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Maarten Janssen, 2014-

Representação em facsímile

1646. Carta de Gaspar de Sá, abade, para um membro da Inquisição de Coimbra.

ResumoO autor escreve relata ao destinatário, um membro da Inqusição, como procedeu por ocasião da prisão de um cristão-novo
Autor(es) Gaspar de Sá
Destinatário(s) Anónimo366            
De Portugal, Miranda, Duas Igrejas
Para S.l.
Contexto

Processo de Francisco Fernandes, cristão-novo, de alcunha "o Cavalheiriço", sapateiro, natural e morador do lugar de Duas Igrejas, termo da cidade de Miranda do Douro. O réu foi preso a 12 de janeiro de 1646. Segundo algumas testemunhas, o réu ter-se-á envolvido em várias discussões com outros sujeitos, tanto fora como dentro da cadeia, nas quais se ofendiam e, sendo chamado de judeu, frequentemente respondia que a Lei de Moisés era melhor do que a lei cristã; faria também os rituais judeus (roupa lavada, jejum, etc.) e teria ajudado uma cristã-nova sua cunhada, Maria Lopes Cardosa, a esconder-se quando era procurada com um mandado de prisão. Uma testemunha, Bartolomeu Peres, disse concretamente que foi a casa de Francisco Fernandes e que o réu o chamou à parte e lhe disse que tinha lá ido um soldado para lhe prender a cunhada, mas que ele a tinha escondido num palheiro, pelo que estaria segura. Segundo, essa testemunha. Nessa mesma noite, a filha de Francisco Fernandes, Maria Henriques, tirou-a de lá com a ajuda do próprio Bartolomeu Peres e levou-a para o lugar de Freixiosa, mas antes de lá chegar encontrou o irmão, João Pires, e entregou aos seus cuidados a dita mulher para que este a protegesse e ajudasse a fugir durante quatro dias.

Em confissão, o réu tentou negar todas as acusações que lhe foram feitas. Disse que, por medo de ser preso injustamente, fugiu para o Reino de Castela com outras pessoas da sua terra, mas que depois voltou, como muitos outros também. O réu foi posto a tormento para dizer a verdade, mas como na casa do tormento continuou a dizer que não tinha nada para confessar, logo foram chamados os ministros, os guardas e o cirurgião para que fizessem o seu trabalho. O réu foi despido; depois, mandaram que se sentasse num banquinho e ataram-no. O Notário avisou-o de que, se perdesse a vida, quebrasse algum membro ou perdesse algum sentido, a culpa era dele, réu, e não dos inquisidores, porque ele próprio, com tanto atrevimento, se sujeitava a tal perigo. Foi-lhe então dado um "trato experto", e, depois disso, o réu quis confessar. Disse então que ele e a sua mulher, em tempos, acreditaram na lei de Moisés, e que com a cunhada, a referida Maria Lopes Cardosa, celebraram cerimónias e jejuaram nos dias respetivos. Disse também que a sua crença na Lei de Moisés durou cerca de quatro anos, mas já se tinham passado quase trinta depois disso. Segundo o réu, só se terá iniciado nessa religião por causa da mulher e respetivos parentes, que lhe garantiram a sua salvação.

O réu foi considerado convicto no crime de heresia e apostasia, herege, judeu e apóstata da fé católica, falso e simulado confitente, afirmativo e impenitente, pelo que recebeu a sentença de excomunhão maior, confiscação de bens para o Fisco e Câmara Real e mais penas em direito contra semelhante estabelecidas.

Suporte folha de papel dobrada escrita apenas no rosto.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 1970
Fólios [26] r
Transcrição Leonor Tavares
Modernização Catarina Carvalheiro
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2009

Page [26]r

Senhores

Domingo 24 do passado me foi dada a de VS de 29 de novembro, a horas, q sahia de missa, mandado, carta do Fisco, tanto, q vi q VS me mandava prender a Franco Frz meu freigues, dentro de qu-arto de hora foi preso pello pe Dos Pereira meu capellão, depois de o ter preso, disse o judeu estas pallavras = a se eu não fora besta não me prenderão a mim, porq olhou pera mim homẽ duas vezes, de Deferente modo, bem podera eu advertir naquillo = VS lhe fara as perguntas, q lhe parecer sobre o q disse. Ate hoje não foi posivel partir as grandes neves, caramellos, q ouve as maiores friaiges, q jamais forão vistas nestas partes, fiquo esperando, q VS me mande mais mandados, pera os cumprir na forma q VS me ordenar. Belchior Luis vai en-tregue do preso Pedro Ramos meu freigues o preso leva sua cama, roupa de sua limpeza, quinze mil reis, porq não quis o juis de fora dar mais sendolhe requerido dese vinte na forma do mandado de VS q esta vai, o inventario pera VS mandar ao Fisco, Nosso sor Duas igras janeiro 4 de 646

Gaspar de Saa


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