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Maarten Janssen, 2014-

CARDS3195

1627. Cópia de carta de João Gomes Lopes, confeiteiro, para o seu irmão, Francisco da Fonseca, confeiteiro e mestre de meninos.

ResumoO autor tece fortes críticas ao destinatário por ele não se ter escondido, livrando a sua honra.
Autor(es) João Gomes Lopes
Destinatário(s) Francisco da Fonseca            
De Portugal, Lisboa
Para S.l.
Contexto

O réu deste processo é Francisco da Fonseca, confeiteiro e mestre de meninos, acusado de judaísmo, tendo sido preso a 09-08-1627. Aquando da sua prisão, foi revistado, tendo-lhe sido apreendidos dinheiro e várias cartas. Disse que uma é de Manuel da Cunha e outra de João Mendes, criado do arcebispo de Braga (fl. 45r). Em relação às restantes, referiu terem-lhe sido entregues por um almocreve português proveniente de Castela.

Entre elas, encontrava-se uma carta assinada sobre a qual disse não conhecer o autor, e várias sem assinatura sobre as quais disse, primeiro, não saber qual a sua proveniência e, mais tarde, serem de uma sua cunhada, Inocência de Horta, mulher de seu irmão, João Gomes Lopes, confeiteiro, falecida havia pouco tempo, ou de sua sobrinha, Lucrécia dos Santos (também referida como Lucrécia de Horta ou Nunes), de 18 anos, filha destes.

Comprovou-se que o traslado de duas cartas e uma carta original, no processo de Francisco da Fonseca, eram da autoria do seu irmão João Gomes Lopes, mas escritas por sua filha Lucrécia dos Santos. Estas cartas estão também trasladas no processo de João Gomes Lopes (TSO, IL, proc. 10402), servindo de prova para a sua condenação e prisão a 08-05-1628 e, posteriormente, à de sua filha, Lucrécia dos Santos, a 21-05-1628, que confessou ter escrito as cartas em questão (fl.12r, TSO, IL, proc. 10402).

No processo de Lucrécia dos Santos (TSO, IL, proc. 466) conta-se como o pai esclareceu o contexto em que foi escrita uma carta que começa por "Recebi a sua carta" (CARDS3197). João Gomes Lopes e sua mulher, Inocência, estando esta mal, "a ditaram e fizeram escrever a Lucrécia sua filha para Inês Pires, mulher de Francisco da Fonseca, seu irmão; e por se deter a carta já escrita e cerrada alguns dias e neles falecer [correria o ano de 1627] a dita sua mulher [Inocência], da tenda dele, confitente [aquele que confessa], a mandou dar ao primeiro portador que de Castelo Branco se oferecesse, para fim de o seu irmão se ausentar por não ser preso pelo Santo Ofício" [audiência de 16 de maio de 1628]. João Gomes Lopes revelou ainda que escreveu um total de três cartas para o seu irmão Francisco sobre esta matéria ‒ "A primeira foi um mês pouco mais ou menos antes do auto que se fez nesta cidade em quatorze de março de mil e seiscentos e vinte sete anos ‒ A segunda daí a quinze dias ‒ A terceira daí a um mês pouco mais ou menos, as quais mandou por diferentes pessoas que iam para Castelo Branco, aonde seu irmão estava [...] não eram pessoas conhecidas e que todas as ditas três cartas escreveu sua filha Lucrécia, ditando-as ele confitente diante de sua mulher Inocência d'Orta que tudo viu e ouviu, e ele as não quis ele escrever de sua mão, posto que sabe escrever, para que a coisa ficasse mais encoberta".

Lucrécia dos Santos, por seu turno, declarou que foi a mãe, já enferma e de cama, que, ao ver muitos cristãos-novos de Castelo Branco irem presos pelo Santo Ofício, temeu que algum dissesse coisa contra Francisco da Fonseca, pedindo-lhe assim que lhe escrevesse uma carta. Depois, assumiu que escrevera duas cartas a pedido de sua mãe, começando-as por "Recebi a de vossa merce" (CARDS3195) e "Recebi sua carta" (CARDS3197). Isso, no entanto, não correspondia à verdade, pois à época a mãe já havia falecido.

Está também atestado no processo de Lucrécia que a iniciativa de enviar estes avisos proveio de uma conversa que João Gomes Lopes teve com o secretário do Santo Ofício Adrião da Fonseca, junto ao Pelourinho Velho, ficando aí a saber que o seu irmão estava culpado pelo Santo Ofício e que, tendo Lucrécia ido, muito aflita, a casa de Adrião da Fonseca, também antigo confessor de sua mãe, em companhia de seu pai, a perguntar se haviam encontrado uma carta na algibeira de Francisco quando foi preso, aquele confirmara, tranquilizando-a, pois, apesar de se lhe encontrar uma carta, tinha-se "por letra de homem" "e que se a chamassem não dissesse que a letra era sua dela Ré e que não dissesse que sabia ler nem escrever".

Através do processo de Adrião da Fonseca (TSO, IL, proc. 6918), sabe-se que, embora este tenha avisado os familiares de que Francisco da Fonseca fora denunciado em Lisboa, este se dispôs a entregar-se à Inquisição de Lisboa, e que Adrião da Fonseca o tentara demover, para que não se descobrisse os avisos que tinha dado e que era favorável aos cristãos-novos, a quem dava informações do que se passava no Santo Ofício em troca de dádivas, tendo conseguindo, assim, particular abastança. Sabe-se também que Lucrécia, já depois de descobertas e apreendidas três cartas na algibeira do tio, escreveu uma nova carta. Consciente de que tinham conhecimento da sua letra na Inquisição, procurou disfarçar a sua escrita ‒ "por lhe não conhecerem a letra, fazia uns gravatos"

Francisco da Fonseca foi sentenciado a auto-da-fé de 27-11-1628, confisco de bens, abjuração em forma, penitências espirituais, cárcere e hábito penitencial perpétuo.

Suporte uma folha de papel dobrada escrita em todas as faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 1262
Fólios 35r-v
Transcrição Mariana Gomes
Modernização Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2012

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Ao sor frco da fonsequa jhs ma

Resebi a de v m feita em 4 deste q core e vejo como me dis porque dera os 700 rs esses deu v m seu dei mais de 10 testois e v m dis que por carta minha digo q a quem mandara eu o avizo q mo não estimara mto e v m agora acorda isto em dizer q mto parvoamte se fora de sua caza bem parece q v m esta os beisos que mamou pois dis o q dis sinal he q não v m credito as coizas q tanto inportão e vão honra nelas a carta q lhe escrevi ma palavra bastava ao mais sinpre homẽ q ouvera no mundo pera não estar ja no cabo do mundo ao doeser v m diso me peza quanto ds sabe ao dizer v m q se sahio 5 legoas de castelo branco e que gastou e gasta o q seus filhos não tem digo que v m não esta em seu juizo pois me dis iso quantos homẽs hai no mundo que deixão mtos Cruzados por ahi perdidos e molher e filhos e se pom em cobro ma testa qto mais por meus pecados quem tem tantas cõtra si não sei que pensamento he o seu se v m se não quer hyr aguarde o pecado q a v m não lhe an de mandar avizo e tem v m tão pouco juizo que me escreve o q me escreve a cabo de mes cudando eu q v m estava posto donde lhe não soubesem nem por imaginasão donde estava he huã coiza que me tem dado em q emtender porq se não estivera do modo q estou que he aver falesido inosensia d orta e eu perdido e não ter 2 filhos que não tenho donde os deixar ja me ouvera de hir ter comig v m a dizerlhe 2 palavras mto bem ditas q quer dizer que paixão ou inosente se sahio de sua caza porq os outros q se forão é que se auzentão vão culpados a iso digo q v m q esta fora de si e que lhe requeiro da parte de ds que se va logo e q não paresa mais no mundo nem lhe lenbre molher nẽ filhos olhe q estas coizas inportão a honra e que não sabe estimar o bẽ de ds q lhe dou o avizo pa que não se veja e se dizei mto bem parese q esta v m doudo pois dis na sua q esta pa lhe dar o miolo hũa volta destas parvoises eu lhe requeiro da parte de ds que não siga selho de sua molher senão q esta carta he anjo do seo que lha manda q quer dizer que mais val homẽ honrado prezo que não acolhido sinal he q v m quer ser antes prezo q não acolherse esa bestidade he mto boa eu lhe torno a requerer q se va mto inbora e não fasa bestidades olhe o q lhe requeiro da parte de ds não atente a meus pecados q são mtos e não queira q ja que v m se não quer hir que me va eu e deixe tudo perdido eu não me atrevo a responder lhe a sua carta porq he feita de mão de homẽ q se não emtende pois escreve tais coizas sor em rezulusão eu lhe digo q este avizo me tem Custado a vida de inosensia d orta pois por meus pecados tanto q daqui partio o homẽ ela logo cahio e se não levantou mais q pa a cova pois lhe chegarão a dizer o q v m tinha comtra si e veio agora hũa carta de v m que não tem peis nẽ cabesa e escreve cozas tão fora do q qua se sabe como de min pa el rei e asim digo q v m se va jhs ma q va ele e não lhe lenbre nada nem filhos nem molher porq nisto não hai filho por pai nẽ pai por filho e mais pa pesoas q tem joizo avia mister mais leitura que a que lhe escrevi e o q lhe escrevo q quer dizer carta sinples ha mister mais q ma palavra q dizer q se va ver a dona ma a sevilha que mais ha mister an de lhe dizer guardate q te quero matar se hai dar este avizo he mas v m foi tão virturozo q o teve e não quer Cudar q lhe bate noso sor a porta pa se hir e que mais clareza ha mister q isto e de mais diso não basta que os traidores diserão mal que remedio tem iso se não irse jhs q va ele e não olhae senão q vai pedindo q ds não lhe a de faltar nem se fie de sua molher por mais q lhe diga e de mais diso se v m lhe pareser que he mais honra prendeireino q não fogir fasa o q lhe pareser bem que iso não he senão comselho de sua molher v m deve ser so no mundo e asim como v m he sor de mta fazenda quando la forem lhe an de dar avizo em q diguão gardaivos q vos vou buscar e asim desa maneira pode estar em sua caza pobre de quem perdeo a mai dos filhos o sobresalto q teve de lhe darem o avizo q dlhe derão pa v m e v m com tanto descanso escreveme hũa carta tão fora de propozito q não ha pesoa q lhe não cuspa na cara q homẽ hai q escreva o q v m escreveo hai quem tal escreva se não louvar ao sor por tão grande bem como lhe vejo ja lhe tenho dito o q lhe vem v m fasa o q lhe pareser bem q eu dezemcarego minha comsiensia e digo q da parte de são pedro e paulo se va mto embora e não queira q nos percamos todos q este mal he pior q peste e bastava levarme ds a sua boa amiga mai de meus filhos veja v m qual eu poso estar e asim digo q me acuda ds q pode o ldo esta mto emfadado a sua carta de v m e ver o q v m escreve de parvoises sendo homẽ de intidimento a ds q o gde lisboa oje 15 de Junho 627

V

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