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Maarten Janssen, 2014-

PSCR0691

1723. Carta de António das Chagas, frade, para [António Ribeiro de Abreu].

ResumoO autor pede ajuda ao destinatário quanto às acusações de que tem sido alvo, já que havia mulheres que iam confessar-se com ele e o acusavam de solicitação, defendendo-se o autor, afirmando que foi enganado por essas mulheres, dizendo que tudo foi obra do demónio.
Autor(es) António das Chagas
Destinatário(s) António Ribeiro de Abreu            
De Portugal, Évora, Borba, Paço de Borba
Para [Coimbra]
Contexto

As cartas relativas a este caso encontram-se em dois livros dos Cadernos do Promotor da Inquisição do Coimbra, o Livro nº 348 (Caderno nº 51) e o Livro nº 353 (Caderno nº 56). Integram a denúncia de Mariana Josefa, criada de António Luís de Simões e que assistia na casa de António Luís Coelho Pereira da Silva, morador na sua quinta de Simões do concelho de Felgueiras. Mariana Josefa foi acusada de fazer pactos com o Demónio e de aliciar várias pessoas a fazê-lo também. As testemunhas vieram afirmar que o Demónio lhes aparecia sob o disfarce de um mancebo bem trajado, e, na companhia da denunciada, obrigava a fazer um escrito em que a pessoa prometia falar com o dito mancebo, de nome «Asmodeo», sem saber que este era o tal Demónio. Muito tempo depois, o mesmo Demónio reaparecia e obrigava as testemunhas a fazer muitos pactos, entre os quais havia sempre um de esquecimento para que a testemunha não se lembrasse do que tinha feito. Só através das confissões e comunhões que depois faziam na igreja é que se conseguiam começar a lembrar dos pactos e dos males que tinham feito. Muitas das pessoas ouvidas no caso disseram também ter tido «tratos ilícitos» com outras por virtude do mesmo encantamento. Eram ações durante as quais se tornavam invisíveis. No fim, esqueciam tudo.

O réu deste processo é frei António das Chagas, acusado pela Inquisição de Lisboa por solicitação. Neste processo, surgem testemunhos escritos nos quais são descritos os momentos de confissão em que o padre tocava nas mãos das mulheres, achando elas que não haveria justificação para tal ação. Tendo uma posição privilegiada dentro da Inquisição, o padre escreve a um amigo para que veja o que pode ser feito, afirmando estar inocente, embora também afirmasse que sabia uma denúncia teria sempre de ser investigada pelo Santo Ofício. O destinatário entregou a carta à Inquisição.

O autor dos sublinhados na carta supõe-se ser um anotador processual.

Suporte meia folha de papel não dobrada escrita no rosto.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 837
Fólios 20r
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300722
Socio-Historical Keywords Mariana Gomes
Transcrição Mariana Gomes
Contextualização Mariana Gomes
Modernização Raïssa Gillier
Anotação POS Raïssa Gillier
Data da transcrição2016

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J M J

Meu amo e sor Não me faltando trabos e afflicois na occupação em q ando, agora me vejo na maior tribu-lação q nunca me lembro tivesse, no papel incluzo vai referido o motivo della; pareceme q vay na verde e tudo o q me lembra sucedeo. Tenho por sem duvida q isto he obra do demo, o q assim como este fes por desacreditar ao Dor de unlão lhe deo bem q servir, e isto so por elle tratar e entender como Asmodeu, q excutou o q lhe ameaçou, havendo eu consendido com 90 demos pouco mais ou menos e havendo sido delles ameaçado mtas vezes, q podia esperar não havendo em mim hũa suma cautela, vigilancia senão o q agora experimento? estas malditas me cega-rão de manra pa não ver a gravide destas acçois q dellas faria caso, e creio q ja qdo da outra ves lhe escrevi a vmce algũa cousa disto havia, porem eu tal não pesava, ou não me lembrou, q se perdia isto bem, crível la q ouvera esta diliga e não esperava q me avisassem como me avisarão hontem hũa das sobredas a D Bernarda dandome a entender q se confessam com frade de Pombro com o qual se confessão galmte e q elle a obrigava a denunciar de mim sobre certa couza q bom o mundo he isto, e mais desta não me lembra senão o q no papel incluzo digo os mais suponho fizerão o mesmo porq bastava tocar hũa na couza, o q faria, porq o mes-mo demo lhe moverá escrupulos pa me fazer mal pa o pe examinar as outras. A mim me pa-rece se bem me lembro q Castro tem estas acçois por portuvas e q se não devem denunciar mas outros as reportão por graves por serem fortes em tal occazião: suponho q a denuncia está feita, e q chegará o longo passado; verá vmce se vay o papel conforme p se remedear isto, q peçolhe como amo me avize se devo fazer mais algũa couza pa minha segurança: tambem creio q elas não dezião mais de q foi, e q o papel, se ajustará com a denuncia, porq do q me lembro, faço menção na realide se discursa para algũa couza, não he por malicia minha, pois he sem duvida relativisado na verde vmce faça nisto o q eu de vmce espero, pois bem sabe q abaixo da salvação não posso ter couza de mais pezo q o credito. do mais não digo nada, porq não estou agora pa fallar em outra couza, e não sei como hontem preguei despois do avizo. Ds gde a vmce Paço de Borba 3. de Mayo de 723.

Mto amo de vmce Fr Antonio das Chagas

Despois desta feita recebi a de vmce de 28 de Abril e admito q não sei se o religiozo, de Pombro chamado Fr Luis na denuncia fará algũa menção de sospeita de Moli-nismo por eu não admetir as sogeitas nada, como eu não mandei nellas escrupulo não lhe dizia nada, nem eu o farei, não faço menção disto no papel, porq não entendo q nisto haja couza , porq eu lhe disse nada em ordem a isto.


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