Representação em facsímile
1701. Carta não autógrafa de Maria Solteira, pseudónimo de Maria Ferroa, para o bispo de Coimbra [D. João de Melo].
Autor(es)
Maria Ferroa
Destinatário(s)
João de Melo
Resumo
A autora pede conselhos ao bispo de Coimbra, pois a sua família arranjou-lhe um noivo mas ela não quer casar, uma vez que fez um voto de castidade.
Succedeo enfermar hũ irmão em quem tinha confiança q tomando es
tado me serveria de arimo no cazo q meos pais morressem, pa q eu não
desfalecesse no meu intento, e assim pedia com instancia na sua doen
ça a Deos q mo livrasse da morte, foi contudo vontade sua levallo pa si com
cujo successo se me reprezentou q Deos me não queria neste estado q eu
pretendia, e vivi con tão grdes desconsolaçois e desconfianças depois
deste successo q considerava não serião minhas obras agradaveis ao mes-
mo sor em forma q passou maior parte de hũ anno sem receber a sagra-
da comunhão e poucas vezes me confessei, costumandoo fazer ameudo
vivi nestes tempos com siquidois graves, e na oração se me reprezentava
q Deos me queria em outro estado, e que ficando no de cazada poderia
gerar creaturas q sendo religiozas louvassem mto a Deos, e que tambem fi-
caria empardda faleçendo meos pais, isto me apertou mais na somana sanc-
ta passada e logo deste tempo, ou por me quererem emparar, ou por
remirem algũas dividas estes me solecitarão espozo sem pedirme
consentimto; o q sabendo eu repugnei, e repugno tomar estado de ca-
zada, por entender faço agravo ao melhor spozo, e que não será
este o estado em q me aja de salvar, e tambem pello voto q fis e sem
pre dezejei conservar, sem ter inclinação em tempo algũ ao con-
tro não porq eu o merecesse mas porq o spozo Divino me da-
va alentos pa vencer o que neste particular se me offrecesse. por
outra prte me fas escrupolo a molestia q dou a meos pais e pa
rentes não consentindo no cazamto que tem tratado, o q não
recuzo fazer por querer outro spozo temporal, pois o não merecia, e
menos as riquezas q me dizem ter, mas pellas cauzas assima referidas
E porq não quizera fazer senão o q fosse mais vontade de Deos, e esta
me he oculta consulto a V Illma pa q me diga o q devo fazer neste cazo
pois o meu confessor me não quer dar nelle dezengano pello temor re
ferido o q pesso a V Illma con toda a sumição e humilde como
verdadeiro pai das almas e vigilante Prelado me remedee esta
aflicção do spirito ordenando o q mais for servo de Deos, q sendo o
como eu quizera ficar no estado do celibato, não me dera dever
com q meos pais me lançarão fora de si; sem embo q não quizera
deixar de servillos e alimentallos com o meu trabalho contanto
q comserve a pureza a qual me parece deficultoza de conservar
nestes tempos no estado de cazada, pois não considero no espozo q me
querem dar o spirito de sto Henrique marido de s Cunegunda, nem
o de S Elzeario, e S Delphina. Pesso a V Illma perdão deste atrevimento