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Maarten Janssen, 2014-

CARDS3197

1627. Cópia de carta de João Gomes Lopes, confeiteiro, para a sua cunhada, Inês Pires.

ResumoO autor escreve à mulher do seu irmão, Inês Pires, referindo que está a tentar ajudar o seu marido e aconselhando-a a deixar o marido fugido e longe para que não seja apanhado.
Autor(es) João Gomes Lopes
Destinatário(s) Inês Pires            
De Portugal, Lisboa
Para S.l.
Contexto

O réu deste processo é Francisco da Fonseca, confeiteiro e mestre de meninos, acusado de judaísmo, tendo sido preso a 09-08-1627. Aquando da sua prisão, foi revistado, tendo-lhe sido apreendidos dinheiro e várias cartas. Disse que uma é de Manuel da Cunha e outra de João Mendes, criado do arcebispo de Braga (fl. 45r). Em relação às restantes, referiu terem-lhe sido entregues por um almocreve português proveniente de Castela.

Entre elas, encontrava-se uma carta assinada sobre a qual disse não conhecer o autor, e várias sem assinatura sobre as quais disse, primeiro, não saber qual a sua proveniência e, mais tarde, serem de uma sua cunhada, Inocência de Horta, mulher de seu irmão, João Gomes Lopes, confeiteiro, falecida havia pouco tempo, ou de sua sobrinha, Lucrécia dos Santos (também referida como Lucrécia de Horta ou Nunes), de 18 anos, filha destes.

Comprovou-se que o traslado de duas cartas e uma carta original, no processo de Francisco da Fonseca, eram da autoria do seu irmão João Gomes Lopes, mas escritas por sua filha Lucrécia dos Santos. Estas cartas estão também trasladas no processo de João Gomes Lopes (TSO, IL, proc. 10402), servindo de prova para a sua condenação e prisão a 08-05-1628 e, posteriormente, à de sua filha, Lucrécia dos Santos, a 21-05-1628, que confessou ter escrito as cartas em questão (fl.12r, TSO, IL, proc. 10402).

No processo de Lucrécia dos Santos (TSO, IL, proc. 466) conta-se como o pai esclareceu o contexto em que foi escrita uma carta que começa por "Recebi a sua carta" (CARDS3197). João Gomes Lopes e sua mulher, Inocência, estando esta mal, "a ditaram e fizeram escrever a Lucrécia sua filha para Inês Pires, mulher de Francisco da Fonseca, seu irmão; e por se deter a carta já escrita e cerrada alguns dias e neles falecer [correria o ano de 1627] a dita sua mulher [Inocência], da tenda dele, confitente [aquele que confessa], a mandou dar ao primeiro portador que de Castelo Branco se oferecesse, para fim de o seu irmão se ausentar por não ser preso pelo Santo Ofício" [audiência de 16 de maio de 1628]. João Gomes Lopes revelou ainda que escreveu um total de três cartas para o seu irmão Francisco sobre esta matéria ‒ "A primeira foi um mês pouco mais ou menos antes do auto que se fez nesta cidade em quatorze de março de mil e seiscentos e vinte sete anos ‒ A segunda daí a quinze dias ‒ A terceira daí a um mês pouco mais ou menos, as quais mandou por diferentes pessoas que iam para Castelo Branco, aonde seu irmão estava [...] não eram pessoas conhecidas e que todas as ditas três cartas escreveu sua filha Lucrécia, ditando-as ele confitente diante de sua mulher Inocência d'Orta que tudo viu e ouviu, e ele as não quis ele escrever de sua mão, posto que sabe escrever, para que a coisa ficasse mais encoberta".

Lucrécia dos Santos, por seu turno, declarou que foi a mãe, já enferma e de cama, que, ao ver muitos cristãos-novos de Castelo Branco irem presos pelo Santo Ofício, temeu que algum dissesse coisa contra Francisco da Fonseca, pedindo-lhe assim que lhe escrevesse uma carta. Depois, assumiu que escrevera duas cartas a pedido de sua mãe, começando-as por "Recebi a de vossa merce" (CARDS3195) e "Recebi sua carta" (CARDS3197). Isso, no entanto, não correspondia à verdade, pois à época a mãe já havia falecido.

Está também atestado no processo de Lucrécia que a iniciativa de enviar estes avisos proveio de uma conversa que João Gomes Lopes teve com o secretário do Santo Ofício Adrião da Fonseca, junto ao Pelourinho Velho, ficando aí a saber que o seu irmão estava culpado pelo Santo Ofício e que, tendo Lucrécia ido, muito aflita, a casa de Adrião da Fonseca, também antigo confessor de sua mãe, em companhia de seu pai, a perguntar se haviam encontrado uma carta na algibeira de Francisco quando foi preso, aquele confirmara, tranquilizando-a, pois, apesar de se lhe encontrar uma carta, tinha-se "por letra de homem" "e que se a chamassem não dissesse que a letra era sua dela Ré e que não dissesse que sabia ler nem escrever".

Através do processo de Adrião da Fonseca (TSO, IL, proc. 6918), sabe-se que, embora este tenha avisado os familiares de que Francisco da Fonseca fora denunciado em Lisboa, este se dispôs a entregar-se à Inquisição de Lisboa, e que Adrião da Fonseca o tentara demover, para que não se descobrisse os avisos que tinha dado e que era favorável aos cristãos-novos, a quem dava informações do que se passava no Santo Ofício em troca de dádivas, tendo conseguindo, assim, particular abastança. Sabe-se também que Lucrécia, já depois de descobertas e apreendidas três cartas na algibeira do tio, escreveu uma nova carta. Consciente de que tinham conhecimento da sua letra na Inquisição, procurou disfarçar a sua escrita ‒ "por lhe não conhecerem a letra, fazia uns gravatos"

Francisco da Fonseca foi sentenciado a auto-da-fé de 27-11-1628, confisco de bens, abjuração em forma, penitências espirituais, cárcere e hábito penitencial perpétuo.

Suporte meia folha de papel não dobrada escrita no rosto.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 1262
Fólios 38r
Transcrição Mariana Gomes
Revisão principal Fernanda Pratas
Modernização Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2012

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Resebi sua carta de v m neça me cõta o estado em que esta de v m mtas grasas a ds porque ainda pudera ser pior pois que lhe não acomtesido nada de mtas grasas a ds com tudo e comformese o tempo q asim fazem os outros inda q comforme vejo cudo q v m não quer deixar hir seu marido por ese mundo deixeo v m hir ja q asim quis a fortuna q mtos derão mto dro porque lhe disesem o que diserão o seu marido e asim v m o deixe hir e não queira telo em parte donde o acolhão porq esta isto oje de maneira que não hai pai por filho nem filho por pai sabido he que se tem falado nele e ainda mal mtas vezes porque tantas vezes tem falado nele ele me escreve hũa carta com o homẽ que fas zonbaria do q lhe tenho avizado eu não mandei la o homẽ a lume de palhas se não com mto bom fundamto de v m nẽ ele quizerem fazer o que lhe tenho avizado tomara o q lhe vier porq eu por meus pecados ja ds foi servido de me levar a companheira e asim não hai q falar v m diga o seu marido o que lhe releva q serto que outros derão mto dro por outro avizo e não ha mister escreverme mil parvoises e coizas de q todos dizem q ele esta doiso pois a cabo de mes e mandado la propio bastava sem mais avizo agora dezemcarego minha comsiensia fasão o que lhe pareser dispois não me digão que não fis o q numqua fes nimguem que a min me tem isto custado o que v m não tem de seu nem eu q isto v m la e não sabem o q qua vai digo q não lhe nada e sere os olhos e vase por ese mundo e não aja outra coiza a ds que gde a v m

V

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