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Maarten Janssen, 2014-

CARDS2118

[1666]. Cópia de carta de Manuel Mascarenhas, Prioste da Universidade de Coimbra, para Antónia de Carvalho.

ResumoManuel Mascarenhas escreve à mãe dando-lhe notícias suas e instruções sobre o que a família deverá fazer no âmbito de um processo.
Autor(es) Manuel Mascarenhas
Destinatário(s) Antónia de Carvalho            
De Portugal, Coimbra
Para S.l.
Contexto

Este processo diz respeito a Manuel Mascarenhas, de alcunha "o andorinho", cristão-novo, prebendeiro ou prioste da Universidade, solteiro, natural e morador na cidade de Coimbra, filho de António Mascarenhas, mercador, e de Antónia de Carvalho. O réu foi preso em 29 de março de 1666 por suspeitas de judaísmo, tendo-lhe sido apreendidos todos os bens. Tinha vivido algum tempo no Brasil (Pernambuco), para onde foi com vinte anos, e tinha três irmãs freiras, Isabel Mascarenhas, Maria Josefa Mascarenhas e Ana das Saudades Mascarenhas, todas professas no Convento de Santa Iria da vila de Tomar. Tanto o réu como a mãe foram presos pela Inquisição de Coimbra, e as irmãs pela de Lisboa. Isabel morreu no cárcere com dezoito anos. A família do réu era muito rica e possuía, além de muitas casas e terrenos, umas peças de ouro que estavam em posse das irmãs e iriam servir para trocar por dinheiro caso estivessem ameaçados de prisão e precisassem fugir. Mascarenhas deu indicação para que as ditas peças fossem tiradas do poder das irmãs e fossem depositadas num lugar secreto para que lhes não fossem confiscadas. O ouro, juntamente com o dinheiro que possuíam, era transportado em trouxas de linho para disfarçar. O réu teria também duas dúzias de pratos de prata empenhados, sendo que uma pertencia a um fidalgo de Coimbra e a outra ao Senhor das Águas Belas, no valor de cem mil réis. Refere-se no processo, também, um negócio de milho entre o réu e um clérigo seu amigo, de nome Manuel Gomes, em que o dito clérigo recebia comissões pela compra do milho.

Segundo constou, Manuel Mascarenhas teria dito em conversa com Lourenço de Sá (bacharel em leis, morador na vila de Montemor-o-Velho) que acreditava e vivia nas leis de Moisés. Os atos de judaísmo mencionados no processo são: jejuns (às quintas-feiras, no dia grande do mês de setembro e no dia da Rainha Ester no mês de fevereiro), vestir roupa lavada à sexta-feira, guardar os sábados de trabalho, pôr torcidas novas e azeite limpo nos candeeiros, deixar de comer toucinho e só comer peixe nas noites após o jejum. Comeriam pão ázimo cozido no fogareiro e, antes de porem os lençóis lavados nas camas, punham-nos em cruz com uma tigela branca de loiça, nova, cheia de azeite e com cinco torcidas novas acesas (antes do jejum do dia grande). Uma escrava da família que testemunhou disse que costumavam bater na imagem de Cristo com uma vara de marmeleiro com o comprimento de 2 palmos e a grossura de uma pena de escrever e que logo depois faziam uma grande festa. Isto aconteceria mais na Quaresma. A sentença do réu foi a de excomunhão maior, tormentos, confiscação de todos os bens para o Fisco e para a Câmara Real e de ser tido como herege. Contudo, o réu fez várias confissões e chegou a renegar a sua religião num auto-da-fé.

Suporte duas meias folhas não dobrada, escrita em ambos os lados e meia folha não dobrada escrita apenas no rosto .
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 356
Fólios 63 r
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Cristina Albino
Modernização Raïssa Gillier
Data da transcrição2009

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Ao portador devo muitas obriguaçõens, elle darà mais novas minhas, e do que se ha de fazer; eu fiquo muito ançiado para mor de VM, e das minhas Irmãns, que me pareçe para sahir com brevidade, ser forçozo falar nellas; eu por não ter contradittas, fico confesso mas como não falei em parentes, devo fiquar qua, para outro Auto, e se sa-hir neste serà a morrer, porque reçeo que não possa sofrer os tratos, e se assim for, hey de disdizerme, antes do que falar em VM ou em Thomar, e se qua ficar será neçessario, que minhas Irmãns se aprezentem, buscando primeiro alguem, que as ins-sine o que hão de dizer, e o que hão de responder, às ceremonias todas, e di-zer somente, que guardavão os sabados e o mais que este portador disser. A Joze cardozo de Lisboa pode vm mandalo chamar, para que as va in-dustriar que não se impliquem nos dittos huã, com outra, e dirão que as inssinou Cna Fra quando ahy esteve e que depois comunicarão com seu Pai, e comigo, e com minha tia, e que tan-bem a irman morta, vivia nesta ley; Bem sei minha mai que isto lhe ha de custar muito, mas milhor he fazer isto no Mosteiro, que vir a es-tes trabalhos e poderão praticar isto a Dona Mariana de Tavora, ou a seu confessor, e mandarem huã petição a Lisboa, que lhe mandem tomar, a conffissão; e para de todo ficarem seguras, será bom que se aprezente tanbem a netta de Martha carvalha pa q dem nella, que como he prima não açerte algum dia de lhe fazer mal ou a mim, que tendo sinal que se aprezenta, tanbém ey qua de dar nella, dizendo que hũm anno antes que ca-zasse, nos declaramos, eu ella, e mi-nhas irmáns sem falaremos em ceremonias, e nem mais que nas de guardar os sabados do modo que dirà este Portador; e antes destas aprezentaçõens, me pareçe minha Mai dos meus olhos, que vm mande chamar o Ledesma, e trate com elle de que se com Vm para Castella porq estes meus negoçeos estão qua muito maos; porque me dizem os Inquizidores que me tem cressido muitas testemunhas, e não sei quem sejão, e tem posto nos Autos, que não se pre-zume, que me inssinassem os ho-méns com quem fui ao Brazil, não me sendo nada, e tendo eu Pais que forão prezos; e tanbem que ha informaçõens, que eu me comu-nicava com pessoas que pellas ter encubertas, as não quero declarar; isto me tem muito enfadado, e como se qua fico este auto, me hão de cresser testemunhas, será forcozo para não morrer nas maõns de hũm Algôr, que fale em meu Pai, e em vm; e nas Irmãns dizendo que todos viviamos nesta Ley, ha treze, ou quatorze annos, e por isso digo a Vm que pessa ao Ledesma se va com Vm para Castella, Levando consigo o cabedal que ouver, que negocean-do com elle tanbem se ganharà para o sustento e para mais obrigar o Ledesma, lhe diga Vm que levem conssigo a filha solteira, que eu caza-rei com ella; muito me custa dizer isto a Vm e bem vejo que indosse Vm se perde toda a nossa fazenda, e que tanbem o Ledesma talvez esbanjarà, o que Vm levar mas por fugirmos a tão infame morte, perquasse antes tudo, que se eu soubera o que isto qua era a mim me não prenderão; e se Vm se for seja com, muita cautela, e não se aprezentem as irmáns senão de-pois de Vm ida e sendo assim falem tambem em Vm na aprezenta-ção, que ficão assim melhor, e vm saiba por alguma via se pode aprezentarsse, que pois sahyo livre não deve estar relapssa, e aprezen-tandosse vm as Irmãns, e Vm , tem todo este anno, pa o fazerem até o mes de Julho, e me dem sinal no primeiro dia de Janeiro em dando sete oras em Santa crus mandando Vm botar dous fuguetes, se as ir-mãns se aprezentarem, e se Vm se aprezentar, ou se ouver, de ir sejão tres fuguetes, e se tanbém se se aprezentar Maria correa sejão quatro, e se as Irmãns se não aprezentarem nem Vm se for, mande botar dous fuguetes, o segundo dia de Janeiro a ditta ora, que eu terei mão quanto puder, e as Irmãns po-nhão em seguro as suas pessas, pelo que pode suçeder, e Vm se tem ainda algumas, mandeas buscar, e ponhaas em outra parte segura, e com cautella, e se Vm estiver desapossada da fazenda requeira lhe desem-barguem a do auzente que não he nossa, e a orta que a pode Vm nomear em quem quizer; se as Irmãns se aprezenta-rem, não digão que me disserão quem as inssinou, que dirão la quem qui-zerem; e que depois de eu vir do Brazil, nos declaramos. Adeos

oje dia de Sam João

Legenda:

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