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Maarten Janssen, 2014-
Resumo | O autor envia um bilhete à revelia dos guardas do cárcere, procurando através dele tranquilizar a mulher. |
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Autor(es) | Miguel Nunes |
Destinatário(s) | Isabel Dias |
De | Portugal, Coimbra, Cárcere da Inquisição |
Para | S.l. |
Contexto | Residente em Aveiro, o médico Miguel Nunes provinha de uma família de cristãos-novos de Trancoso. Uma vez nos cárceres, tentou passar um pequeno bilhete dentro de uma panela de carne: consta do processo que aí colocara "um escrito muito atado com umas linhas". A sua estratégia, ao menos naquele domingo, 28 de janeiro de 1601, não surtiu efeito, pois o escrito foi intercetado e transcrito para o processo do réu. (fls. 13r-v). Não havia dúvidas quanto ao autor. Já quanto ao destinatário daquela pequena mensagem, foram o alcaide e os guardas dos cárceres que revelaram ser, precisamente, a mulher do réu, Isabel Dias, também ali presa, "cuidando que ela estava na cozinha". Trata-se de mais um caso de correspondência intercetada dentro dos cárceres inquisitoriais entre os membros de um casal, com recurso à panela da carne, aproveitando o facto de circular entre a cela e a cozinha. Passados cerca de seis meses, Miguel Nunes tornou a ser perguntado sobre o que praticava no cárcere (fls. 99r-102v), muito concretamente a propósito da comunicação que empreendera: com que outros cristãos-novos comunicara; a quem procurara dar ânimo dizendo para não se assustar com o que se dizia; a quem dissera que não temesse o libelo, pois tudo era para lhes porem medo; se "deu alguns avisos e recados sobre a matéria do Santo Ofício e coisas dele"; se escrevera mais escritos e a quem os enviara. Testemunhas juradas deram conta de que "escrevera depois de estar preso n[o]s cárcereces para outro aposento" (fl. 113v). Mesmo confrontado com a evidência do papel que se tinha apreendido no caminho do seu cárcere para a cozinha, negou a sua autoria. Confirmou, ainda assim, falar em latim com um outro preso, João de Matos, um letrado de Lamego, acerca de banalidades ‒ de como passavam o tempo, quando se fazia o auto da fé. Na posse da memória da comunicação ocorrida, confrontaram-no com os diálogos que tivera estando no cárcere, que procuramos reproduzir a partir do processo: "Miguel Nunes: Non secunda. João de Matos: Focte secunda he erta. MN: Audisti heci homine gemente fortiter? Qui celeriter. JM: Gavissus sum valde quia non uxor sed vieinimei mater. MN: Hac de repossum qui es cere? JM: Bene. Intelligere non potui. Qualis erant verba de lecta? MN: De marmelada, nec de conservis loquebatur." "?: Dicebat esse ex Porto. MN: Uxor mea non bene scribit. ?: Hoce bene scribit." Pelo teor deste diálogo, deduz-se qual o interesse dos inquisidores em tornarem a inquirir o réu, na medida em que, não conseguindo enviar o bilhete, que fora apreendido, reproduziu o seu teor em conversa com outro preso, além de violar o sigilo que era imposto sobre tudo o que se passava no quadro da justiça inquisitorial ‒ desde os atores envolvidos aos procedimentos -, em claro prejuízo do ministério do Santo Ofício. De acordo com o relato de testemunhas, aquela comunicação ocorrera entre presos de aposentos distintos. Cientes de estarem a ser vigiados, falaram, portanto, em latim, passando informações de forma velada: familiares presos, seu paradeiro e estado de saúde, correspondência intercetada, novidades, boatos, o que ecoava pelos cárceres. Semelhante matéria incorporou os artigos da sua acusação: "que o réu depois de estar preso falou em latim e linguagem com outras pessoas de sua nação também presa, dizendo-lhe ou perguntando-lhe muitas coisas em prejuízo do ministério do Santo Ofício e contra o segredo e quietação que se guarda e deve ter no cárcere dele, dando-lhe avisos e segurando-se em algumas suspeitas que tiveram de outras pessoas que cuidaram eram presas, e com grande atrevimento e ousadia, escreveu e mandou avisos dizendo que tivessem paciência e que ele havia de ter até à morte" (fl. 105v). Não fora aquele escrito, portanto, um ato isolado, assim como foram frequentes as conversas com outros presos. Miguel Nunes confessou as evidências factuais, mas negou o sentido que os inquisidores nelas imprimiam. Negando-se a admitir as suas culpas e prevalecendo fiel à Lei de Moisés, foi "admoestado, exortado e requerido com instância". Por acórdão dos inquisidores, foi declarado herege apóstata convicto e pertinaz, incorrendo, por isso, na sentença de excomunhão maior, confisco dos bens, relaxado à justiça secular, sem contudo se proceder à pena de morte nem à efusão de sangue (fl. 186r). |
Suporte | margem de folha impressa escrita em ambas as faces |
Arquivo | Arquivo Nacional da Torre do Tombo |
Repository | Tribunal do Santo Ofício |
Fundo | Inquisição de Coimbra |
Cota arquivística | Processo 889 |
Fólios | [13ar-v] |
Socio-Historical Keywords | Ana Leitão |
Transcrição | Ana Leitão |
Modernização | Catarina Carvalheiro |
Anotação POS | Clara Pinto, Catarina Carvalheiro |
Data da transcrição | 2013 |
Legenda: | Expanded • Unclear • Deleted • Added • Supplied |
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