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Maarten Janssen, 2014-

Representação em facsímile

[1633-1634]. Carta apócrifa de Mariana da Coluna, religiosa clarissa, fingindo ser outrem para si própria.

ResumoCarta em que se declara amor pela destinatária, acabando por se recriminar ter contado assuntos privados a outras pessoas, o que fez com que ficasse com má fama.
Autor(es) Mariana da Coluna
Destinatário(s) Mariana da Coluna            
De Açores, Ilha de S. Miguel, Ribeira Grande
Para Açores, Ilha de S. Miguel, Ribeira Grande
Contexto

Mariana da Coluna, uma freira da Ribeira Grande (Açores), foi acusada de heresia e práticas de feitiçaria perante o Santo Ofício. Segundo confessou, tudo começara à entrada para a adolescência, por volta dos dez anos de idade, quando se apaixonou por um homem e manifestou a sua vontade de o conquistar. Para tanto, dispôs-se a ir comungar e trazer a hóstia consigo, com o objetivo de entregá-la a uma feiticeira, a fim de que esta praticasse uma reza especial para unir os amantes. Na mesma altura fez um pacto com Satanás, declarando-se-lhe fiel num papel que escreveu com sangue.

Durante os cinco anos seguintes, a jovem continuou a servir-se da feiticeira para satisfazer os seus desejos carnais, chegando a confessar que engravidara algumas vezes e usara poções para abortar. Tinha, também, visões de demónios e de outras figuras do Inferno, que a levavam em viagens, e de um mancebo que a visitava durante a noite e que tinha relações sexuais com ela.

Entrada no convento de Jesus da Ribeira Grande, Mariana da Coluna confessou que, durante o seu noviciado, continuara a viver sob a influência do demónio, e que este lhe causara ódio a Deus. O seu confessor recusava dar-lhe absolvição, e a mestra das noviças, Jerónima da Graça, maltratava-a fisicamente, para a forçar a confessar os seus pecados. Desejando salvar a sua alma, a ré escreveu aos inquisidores, para se confessar e foi levada para o convento das Flamengas de Lisboa, onde foi interrogada.

Os papéis apensos ao processo foram inicialmente entendidos como prova da correspondência mantida por aquela mulher, uma década volvida sobre aqueles acontecimentos da sua juventude. Trata-se de uma trintena de bilhetes dirigidos a Mariana, com marcas típicas do discurso amoroso, povoado pela manifestação do ciúme e de diversas queixas, bem como de avisos para que tivesse cautela com a sua mestra, Jerónima da Graça, em quem não deveria confiar. Mariana tudo entregou de forma voluntária à sua mestra que, por seu turno, encaminhou aquela documentação ao cuidado do padre Frei Domingos de Purificação. Na mesma altura foi acusada de usar de práticas pouco ortodoxas, tendo-se descoberto em seu poder certas partículas de uma hóstia consagrada.

Esta suposta correspondência teve lugar num momento em que as averiguações estavam já em curso, entre 1634 e 1635. Os bilhetes são, consequentemente, reveladores do processo de reflexão, reação e resistência da denunciada - a par da negação em confissão. Como se veio a apurar, entretanto, autor e destinatária eram afinal uma só pessoa: a própria Mariana. A assinatura que consta nos bilhetes foi feita a posteriori, na presença de Jerónima da Graça, encarregada pelo Santo Ofício de extrair a verdade e de certificar a proveniência dos elementos, posteriormente apensos na qualidade de provas documentais.

À vista desta revelação afigura-se-nos lícito colocar em causa o pressuposto pacto com um demónio, na medida em que a presente simulação epistolar - no exercício simultâneo de dois papéis distintos - exibe traços de um intenso e dilacerante debate interior. Nos manuscritos de Mariana materializa-se a dúvida entre a consumação da união com Satanás e o desejo de salvação em Deus, entre os favores recebidos e a vida em pecado, entre as práticas profanas e a prática devocionária, própria do bom cristão. Com respeito a este último dado, de salientar a presença, entre os papéis da ré, de um desenho com a representação de Santo António com o Menino. Jerónima da Graça registou - no mesmo suporte – que aquela figura fora entregue por Satanás e desenhada a sangue, embora Mariana da Coluna tenha, posteriormente, explicado que esse desenho lhe fora dado pela sua irmã, também freira no mesmo convento, que o comprara a um artista local.

Do conjunto analisado, sugere-se a leitura da carta PSCR0417, onde se patenteia um dos discursos mais reveladores. O processo contém ainda algumas missivas respeitantes à ré, da autoria de Jerónima da Graça.

Como se confessou voluntariamente, e deu mostras de arrependimento verdadeiro, Mariana da Coluna foi condenada a penitências espirituais no convento da Ribeira Grande.

Suporte um pedaço de papel escrito nos dois lados.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 827
Fólios [43]r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300712
Socio-Historical Keywords Maria Teresa Oliveira
Transcrição Mariana Gomes
Revisão principal Maria Teresa Oliveira
Contextualização Maria Teresa Oliveira
Modernização Raïssa Gillier
Anotação POS Raïssa Gillier
Data da transcrição2015

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teu sou e tu minha es e sempre o as de ser ẽquanto viva e eu tãobẽ o ei de ser teu e ainda de melhor vontade q tu as de ser minha mas eu cõfio ti que não te ha de aver q te aparte de mim eu iso te encomendo que não haja q te de mim aparte nẽ te vensa não te cõfies nẽ que so eu te sou lgial e te falo a verdade que te quero bẽ e te amo como a mim propio não has de axhar outrem como a mim que tãoto te queira as de saber isto de mim eo e o as de emtender de mim que he asim tu não tems outrem senão a mim tu as de axhar que eu sou amigo fixhe de quẽ me cegue e me cre q me tem tẽ tudo nada lhe falta como a ti não te falta nada pois tenho tanto q tudo he pra ti e mto mais que tu ainda não viste nẽ eu te mostrei mas tu veras quanto he e tu ficaras espantada de ver que o que eu tenho he sẽ conto e eu não no quero senão pra ti que es minha amiga e eu sou teu e



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