PT | EN | ES

Menu principal


Powered by <TEI:TOK>
Maarten Janssen, 2014-

PSCR1194

1587. Carta de Pero de Araújo, [frade], para Estêvão Magro, arcipreste.

ResumoO autor envia dinheiro e notícias do bispo da Guarda, referindo o interesse do mesmo no caso de Joana de Mendanha.
Autor(es) Pero de Araújo
Destinatário(s) Estêvão Magro            
De Portugal, Guarda
Para Covilhã
Contexto

As cartas PSCR1186 a PSCR1194 encontram-se no processo de Joana de Mendanha, de cerca de quarenta anos. Foi presa em 1590, após várias diligências do Santo Ofício, iniciadas em 1589. As cartas, que estavam na posse de Estêvão Magro, arcipreste da Covilhã, foram entregues ao Santo Ofício em 1592, depois da sua morte, juntamente com um conjunto de folhas que continha o rascunho de uma carta que Estêvão Magro escrevera sobre Joana de Mendanha e que anteriormente enviara aos inquisidores, bem como o rascunho das listagens de frases proferidas pela mesma durante os seus êxtases. Para tal, o arcipreste utilizara não apenas folhas originalmente em branco, como aproveitara as folhas de cartas que lhe tinham sido dirigidas, escrevendo nos espaços em branco ou mesmo por cima do texto da carta: a carta PSCR1194 faz parte deste conjunto de folhas; as restantes cartas reaproveitadas não se integram no contexto deste projeto. Embora em apenas duas delas esteja indicado o ano, o assunto de todas elas e outros indícios permitem concluir que foram escritas entre os anos 1587 e 1589.

Os vários testemunhos corroboram a ideia de que Joana de Mendanha fora sempre, desde pequena, uma pessoa "recolhida" e muito religiosa e que tinha mesmo pensado entrar para um convento. Desde há muitos anos que não dormia numa cama nem comia carne, usava um cilício e fazia vários jejuns. A partir de certa altura, começou a dizer que tinha visões e revelações (por intermédio de Deus ou do demónio); afirmava comunicar com alguns mortos, ter previsto alguns acontecimentos futuros e conseguir passar vários dias sem comer. Foram-lhe assim atribuídos alguns milagres e episódios sobrenaturais. Nunca afirmou ter o dom das chagas (confessou, a propósito da carta enviada PSCR1188, que embora tenha tido pena de não ter chagas, soube interiormente que as chagas eram falsas). Passava horas e horas na igreja em êxtase, que se tornava mais intenso depois de comungar. Durante os êxtases, proferia frases em latim, afirmando terem-lhe sido reveladas por Deus, já que nunca tinha aprendido a língua.

Estêvão Magro, prior e confessor de Joana de Mendanha e amigo "da criação" da casa, que, segundo ele, testemunhara muitos dos milagres e acreditava nos dons de Joana de Mendanha, empenhou-se em promover as suas faculdades de origem divina e registou as frases que ela proferia nos êxtases. As cartas são reveladoras desse esforço. No entanto, em 1588, conclui-se o processo relativo a sor Maria da Visitação (de primeiro nome Maria de Meneses), prioresa do mosteiro da Anunciada, em que se provou que as suas chagas eram pintadas e não um milagre divino. Sensivelmente na mesma altura, a Inquisição também instaurou um processo contra Ana Rodrigues, freira, acusada de fingir visões e revelações. No início de 1589, os inquisidores, preocupados em pôr cobro a "escândalos" semelhantes, iniciaram as diligências relativamente a Joana de Mendanha e começaram a inquirir numerosas testemunhas. A suspeita foi chamada a depor, acabando por ser presa em 1590: esteve primeiro em casa do alcaide do cárcere e depois nos próprios cárceres do Santo Ofício. Uma das preocupações dos inquisidores prendeu-se com os conhecimentos de latim de Joana de Mendanha, patentes nas suas cartas onde surgem citações de autores como Bernardo de Claraval, Aristóteles, Platão, ou S. Paulo. O mesmo se passaria nos êxtases. Perante os inquisidores, afirmou que nunca aprendeu latim e que a tia apenas lhe ensinara alguns rudimentos, mas que um dia, ao ler o Evangelho, descobriu que percebia tudo, não por ter aprendido, mas "pelo lume de Deus", e garantiu que só percebia aquele latim que estava escrito em proveito da alma. Muitas testemunhas chamadas a depor afirmaram ter presenciado êxtases em que Joana de Mendanha proferia frases em latim, facto que explicavam por diferentes razões. A sua tia, André Feio, prior de São Silvestre, seu primo co-irmão e Estêvão Magro confirmaram que ela nunca o estudara, tendo mesmo este último assegurado que "os latins que fala e coisas que diz são por lhas Deus infundir". Algumas pessoas, que muitas vezes aproveitavam para aludir a uma excessiva proximidade da ré a Estêvão Magro, acreditavam que não era obra de Deus, sugerindo, por exemplo, que ela decorava os latins dos livros de meditações de Santo Agostinho e de Santo Osório ou que era Estêvão Magro que escrevia as frases em latim para ela decorar ou ainda que, durante os êxtases, ele lhe sussurrava as frases que ela repetia. Por outro lado, se nem todos achavam que ela falava corretamente, houve mesmo um juiz que observou que ouvira a ré falar "num latim tão elegante que fazia lembrar Osório". Os inquisidores confirmaram que ela entendia latim, e não apenas o latim de textos religiosos, escritos em proveito da alma (leram-lhe o princípio dos Comentários de César sobre a divisão de França e ela percebeu as palavras, sem perceber o sentido do que estava escrito). Nunca negou os seus pretensos dons sobrenaturais, mesmo depois de torturada.

Em 1597, o Santo Ofício condenou-a por fingir visões, revelações e afirmar falsamente ter outras faculdades de origem sobrenatural. O facto de muitas testemunhas terem afirmado que, após a prisão da prioresa da Anunciada e depois de ser chamada a Lisboa, Joana de Mendanha tinha praticamente deixado de comungar e tinha deixado de ter publicamente êxtases, e de também não os ter no cárcere, ajudou a provar que era tudo fingido. Em relação ao seus surpreendentes conhecimentos de latim, o acórdão concluiu que nos êxtases a ré começava a falar latim "tratando de muitos mistérios da Santíssima Trindade e da Paixão de Cristo Nosso Senhor e doutros desta qualidade e certa pessoa que estava ali presente, de que se fiava e com que comunicava e tratava muito particularmente, escrevia o que a ré nos êxtases dizia e dava sinais quando ela os havia de começar e acabar (…), havendo informação de que o aprendera em sua mocidade e que a dita pessoa lho ensinava". Foi sentenciada a quatro anos de reclusão num mosteiro e proibida de comungar mais de três vezes por ano.

Estêvão Magro, que no início de 1590, quando foi interrogado, se encontrava doente, morreu pouco tempo depois (numa das sessões de interrogatório, Joana de Mendanha afirmou que Deus lhe revelou que Estêvão Magro morreu; os inquisidores não negam, apenas a acusam de fingir comunicar com Deus). Manteve-se um defensor da causa de Joana de Mendanha, escrevendo, numa carta que enviou ao Santo Ofício: "(...) Que os raptos, os latins seus façam dúvida nem é de espantar, mas nunca pode negar havê-las sempre na Igreja do Senhor e, assim como o mesmo Senhor ensinou a Santa Catarina de Sena a ler e o latim que entendia, pôde ensinar a Joana de Mendanha e dar-lhe o mesmo dom ou maior perfeição (…)".

Bilbiografia:

Martins, Mário (1956), "Uma biografia inédita de Sor Maria da Visitação, por Frei Luís de Granada", Lusitania Sacra, n.º 1, 1956, pp. 229-244.

Santos, Domingos Maurício Gomes dos, S. J. (1963), Subsídios para a História (Ultramarina e Continental). O Mosteiro de Jesus de Aveiro, Vol. I-II – 65, Lisboa, Companhia de Diamantes de Angola, pp. 150-151 e 165.

Sousa, Fr. Luís de (1866), Segunda parte da História de S. Domingos. Particular do Reino e Conquistas de Portugal, por Fr. Luís Cacegas, Reformado em estilo e ordem e amplificada em successos, e particularidades por Fr. Luís de Sousa, Vol. III, Lisboa, Typ. do Panorama, (3.ª ed.), pp. 374-376.

Suporte uma folha de papel dobrada, escrita na primeira face.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 4033
Fólios 243r
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2304004
Socio-Historical Keywords Teresa Rebelo da Silva
Transcrição Teresa Rebelo da Silva
Revisão principal Catarina Carvalheiro
Contextualização Teresa Rebelo da Silva
Modernização Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2016

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Snor

Ainda q não podia av no mundo milhor ocasiam que procurar eu saber novas de vm folguei com esta pa as pedir mais particulares do que sam as que estas molheres me dizem q sam estar vm de saude mas eu estou tam faminto q nem Iso me farto E não me queixo tanto de vm p suas ocupacões (e p eu o não merecer) como de serto cavalro seu vezinho que pque tẽ sempre fundagens q nunqua acabam esquecese dos seus seja como vvmm quiserem que em mỹ sempre sobejaram desejos.

O snor bpo me mandou dar a estas molheres setecentos reis pa suas mantilhas como vm nas suas ordena laa os reparta como lhe milhor parecer elle fica bem e manda recados a vm cuido q Ira cedo a essa villa pante mỹ cõvidou aos padres da companhia a va de Joanna de mẽdanha a quem estaa afeiçoado, e o mesmo a vm pello que lhe ouco dizer o que não diz dos outros aciprestes, mas pouco faz em dizer o q vm tem a quem noso snor como pode acrecente vida e estado a snra sua Irmãa bejo as mãos da guarda a 15 de setembro de 87

O criado de vm po d araujo

Legenda:

ExpandedUnclearDeletedAddedSupplied


Guardar XMLDownload textWordcloudRepresentação em facsímileManuscript line viewPageflow viewVisualização das frasesSyntactic annotation