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Maarten Janssen, 2014-

CARDS0227

[1824]. Carta de Cândido de Almeida Sandoval, publicista, para Manuel Isidro da Paz, major de milícias de Setúbal.

ResumoDe partida para o degredo em África, Cândido de Almeida Sandoval escreve ao amigo a agradecer o auxílio.
Autor(es) Cândido de Almeida Sandoval
Destinatário(s) Manuel Isidro da Paz            
De Portugal, Lisboa
Para S.l.
Contexto

Em virtude de uma denúncia anónima que se fez na Intendência Geral da Polícia, descobriu-se que na Cadeia do Limoeiro se armava uma conspiração com o objetivo de derrubar o Governo e de assassinar alguns dos seus ministros. O processo é confuso, visto que existem trocas de denúncias e de acusações, bem características daquele período de indefinição política balizado pela queda do Vintismo, em 1823, e pela outorga da Carta Constitucional, em 1826. Um dos envolvidos foi o conhecido publicista, Cândido de Almeida Sandoval, que se encontrava preso na sequência de uma denúncia feita pelo impressor Joaquim Maria Torres. Numa carta que escreveu a outro preso, Sandoval referiu que, embora ele não fosse opositor ao regime, havia outros que o eram. Referia então reuniões conspiradoras que se desenrolavam junto à sua cela. Porém, paralelamente, recolheram-se depoimentos que o incriminavam a ele. Segundo José Salinas Ferreira Nobre, teria sido o próprio publicista a envolver-se nas conspirações de dissidentes ocorridas na cadeia. Uma das outras testemunhas arroladas, outro preso do Limoeiro, garantiu mesmo que Sandoval o aliciou para matar o conde de Subserra, ministro da guerra desde a Vilafrancada e um dos preferidos de D. João VI. Estivesse ou não envolvido nestas conjurações para derrubar o governo, Cândido Almeida Sandoval foi indiscutivelmente um publicista muito combativo, que aproveitou a sua posição de redator dos jornais Patriótico Sandoval e Novo Hércules para atacar os ministros do reino. Só não sabemos se esse espírito belicoso seria o suficiente para o levar a planear um assassinato. Deve-se ainda acrescentar que no âmbito desta sua detenção fez um conjunto de referências muito interessantes acerca da liberdade de imprensa e da necessidade de uma legislação que protegesse publicistas.

No apenso A, encontra-se um caderninho de artigos variados, intitulado «O Sineiro, da Patriarchal Queimada ou Miscellanea Politica e Litteraria», da autoria de Cândido de Almeida Sandoval. O caderno deveria ser impresso, como publicação periódica (pasquim).

Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Fundo Feitos Findos, Processos-Crime
Cota arquivística Letra J, Maço 16, Número 11, Caixa 47, Caderno [2]
Fólios 59r-v Ap1-A
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Cristina Albino
Contextualização Miguel Cruz
Modernização Raïssa Gillier
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2007

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Preso ha um anno, inclusivo dous mezes e meio de segredo, meu caracter se havia tornado feróz, ja pela privação da liberdade que tanto conheco, e ja pelos continuados tormentos que hei soffrido; quando chegou a tua carta, portadora das ternas expressões, filhas do sentimento de um homem de bem, e verdadeiro: A época felis a que remontas tuas reflecções, meu Amigo epoca na qual ambos cultivávamos uma innocente filosofia, serve a aumentar a saudade que me faz esse pormontorio Palmallense, quando nelle fixo minhas vistas, que apenas podem estenderse alem dos grilões e ferros que meus passos limitão. Mas oh! Paz de minha Alma! minha indole não mudou; sou ainda o mesmo remdido de Palmella, do Gurjelo, sou esse companheiro de teus sentimentos transportes, que tanto agradão ao homem na idade de ouro; são emfim o sectario de Orpheu, a quem remdo o devido culto, mesmo nas mais profundas masmorras onde estive sepultado em vida; (como verás pela muzica que te remetto incluza) Jamais me passou pela imaginação (e isso é que tenho bastante), regenerar o genero humano; mas tal é o erro vulgar de meus compatriotas a meu respeito; (perdoa Paz), que acharão, que devia ser me prohibido pensar, por isso que sabia tocar piano e forte; e que sendo Portuguez, não devia apprender nos Reinos estrangeiros as malditas siencias que illustrão aos homens que as cultivão e tornão felises as Nações que as premeião; que grasnão para o público, em bom frances ou portuguez, éra totalmente escuzado por isso que ja não existe capitolio nem Sabinos finalmente os mesmissimos trabalhos literarios, que me valerão longe de Portugal, honras e estima na pobre, na triste e na ingrata Patria minha, me reduzirão á mais punivel e lastimósa situação. Não meu Paz, teu antigo Amigo jamais padeceu falcidades, jamais teve a mania de fazer-se regenerador jamais pensou de transtornar qualquer estado da Europa, onde se achou; mas sim nesta ordem social, conhecendo eu o que mais comvinha a meus enteresses, e aos enteresses publicos; desde logo, seguiu a carreira das letras entrando nellas por commercio, ou trafico que fazem os gazeteiros, das noticias que publicão revestidas á nuadez e gengadas segundo o gosto de quem as ha de engolir: isto fiz eu, para isto tenho habillidade, isto sei eu fazer; não nunca penses, Amigo meu, que o Estro que me conheces nas bellas artes se transforma-se num espirito furebando, capas, degenerar em assassino da Patria, inimigo dos pacificos compatriotas ou fernetico revolucionario se ha pouco Leis alegrão aos cobardes, pelo pricipicio ao qual elles me levarão tão bem fiz o objecto de compachão dos homens sensatos que sabem appreciar ao justo, meus trabalhos e minhas desgraças. Fui accuzado de conspirador e como fosse necessario massacrarem me deo-se-me o terrivel caracter de cabeça de conjuradores; mas onde estava essa conspiração? onde estavão esses conspiradores? todos meus coacuzados forão postos em liberdade e eu profogo, sem dinheiro nem Amigos e sem se achar prova alguma quando fui preso que deposesse contra mim, fico preso cabeça sem e não obstante a incompatibillidade que he nessa monstruosa separação disem meus beneficos e cinséros inimigos, Sandoval conspirou veio Sandoval para os presidios de Ingoxa, passar o resto dos seus dias entre tigres Liões e pretos canibais, que o gramanteem, logo que Sandoval dous passos fora do limitado recimto que lhe for destinado. Eis o acto da tragedia onde me acho; é neste momento terrivel a ponto de marchar para a morte, senão imediata, pelo menos civil que tua consoladora carta vem animar minhas quasi extinctas esperanças: meus malles teem remedio; a effecassedade de teus cuidados poder-me-hião salvar; mas oh! amigo meu! quererias tu proporte a tão alta empresa? em tal cazo visto tua generosa offerta fazeme de novas? saber tuas intenções, a esse respeito em vista do que me approveitarei do teu imcomparavel beneficio, pondo-te ao facto de que está feito e de quanto ha a fazer. Teus auxilios pecuniarios me serão de grande remissão neste momento; podes confiar ao portador o producto da beneficiencia que me hajas destinado; pois este é da toda a confiança como poderás conhecer, motivo pelo qual não me attrevo a recomendallo a tuas attenções por ser sugeito se recomendar por si mesmo Góza meu Amigo em Paz dos béns da fortuna, que tanto mereces, é o que te dezejo. Meu Amigo Cinseramente dezejo gozes em paz dos bens da fortuna que tanto mereces

e te pesso não te esqueças jamais de teu infelis Amigo

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