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Maarten Janssen, 2014-

PSCR1383

1630. Carta de Vicente Nogueira, cónego, para Pedro da Silva de Sampaio, inquisidor.

ResumoO autor reconhece junto do inquisidor as suas culpas, manifesta-se arrependido e pede para não ser humilhado publicamente.
Autor(es) Vicente Nogueira
Destinatário(s) Pedro da Silva de Sampaio            
De Portugal, Lisboa
Para S.l.
Contexto

Por casualidade, os familiares do Santo Ofício que andavam no encalce de um tal Gaspar Ribeiro junto à ribeira da praia de Buarcos encontraram numa fragata um mancebo que agia de modo suspeito. Ao ser preso e revistado, encontrou-se em poder de Francisco Correia da Silva (TSO, IL, proc. 1943) uma carta, da qual se lavrou uma certidão, constante no processo do cónego Vicente Nogueira (TSO, IL, proc. 4241, fl. 20v). Ali se certificava ter sido encontrada numa algibeira de Francisco, não contendo sobrescrito e não mostrando ter sido fechada. No seu depoimento, o preso alegou que ia para o Porto a fim de ir ter com um seu irmão que estava ao serviço do bispo daquela diocese. Quanto à carta achada nos seus pertences, as circunstâncias apontavam que aquele jovem "a levava feita para a mandar ao reverendo Vicente Nogueira", depois de lhe ter fugido dia de St.ª Catarina de manhã, levando consigo 56 mil reis, além de uns quantos trastes, entre os quais se contavam as chaves do escritório que lhe furtara da algibeira. Ao saber que Francisco Correia estava preso naquela inquisição, o cónego remeteu um requerimento, reclamando a restituição daquela quantia (TSO, IL, proc. 4241, fl. 23r).

Vicente Nogueira fizera, na verdade, a primeira confissão de culpa de sodomia perante aquele tribunal aos 28 anos, correndo o ano de 1614, sendo à data um clérigo de missa em Coimbra, remontando os factos confessados a 1607. Tornou a apresentar-se voluntariamente a 27 de novembro, 2 e 17 de dezembro de 1630, sempre muito solícito e cooperante. As duas cartas escritas por si datam, como se observa, antes da sua prisão, decorrida a 17 de junho de 1631. A que se encontra no fólio 73r fora entregue àquele tribunal inquisitorial através do padre Álvaro Pires, fazendo-se nela referência a um seu pajem, João Garcês ‒ "um mancebo ao parecer de vinte e dois anos, alto do corpo, a quem começa a barba, hábito de estudante comprido”. Na verdade este documento reflete as diligências do cónego face às muitas denúncias que corriam contra si na Inquisição de Lisboa, imediatamente após a prisão daquele seu jovem criado Francisco Correia, a 25 de novembro de 1630.

Torna-se evidente estarmos perante uma prova deliberadamente fabricada, planeando-se a sua entrega aparentemente casual, respondendo à prática habitual de apreensão de escritos por parte da inquisição. Se era suposto aquela carta cair na posse do Santo Ofício, o mesmo não se aplicava a outro documento igualmente dirigido ao padre Álvaro Pires (TSO, IL, proc. 4241, fl. 74), onde o autor coloca às claras os seus intentos. Ali se esclarece, com detalhe, o seu plano: discrimina aspetos a serem explicitamente tratados pelo padre Álvaro Pires, assim como por ele próprio, procurando articular esforços e combinar todas as estratégias para mascarar a verdade não revelada (como a memória do estudante de latim no colégio dos jesuítas, João Garcês, reportando-se os factos ao tempo em que era pajem daquele cónego). Muito embora pudesse incorrer no impedimento do reto ministério do Santo Ofício, além de violar o segredo de justiça e ser evidente ter feito confissão diminuta, na verdade a justiça inquisitorial tendeu a desvalorizar ou a tecer uma diferente interpretação daquelas provas documentais, particularmente focada nas suas confissões voluntárias.

Cumpre assinalar a existência de vasta bibliografia acerca do seu espólio bibliográfico e da sua correspondência, de que destacamos a compilação revista e atualizada em Serafim, João Carlos Gonçalves e José Adriano de Freitas Carvalho (2011), Um Diálogo Epistolar: D. Vicente Nogueira e o Marquês de Niza (1615-1654), Porto, CITEM/Edições Afrontamento.

Suporte uma folha de papel de carta escrita no rosto.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 4241
Fólios 72r
Socio-Historical Keywords Ana Leitão
Transcrição Ana Leitão
Revisão principal Rita Marquilhas
Contextualização Ana Leitão
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2014

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Se eu por meus grandes pecados tenho asco de mi, e me aborreço a mi proprio: que muito he, que enfastiem cansem e enfadem às muito castas orelhas de VM e dos sres dous companheiros? porem pois VM tem officio de deos na terra com chave das maiores culpas, semelhese tam-bem mto a elle (como ja comigo o faz) no de q se elle maes preeza, q he na mta misericordia e mto condoerse: e poes ja tem em sua mão esta ovelha tão arrependida, cure ha com a brandura do bom pastor, e ajase não conforme aos merecimtos della para os quais he curta pena a do inferno mas conforme ao mto que Deos se paga de coraçoens bem contritos, qual eu entendo q está hoje o meu, e qual se procurarei q o esteja sempre: e em todas as ratificaçoens e mais autos em q VM por sua fidalga e boa natureza, me puder conservar a honra e opinião, e não envergonharme: o faça. porqo será poerme n alma huns ferretes q nunca se borrarão e deixarme feito hum perpetuo pregoeiro dos mtos dotes e talentos q Deos depositou em VM e sera ultimamte satisfazer às armas e escudos desse sagrado tribunal sendo nelle mto primeiro o ramo pacifico da oliveira q a espada ensanguentada. e gde ds a VM

Lxa 4a fa 4 De dezbro 1630 Vicente Nogueira

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