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Maarten Janssen, 2014-

PSCR1555

1701. Carta não autógrafa de Maria Solteira, pseudónimo de Maria Ferroa, para o bispo de Coimbra [D. João de Melo].

ResumoA autora pede conselhos ao bispo de Coimbra, pois a sua família arranjou-lhe um noivo mas ela não quer casar, uma vez que fez um voto de castidade.
Autor(es) Maria Ferroa
Destinatário(s) João de Melo            
De Portugal, Guarda, Seia, Folhadosa
Para Coimbra
Contexto

Esta carta encontra-se, juntamente com uma segunda, no processo de casamento de Maria Ferroa, habitante em Folhadosa, e António Nunes da Costa, morador em Torroselo. Maria Ferroa era uma jovem devota que desde nova desejara ser freira. Tendo professado na Ordem Terceira de São Francisco, declarou, depois disto, que viveria o resto da vida em estado de pureza e castidade, não desejando casar-se. Todavia, era assaltada por dúvidas, e a sua família pressionava-a a casar, dado que, de todos os irmãos, ela era a única que estava em condições de o fazer. Durante a Semana Santa, o pai de Maria Ferroa, Manuel Ferrão, combinara, sem a sua autorização, que ela iria casar com um jovem de Torroselo, António Nunes da Costa, que vivera largos anos no Alentejo. A jovem protestou, assim como o pároco de Folhadosa, Manuel Gil de Figueiredo, seu confessor, uma vez que ela fizera o voto de castidade. Como o pai não acreditava na veracidade dessa afirmação, e o pároco não tinha a certeza do que devia fazer, a jovem, que não sabia escrever, pediu a este último que escrevesse, em seu nome, uma carta ao bispo de Coimbra, nessa época D. João de Melo, de modo a que este a aconselhasse sobre qual decisão seria a mais correcta aos olhos de Deus (PSCR1555). Por um lado, alegava, não queria desagradar à família, por outro, não desejava quebrar o seu voto. Chegada a carta, D. João de Melo enviou o vigário e arcipreste do Ervedal, António Nunes Álvares, para averiguar a situação e falar com as pessoas da terra e com Maria Ferroa. Numa carta para o bispo (PSCR1556), o vigário dá conta da conversa que teve com a jovem, declarando que Maria Ferroa se decidira a casar pois o pai continuava a pressioná-la. Chegou-se à conclusão de que Maria Ferroa fizera o voto de castidade sem conhecimento profundo do que isso implicava, pelo que este acabou por ser considerado nulo e os noivos puderam casar.

Suporte duas folhas de papel, a primeira escrita em ambas as faces, a segunda só numa.
Arquivo Arquivo da Universidade de Coimbra
Repository Cúria Diocesana de Coimbra
Fundo Câmara Eclesiástica
Cota arquivística Processos de Casamento, Anos 1693 a 1702, "Processo de Maria Ferroa e António Nunes da Costa", [Dep.III - 1ª Secção E - Est.18 - Tab.2 - Nº1B]
Fólios [3]r-[4]r
Online Facsimile não digitalizado
Transcrição Maria Teresa Oliveira
Revisão principal Fernanda Pratas
Contextualização Maria Teresa Oliveira
Modernização Fernanda Pratas
Data da transcrição2016

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Temeridade he molestar a V Illma sogeito, q ainda q subdito, se acha imcapax, assim pella rezão do sexo, como pella de sua humilde esphera; animao contudo a tomar este atrevimto a benignide de tão sto, e vigilante Prelado, e Pay spiritual, e a necesside em q se meu spirito, q por não querer tirarsse do q for vontade de Deos, pa segurança da salvação consulta com V Illma o estado em q deve ficar, e isto porq o seu comffessor, e parocho, talves com algũ temor de molestias temporais, q lhe podem sobrevir, a não quer dezenganar.

Meu Pai e sr com a boa vinda de V Illma deste Bispdo e com a do parocho q hoje assiste nesta frega, q com algũa clareza explicava a doutrina conteuda na pastoral de V Illma, e no livro da concordia spiritual, e tambem com algũas praticas, assim do mesmo, como com as de religiozo comissario dos 3os do convto de gouvea, sendo de pouca ide me fui affeiçoando, a querer servir a Deos, e sem embo q tinha mtos im-pedimtos, por viver debaixo do patrio poder, me rezolvi a pedir lca a meos Pais pa entrar por terceira de s. francisco e dandoma professei findo o anno, e querendo fazer voto de castide; como fis na da profissão pedi pa isso lca, e me não lembra se meos pais ma derão, e estando na ide de 18 annos qdo fis a profissão consagrei minha virginde ao spozo verdadro das almas xpo Jezus, de quem por meio da oração q tinha quazi continua sem q deixasse de servir a meos pais no q permetião minhas forças, recebia particulares favores no interior, aborrecendo sempre o estado dos cazados; padecendo porem algũas en-fermidades e hũa doença grave, sahi della a da virtude da pureza com mais afferro, sendo q padeci mtos tempos se-quidões pa os exercitios spirituais não me faltando contudo o sor com bons affectos, dezejando eu sempre fazer o q fosse vontade de Deos. no principio do anno sancto me achei com algũas tentaçois de q a vida q intentava de guardar pureza, era ocioza e q o sor queria outra couza de mim, e se bem me vi aflita fui continuando com a oração, e confian-ça em Deos com o mesmo intento de conservar a pureza; Succedeo enfermar irmão em quem tinha confiança q tomando estado me serveria de arimo no cazo q meos pais morressem, pa q eu não desfalecesse no meu intento, e assim pedia com instancia na sua doença a Deos q mo livrasse da morte, foi contudo vontade sua levallo pa si com cujo successo se me reprezentou q Deos me não queria neste estado q eu pretendia, e vivi con tão grdes desconsolaçois e desconfianças depois deste successo q considerava não serião minhas obras agradaveis ao mes-mo sor em forma q passou maior parte de anno sem receber a sagra-da comunhão e poucas vezes me confessei, costumandoo fazer ameudo vivi nestes tempos com siquidois graves, e na oração se me reprezentava q Deos me queria em outro estado, e que ficando no de cazada poderia gerar creaturas q sendo religiozas louvassem mto a Deos, e que tambem fi-caria empardda faleçendo meos pais, isto me apertou mais na somana sanc-ta passada e logo deste tempo, ou por me quererem emparar, ou por remirem algũas dividas estes me solecitarão espozo sem pedirme consentimto; o q sabendo eu repugnei, e repugno tomar estado de ca-zada, por entender faço agravo ao melhor spozo, e que não será este o estado em q me aja de salvar, e tambem pello voto q fis e sempre dezejei conservar, sem ter inclinação em tempo algũ ao con-tro não porq eu o merecesse mas porq o spozo Divino me da-va alentos pa vencer o que neste particular se me offrecesse. por outra prte me fas escrupolo a molestia q dou a meos pais e parentes não consentindo no cazamto que tem tratado, o q não recuzo fazer por querer outro spozo temporal, pois o não merecia, e menos as riquezas q me dizem ter, mas pellas cauzas assima referidas E porq não quizera fazer senão o q fosse mais vontade de Deos, e esta me he oculta consulto a V Illma pa q me diga o q devo fazer neste cazo pois o meu confessor me não quer dar nelle dezengano pello temor referido o q pesso a V Illma con toda a sumição e humilde como verdadeiro pai das almas e vigilante Prelado me remedee esta aflicção do spirito ordenando o q mais for servo de Deos, q sendo o como eu quizera ficar no estado do celibato, não me dera dever com q meos pais me lançarão fora de si; sem embo q não quizera deixar de servillos e alimentallos com o meu trabalho contanto q comserve a pureza a qual me parece deficultoza de conservar nestes tempos no estado de cazada, pois não considero no espozo q me querem dar o spirito de sto Henrique marido de s Cunegunda, nem o de S Elzeario, e S Delphina. Pesso a V Illma perdão deste atrevimento Atrevimento e molestia q nesta lhe dou o q faço pa segurança de minha alma, e alivio do spirito, pois não justo em semelhante cazo, resolverme sem guia, e torno a declarar a V Illma q quero o q mais for vontade de Deos pa segurança de minha alma e q nenhũa vontade sinto de tomar estado conjugal. A Pessoa de V Illma gde Ds como dezo pa emparo de todos, a quem com toda a humilde peço a benção. Folhadoza e de Agosto 12 de 1701

Humilde escrava de V Illma Ma soltra


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