meia-noite, com 3 ou 4 indivíduos a apertarem-lhe o pescoço e a taparem-lhe a boca. Na luta subsequente, foi ferido por uma faca. De seguida, o queixoso referiu que os assaltantes ameaçaram as sobrinhas, que entretanto tinham chegado ao quarto. Uma delas terá conseguido fugir, enganando o ladrão, que, ao persegui-la, se deparou com o sobrinho de António Machado. Vendo-o, o ladrão fugiu pela janela, tendo os companheiros seguido o seu exemplo. António Simões referiu ainda estar convencido das intenções homicidas do grupo de salteadores, cujo número cifrou em 12 indivíduos. Um outro caso refere-se ao assalto feito à loja onde trabalhava José Caetano dos Reis, no lugar da Cordinhã. Aí terão roubado cinco couros de sola, trinta e nove vaquetas, cinco bezerros, vários retalhos de couro e uma égua aparelhada. De acordo com o parecer das testemunhas, o prejuízo rondava os 150 mil réis. Consta ainda do processo a menção a um inglês, Roger Bidgood Whitney, que foi assassinado pela mesma quadrilha, perto de Rio Maior, e cujo corpo também foi examinado. Mais tarde, e perante a possibilidade de os presos serem libertados, um grupo de pessoas, identificado como «o Povo», e sobretudo Rodrigo dos Santos, escreveram um requerimento ao rei pedindo que os criminosos fossem degredados pois estavam certos dos atos de retaliação de que seriam alvo. Este caso, como muitos outros, prova quão corretas estavam as referências feitas pelos viajantes, portugueses ou estrangeiros, à criminalidade que grassava pelo reino nas primeiras décadas de Oitocentos. A atividade desenvolvida por esta quadrilha é particularmente interessante pela amplitude da área geográfica abrangida, de Cantanhede a Rio Maior.

Suporte uma folha de papel dobrada escrita nas três primeiras faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Fundo Feitos Findos, Processos-Crime
Cota arquivística Letra J, Maço 142, Número 2, Caixa 373, Caderno [4]
Fólios 9r-10r
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Cristina Albino
Contextualização Leonor Tavares
Modernização Catarina Carvalheiro
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2007

Page 9r > 9v

[1]
1 dos Ladroins da Carapinheira, e seus socios: como cidadão
[2]
interessado no bem, e socego publico, assentei de meu dever di
[3]
zer tambem o q seei, e me consta, acerca deste objecto
[4]
Sendo sem duvida estes, com outros alliados em numero de
[5]
17 ou 18 os que arrombando-me a janella do meu quarto, achan
[6]
do-me a dormir, me faquearão, maltratarão, querendo ma
[7]
tar-me e roubar-me, como constará do exame, que se fez ex of
[8]
ficio, pelo Juiz de Fora, ou crime de Coimbra: pois q elles forão
[9]
vistos passar pa , por mtas Pessoas, q ajuizarão empreza;
[10]
Vendo q o Ministro inquiriu com rigor, e que ficavão alguns cul
[11]
pados, assentando impulsos meus quizerão ultimar a obra q
[12]
havião começado, matar-me, e roubar-me; pa q hu Franciscâno
[13]
Fr Miguel, capataz destes ladroins, que rezide em casa de hua Luiza
[14]
Rama, sua concubina, no cazal do Meco, perto da carapinheira,
[15]
convidou a Antonio Coutinho, da Villa de Tentugal; o qual, escanda
[16]
lizado de hu tal convite feito em dezonra da sua Pessoa, e familia,
[17]
me veio avizar; e pedindo-lhe eu q aceitasse, e viesse na sucia,
[18]
dezignando o lugar onde elle aqui havia de portar-se, emquanto
[19]
os ladroins entravão em minha casa, não vierão, ou porq sen
[20]
tissem Auxiliares de q estava goarnecido o Passal, em volta da Re
[21]
zida ou porq nessa noite se armou na rua hu descante à viola,
[22]
q durou até pela manhaã sendo certo q passarão na vespera,
[23]
por cantanhede, até cuja entrada os acompanhou o do Antonio Cou
[24]
tinho, que pretextou ficar atraz, por se envergonhar de passar por
[25]
aquella Villa, com tão escandalosa, conhecida, e publica companhia:
[26]
mas mediante o convite, até o dia ajustado, lhe escreveo o do Fr Miguel

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