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Maarten Janssen, 2014-

PSCR1627

1760. Carta de Manuel Borges Pimentel, arrieiro de tropa, para seu pai, Eugénio Pimentel, capitão.

ResumoO autor, lamentando-se da sua sina e de estar distante dos pais, implora pelas suas bênçãos e prepara-os para a receção de notícias menos afortunadas; descreve diversas peripécias por que passou desde que chegou ao Brasil, confessa ter desobedecido às ordens do pai e anuncia ter casado em Goiás.
Autor(es) Manuel Borges Pimentel
Destinatário(s) Eugénio Pimentel            
De América, Brasil, Goiás, Ferreiro
Para Açores, Ilha Terceira, Angra do Heroísmo
Contexto

Manuel Borges Pimenel foi denunciado por culpas de bigamia pelos próprios pais e pelos sogros, os quais se apresentaram perante o comissário do Santo Ofício na sua residência oficial, o antigo colégio jesuíta de Santo Inácio (Angra do Heroísmo), respetivamente em janeiro e fevereiro de 1763. Ali entregaram, os primeiros, a carta que o filho lhes remetera (PSCR1627), andando ele pelos sertões de Goiás e São Paulo, juntamente com as certidões de banhos de Angra, extraídas com a finalidade de aliviar a fiança dada no bispado de São Paulo. Fazendo-se treslado do livro de termos de casamentos existente na sé de Angra, atestava-se que o réu, sendo natural da freguesia da Sé, tinha casado a 17 de outubro de 1753 com Micaela Rosa do Espírito Santo, natural da freguesia de N.ª Sr.ª de Guadalupe, de quem chegou a ter um filho. Ao confessar as suas culpas na presença dos inquisidores, o réu revelou que, aos 18 anos, estando ele a estudar e a preparar-se para seguir a vida religiosa, foi obrigado judicialmente a casar com aquela mulher. E, "levando a mal este casamento, os pais dele confitente o fizeram embarcar para a cidade do Rio de Janeiro ocultamente, dando-lhe seu pai uma carta fechada para que a lesse no mar, em que lhe dizia que no fundo de um barril que havia entregado ao capitão do navio em que ia acharia dinheiro para a sua subsistência, cartas para parentes que tinha na América, e que em casa destes cuidasse nos seus estudos, porque dentro em seis anos poderia morrer a dita Michaela Rosa e seguir ele a vida eclesiástica para que fora destinado" (fl. 41v). Uma vez chegado ao Brasil, e fiando-se, segundo disse, na notícia da morte da sua mulher, prosseguiu a sua preparação religiosa, na companhia do padre António Ribeiro de Sequeira, que conheceu entretanto, o qual ia servir de pároco numa igreja em Goiás. Ao privar com familiares deste padre paulista, veio a conhecer uma mulher solteira, D. Ângela Custódia do Sacramento Coutinho, e com ela se viu forçado a casar, sob ameaça de prisão. Deste segundo casamento, celebrado a 7 de janeiro de 1760, teve cinco filhos. O Tribunal do Santo Ofício mandou proceder a inquirições junto dos moradores da ilha Terceira e enviou orientações para que idênticas providências fossem praticadas no Brasil. Efetivamente, em junho de 1768, várias testemunhas desfilaram perante o vigário da vara de Vila Boa, munido das diligências recebidas pelo vigário do Sabará (comissário do Santo Ofício), oriundas de Lisboa.

Manuel Borges Pimentel, batizado e crismado na sé catedral de Angra do Heroísmo, quando rapaz, aprendeu alguns princípios de latinidade. Recebeu mandado de prisão a 24 de abril de 1769 por bigamia. Uma vez apanhado, foi transportado para Minas Gerais e daí para o Rio de Janeiro. Aí ficou preso alguns dias, no Convento do Carmo, antes de embarcar para Lisboa, na nau S. Francisco Xavier. A 8 de junho de 1771 dava entrada no cárcere inquisitorial. Recebeu por pena sair em auto-da-fé, ouvir a sentença, ser açoitado pelas ruas de Lisboa e degredado nas galés durante 7 anos, além de penitências espirituais e do pagamento das custas judiciais. No "rigoroso degredo" das galés de Sua Magestade, Manuel Borges Pimentel contraiu algumas enfermidades, pelo que requereu ao Rei a comutação da pena. O seu estado de saúde foi corroborado pelo cirurgião e sangrador dos cárceres inquisitoriais, o qual, deslocando-se à enfermaria do hospital do Arsenal a 8 de fevereiro de 1773, ali achou o réu com quatro doenças agudas e já em perigo de vida. Cerca de um ano e meio depois, faleceu no mesmo hospital.

Suporte quatro folhas de papel de carta escritas em todas as faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 717
Fólios 14r-17v
Socio-Historical Keywords Ana Leitão
Transcrição Ana Leitão
Revisão principal Catarina Carvalheiro
Contextualização Ana Leitão
Modernização Catarina Carvalheiro
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2014

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Mto Meu Pai e Sor Capitam Eugenio Pimtel

Se a pena pudese expilcar o sentimente com que lhe pego pa por meio destes Borrois se sifrarem tantas lagrimas que me acompanhão e tristezas que padesu por me ver tam distante da vista de vmce e de sr minha Mãi pa que pudese thodas as oras e estantes tomarlhe a bensão e que o não poso fazer na perzensa por estar distante agora vou por estes dois Borrois porstarme aos pes de vmces como filho ubidiente pa que vmces se dign-em em me botar as suas Bensoĩs que como filho emdigno de a Resebó pa por meio de dellas Ds me ajudar que emté ao perzenté ten-ho andado tam dezacertadamte que me parese que sera com a falta dellas do que me parese que vmces não ubrarão similhante tirania pella ubrigasão que tem Recohnhesendo Eu qu-e o que mereso sim huma maldisão mais vmces como quem são e Eu como filho ainda que emdigno, ainda que meresá mil castigos que ochalla que pudese Resebellos pesualmte que nisu teria mto gosto de os Reseber não lhe meresu em tempo algum castigos senão sim vmces coitaremme pois sou o único filho e como na-si aos pes de sr Minha Mãi com as emfellecidades escriptas que remedio tenho sen-ão purgar neste mundo o meu fadó e vmces conservaremse com a sina que Ds me treslladou no seó. Meu Pai hoje que Eu sinto a falta da boá compa de vmce e de sra minha Mãi hoje que Eu me llembor de tanto amor que vmce me tinha neste dia me llembor dos excesus que vmce fazia por amar e venerar este filho inutill que antes Eu morrese quando minha Mãi e sor me botou aos seus pes e antes o navio fose a pique quando meti pes nelle pa vir pa estas terras que deixharia de agora lhe manefestar a vmce tantos trabalhos que tenho padesido por estas terras. Agora dezejo e tenho dezejado 2 mil vezes o ma-is vil canto da estervaria de vmce que se nelle me vi se não pasaria o que tenho pasadó e terei pa pa-sar em satisfasão de todos os meus pecados que não sei se se pagão os pecados neste mundo ou no outro mais bem afurtunado daquelles que tem o seu pergatorio neste. Estando no Rio de jan-eiro pa continuar com os estudos em caza de meu Tio Anto coelho quis as minhas infilicidades q me axhaxem com capacidade pa soldadó de sta Catheriná e como Eu tive huas estorias com hu-m celrigo filho do portó e por elle me dizer sertas Libardades emtentei a matalló adonde semper lhe foi bater a sua porta pa obra o que emtentava fes queixha de mim ao governa-dor e andavão atras de mim a ver se me podiam apanhar pa me mandar pa sta Catherina por soldado andei hums tenpos escondido na Rosá de meu tio Caietano Coelho e de meu tio Antonio Coelho emté que apareseó hum celrigo Filho de são Paullo que tinha hido buscar porvisaes pa ser capellão de huma igerja em goiazes como Eu me via perseguido de ssoldados não tive rremedio senão fazer viagem com o dito celrigo por seu sancristão mais pello caminho fazia o que se caresiá sahindo do Rio de jáneiro foi deus servido a que me roubasem e mais ao dito Pe que fiquei com a camizá no corpo e vestia e chapeó que o mais tudo nos furtarão outo negois fugidos que andavão pellas estrada Roubando e mata-ndo: de que demos mtas grasas a Ds escrap-armos com a vida emte a são paulló pois viemos fazer parada ahi na caza do dito Pe e gastarmos do rio a São Paiullo 23 dias por terra e sinquo dias por mar e Eu semper a porque o Pe não tinha mais que hum cavalo pois por sam mtos caros estando nos pa vri pa guiazes compor o Pe cavallos pa trazer os seus trastes e compormé Ropá pois andava e comporme hum cavalló pa Eu segri viagem com elle e como o caminho mto Lonje que gatamos dois Mezes semper a andar comer pella minha No pozó feijão com tousinho andar todo o dia emte a noite e tornava a comer feijão com toisinho agua andavasé dias e dias que se não bebia senão cuando se pasava por algums Ribeirois ou Rios canpos mtos compridos que quanto mais se andava mto mais se via a perder de vista não se mais que ceó e canpos dentro em mes e meio Eu feitó aRieiro des cavallos tocandos pondolhe as cargas em sima e tirandolhos punha pella minhão e tirava a noite pondo sellas e tirando dos cavallos as cangalhas dos cavallos das cargas asim finalmte vim todo o caminhó feito negor e mosó a cada estante Lembrandome da vezes que vmce me mandava o cavallo ao estudo pa Eu vir pa caza e não querer vmce que Eu siquer chegase a tirar o ferio do cavallo. e Eu por servindo a outrem tirando sellas lavando cavallos e fazendo outras mtas couzas as cuais as não manefesto por não lhe mortificar a vmce e a sra Minha Mai e como os trabalhos pa mim he que naserão que rremedio tenho senão ter pasiencia que os meos aRenegados pecados asim o querem cumpeltei a viagem e vim quinze dias a discalsó e hiá todos os dias no pasto buscar os cavallos do Pe todos os dias pella minhão e a noité levallos com mto Risco porque pellos canpos e matos avia huma casta de jente por nome gaiapó que matão a jenté com fershas e por estadas asim mesmo punhame a todo o Riscó e não tinha Remedio senão fazer a minha ubrigasão que hera servir pois o Pe me vinha sustentamdo e pagando as pasajes nas canoas dos Rios e o mais gasto que fazia commigo asim servio co que fose seu negor suposto que dispois semper Me satisfes o meu trabalho porque foi pa a igerja e meteme por seu sancristão que ganhava sincuenta outavas de ouro a outava a doze tostois por annó e davame de comer e asistia com elle e continuiei com os meus estudos que elle me emcinava de grasá sabia conevir Bem como he dodo pois ja podia tomar or-dens e queriame o Pe como que se Eu fose seu filhó emte me emprestava patrimonio pa Eu me ordenar tem este dito Pe em quaza bastantes parentes como he paullista e por ca não faltão e a forsa fazem cazar, Eu como senper fui hum doidó e não me sube aporveitar na compa de vmce quis Ds o Diabo que por fizese pior mais cada hum pa o que nase tive emtrada em caza de hums parentes do tal Pe e tinhão hum filha e apanharam me a consversar com ella onestamte se como são jentes que tem e são Riquos e briozos pegão Em mim e metemme na cadeia e não ouve piditorios que me deixhaxem e estive na cadeia 7 mezes emte que dise que cazaria e da cadeia fui pa a igreja aReseber a mosa e estou cazadó em guiazes A mosa mto nober mto onrrada bom sangue e Riqua os pais o mesmó deram me dois negros e duas negras e 4 sentas outavas em ouro e huma cazas em que moro de telha asim ubrigamme agora os fiadores aos benhos que os mande buscar e como vmce he que pode andar com eses Gastos e Emfados como Pai que que bem sei que dirá que não sou seu filho pois lhe não tenho feito as vontades, mais Ds asim o permite porque se deus não fose servido a Eu dar lhe a vmce tantas mortificasois não avia asim permitri que Eu andase tam errado pello mundo. Reconhesu o grande disabor que lhe dou a vmce em vendo estes Borrois e juntamte a sra minha Mãi mais comó tive na nasi pa lhe dar a vmces disgostos e mortificasois RecorO ao patrosino de vmce pa que me fasa o favor e Esmolla de me mandar os meus benhos com a sertidão do parricó e asignada como dadó a virem os ditos Benhos pa estas terras e juntamte as minhas emquirisois se sou judeo ou se sou de boa jenté e ses pode vmce mandar as que se tirarão quando Eu estava pa entra pa frade que antes Eu nese tenpo morrese porque escuzaria de pasar tantos trabalhos que tenho pasado e terei pa pasar a sertidão como sou Liver e dezenpedido o que mais persizó se não vier berbemte fazemme pagra 4700 e a de vmce ter a bondade de a mandar em tendo pesoa sertá fixhada em huma cartá pa mim Remetida a pesoa serta ao Rio de janeiró pa que emviEm pa estas minas o soberescripto a de ser desta sorte: A meu filho Manoel Borges Pimentel Morador em o aRaial do ferreiro comarca de villa Boa de Guazes Em sua auzensia A sra D Anna Maria Joaquina de jezus Coutinhá que he minha sogra e moramos parede meió porque virão as cartas em ocaziam que Eu não esteja na terra pois ando em negosio comprando e vendendo fazendas e sedo hirei na bahia fazer tambem negosio em Escravos e se Ds me ajudar e vmce me conseder Lisensa hirei ainda participar do calor da sua cuzinha. Por estar o portador a persa me não Largo mais com estes Lemitados Borrois pa asim dar algum allivio aos meus olhos pois mais são as lagrim-as que caiem no papel que lletras escrevo com a pena em consedirar o comó me ve e comó vmce ficará e sra minha Mai em sabendó que estou cazado isto tendome detriminado que do rrio não sahise emte mandaremme buscar pa a sua compa e Eu andar tam errado mais ja quando nasi foi pa vri cazar em guiazes com D Anjella custodia do sacramento coutinha tal vmces a Reconhesão por filha pois me paresé que ainda que andei irrado nunca dezalentei pois he mosá mto asiada em tudó Ri bonus vestidos Bom sangué asim Ds Permita que asertase em tudó nesté mun-do e no ouotro pois Devo Reconheser que hei de viver neste mundo menos tenpo que no outro pois neste por huma orá e no outro pa senper por iternidade Asim vmces me perdoiem a andar tam irrado como tenho andado e não emfado mais a vmces nem os mullesto pois Reconhesu as mullestias que lhe dou vmce me fara a mce de dar mtas saudades A Meu Tio o Pe Anto Borges e mais a meu Tio Pe Joze Coelho e a meu tio o capitão Anto coelho e não escervo a pesoá mais por andar mto ocupado e pello portador passei de madrugada e esta he feita aos des oras da noite e vai esta Remetida pello Reino De vmce o mais inutil filho e menor criaado e cativo emte a morté de que deus lhe condceda a vmce mtos annos de vida e a sra Minha Ma pa meu alivio que Ds gde por mtos as

hoje15 de junho de 1760 De vmce Filho mto venerador Manoel Borges Pimentel

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