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Maarten Janssen, 2014-

CARDS2111

1722. Carta de frei António das Chagas para [António Ribeiro de Abreu], Inquisidor de Coimbra.

ResumoO autor pede conselho ao destinatário em relação a umas confissões que tem ouvido a uma mulher que parece estar possuída do demónio.
Autor(es) António das Chagas
Destinatário(s) António Ribeiro de Abreu            
De Portugal, Viana, Gondoriz, Refonteira
Para Portugal, Coimbra
Contexto

As cartas relativas a este caso encontram-se em dois livros dos Cadernos do Promotor da Inquisição do Coimbra, o Livro nº 348 (Caderno nº 51) e o Livro nº 353 (Caderno nº 56). Integram a denúncia de Mariana Josefa, criada de António Luís de Simões e que assistia na casa de António Luís Coelho Pereira da Silva, morador na sua quinta de Simões do concelho de Felgueiras. Mariana Josefa foi acusada de fazer pactos com o Demónio e de aliciar várias pessoas a fazê-lo também. As testemunhas vieram afirmar que o Demónio lhes aparecia sob o disfarce de um mancebo bem trajado, e, na companhia da denunciada, obrigava a fazer um escrito em que a pessoa prometia falar com o dito mancebo, de nome «Asmodeo», sem saber que este era o tal Demónio. Muito tempo depois, o mesmo Demónio reaparecia e obrigava as testemunhas a fazer muitos pactos, entre os quais havia sempre um de esquecimento para que a testemunha não se lembrasse do que tinha feito. Só através das confissões e comunhões que depois faziam na igreja é que se conseguiam começar a lembrar dos pactos e dos males que tinham feito. Muitas das pessoas ouvidas no caso disseram também ter tido «tratos ilícitos» com outras por virtude do mesmo encantamento. Eram ações durante as quais se tornavam invisíveis. No fim, esqueciam tudo.

Suporte meia folha de papel escrita em ambas as faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Caderno 56
Fólios [307h ], [307i] r, v
Socio-Historical Keywords Rita Marquilhas
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Rita Marquilhas
Modernização Rita Marquilhas
Data da transcrição2008

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J M J

Meu amo e Sor o correyo passado lhe escrevi a Vmce porem não foi a carta porq mandandoa eu na 4a fra a Cramos incluza na de religiozo q costuma remetermas na 5a fra a Amarante q he o dia do correyo, sucedeo q da caza aonde eu a mandei partio nesse dia Rdo Luis da Cunha vigro de Constantine pa Va Real q havia de passar por Cramos e se encarregou de entrega-la, porem creio a levou pa a sua Igra pa a abrir, como me dizem costuma qdo tem semilhtes occaziois e de a mandou e se entregou no sabbo estando eu em Cramos, este Rdo dizemme q ja foi beijar a sta a esse sto tribunal he porq tambem he dos da con-fra e plas informaçõis q me dão he bem dezenvergo-hado, e tanto, q pa o demo encarecer a certa pessoa o qto eu sou e fui mao, pa q se não confesse comigo, nem me descubra nada ,como fes sempre pa com todos os confes-sores q lhe tem entendido o achaque, me compara com o do clerigo, dizendo q fui e sou tal como elle; re-paro q espicificando peccos em tudo mente, no q o não he falla verde e tem descuberto couzas q o tal sogeito não podia saber sem o demo lhe dizer: eu tenho tido gra-ves contendas com este demo tem feito por me meter. medos, e feito ameaças de morte, e fesme morto algũas vezes, hũa em barranco outra de tiro e outra de fogo fazendo se visse arder a caza em q eu dormia, e qdo soube eu queria hir tirar o depoimto pa a denuncia se pôs no camo com esquadrão de demos em hũa encruzilhada de hũa e outra pte com espadas largas e luzentes em ameacando-me se pr ali passasse, isto veo a mer mtas vezes, e peguntandolhe pa q era tantas, e tantas armas pa frade q havia de hir respondeo, q bem sabia q pa mim um bastava, porem q queria q cada me cortassse bocadinho e formando frade como eu a fte do tal sogeito, o forão partindo em pedacinhos com as espadas dizendo q assim me havião de fazer, e por isto, e outras mais couzas me quis ella tirar de hir, e por ali passar tendo por sem duvida o haver de ter algũ perigo, do qual eu nenhũ receio tive, pois estava certo q sendo asinado em servo de Ds não podia o demo fazerme mal, e assim foi porq veo o mesmo sogeito q ao passar eu plo sitio todos os demos virarão as espadas com as pontas pa si, e ajoelharão bem sei q não ajoelharão á minha virtude porq della tem o demo bem pouco medo, mas ou foi a dignide de sacer-dote ou ao plo linho q trago como o de vmce ou querer Ds aterralos, e cas-tigalos no mesmo lugar aonde intentavão impedir o seu servo tem tomado a minha figura, , pa enganar e feito couzas inauditas. o clerigo q acima digo não deve de estar verdramte convensido porq ainda qdo vem á terra persegue a certo sogeito com quem tratava no temp das diabruras, e a ella lhe custa mto defenderse delle. Na da carta di-zia a Vmce em como o sogeito não quis q eu fizesse a denuncia em seu nome senão hir fazela a Comissro porem despois solube q o Comissro a quem fis foi o mesmo demo e não foi pouco o dar nisso, e capas de assim o entender, como ja o entende, e dis q outra vés padecera semilhte engano ,queira DS não fosse mais vezes, e q cuide ella tem tem denunciado algũas couzas q não estão denunciadas. Como este sogeito estava sem confessor q lhe conhecesse o achaque ,nem todos lho entendem plo modo q ella se confessa, veio darme a mão, e com a frega de confissõis, e comunhõis se tem descuberto mtos pactos, e o demo entregado couzas em q elles estavão, porem ella ainda tem mta couza disto, de q procede enganala o demo a cada passo, e com a confissão e comunhão se dezengana, e então lhe Ds luz pa conhecer a verde este nego he tal q eu não me entendo com elle toendoo esquadrinhado bem em largas conferas com o sogeito na confissão e extra, e por hora pude averiguar devia denunciar o q remeto na forma q melhor o soube fazer. No q toca aos mais pactos q são mtos os q tem confessado porq de novo com as repetidas con-fissõis e comunhõis lhe lembrão, são de couzas q de novo lhe nacen no corpo, varios instrumtos as quais couzas tocadas por ella, ou tocando com ellas a outrem hia peccar com as tais pessoas, ou ellas vinhão a certa pte peccar com ella e dis q não sabião do tal pacto, mas era isto por modo q eu agora não tenho tempo pa dizer ainda q o entendo e todas estas pessoas com quem tocão ou a quem respeitão estes pactos de novo lembrados dis ella ja estão denunciados em outros pactos q antecedentemte lhe lembrarão, e q por isso sente deve de novo denunciar nada disto, e q assim o praticarão ja os seus confessores, e eu nisFto fico em duvida e assim lhe disse q mandava perguntar a Vmce o q nisto se devia fazer, Vmce mo mande dizer em modo q eu lhe possa mostrar a carta pa q ella fique com menos duvida; os pactos dis ella são semilhtes a outros q ja denunciou e os peccados q com as tais pessoas foi da mesma especie etc eu entendo plo modo com q o demo armou esta tratada, q não sahirá nada a luz, salvo havendo modo, ou porva com q esta Marianna de Simõis se prendesse, e obrigada com tratos, ou exorcismos quizesse declarar verdade, porq como ella foi a q ensinou a Roza, tambem ensinaria mais, e a ella alguem a ensinou; das mais tocadas tenho confessado trés ou quatro das denunciadas, não tem couza q se diga; a outra pa q pro pedi licença sempre entendo he das finas, porem parece-me não he da confra da Roza; ja me tem vindo 4 vezes aos pés e nunca quis ou não pode confessar, sempre foi sem absolvição, destes dias me tornou a fallar, q ainda havia de vir outra vés cuidando eu q mais a não via porq nos despedimos, eu não a entendo. o correyo passado me remeteo o Prior de S afo a de Vmce em reposta da q lhe escrevi de Pombro na qual fallava no q foi pa tirar os cabellos, outras mais couzas destas tenho feito nao tão graves mas era precizo, e o Fr Mel das Chagas, e o Ror de Onhão qdo tratavão deste sogeito fazião o mesmo, athé gora não me parece illicito o q foi estra con-fesso em suposta a necesside do sogeito e persuadirme eu q sem perigo proprio o fazia, hũa couza tem em q eu me não quero meter, porq não quero nem posso fiar tanto de mim estimarei q o sor Mel de Vascos esteja com melhoras, e alcance logo saude perfeita pa tratar das suas concluzõis. Ds gde a Vmce

Refonteira 29. de Dezembro de 722 De Vmce mto ao e s Fr Anto das Chagas

Depois de ter a carta feita me remeterão a de Vmce deste correyo em reposta de q lhe escrevi e e a de Vmce he escripta em 22 deste. disme Vmce q não entende bem esta tratada e assim creio q será porq por letra não se pode explicar bem e procurando eu sabela de rais em mtas e largas conferas q pa isso tenho feito não sei se a en-tendo bem, si entendo q por letra mal poderei dizer o q tenho entendi-do nesta matra emqto a fazeremse as denuncias antes de ab-solver he couza q não pode ser, nem este nego pode correr plas regras gerais porqto despois de comungar está o sogeito capaz de poder fallar em modo q ja entenda, porq como o demo a tem ainda ligada com mtos pactos e estes sempre lhe vão lembrando de novo qdo frequenta os sacramtos emqto não abjura os q lhe lembrão e a não absolvem, está o demo mui forte, e não a deixa ser sra de si, eu a absolvi mtas vezes com promessa de fazer despois tudo o q eu lhe disser lhe he precizo pa descarga de sua consciencia: e entendo q esta mer está verdramte convensida e q se tomara ver livre de tudo, e fara o q lhe disserem he necessro porem no q toca a reno-var as denuncias q ja fés isso será metermonos em cabamito e confuzão, q lhe fará mto mal a ella, e estando ja totalmte livre do demo poderia sem menos prejuizo repetir o q tem dito; si me parece q se podera fazer isto a respto de algũas couzas q a Vcme lhe parecerem mais graves, e essenciais, e q não estejão bem declaradas, se a respto disto for nra algũa declaração della, por algum modo lha farei fazer porq ainda por aqui havemos de andar perto athe a quaresma e, eu tenho disposto o nego em termos q posso hir algúns dias fallar com o tal sogeito a sua caza, e sem a sua gente entender o q he, porq a tem por assombrada, e cuida, e tambem os mais q lhe vou ler exor-cismos etc outras vezes vem ella ainda No q toca os pac-tos q de novo lhe lembrarão mandeme Vmce dizer se basta q fi-quem assim sem ser nro declarar algũas pessoas com quem tocão tais pactos como a da mer entende e assim me parece plo modo q me dis se fazia isto, e como ja forão as tais pessoas denunciadas por culpas semilhtes e não sabem por q modo erão constrangidas a peccar, dis a tal mer lhe conselhavão os confesores não falasse nisso salvo ouvesse pessoas diversas, modo de peccar diverso etc e assim dis q tem passado mtas confissois, e se ouver de tornar a dar conta disto serlheha mui custozo e talvés nocivo. sobre isto peço reposta em forma q lha possa mostrar; me fallou em hũa criança en-tre as mtas q se matarão pa os Rios, das quais tenho algúns em meu poder pa se queimarem, pa a morte da qual concorreo a Marianna e outras pessoas, dis q não sabe q as tais pessoas q matavão as crianças q as cozião, e queimavão, por mando do demo q ali assistia em figura de homem, erão sabedoras q aquillo era pa veneficios e por mando do mesmo demo he mto de prezumir q assim fosse, emqto á Marianna não tenho duvida, nem tão pouco em q seja hũa gde bruxa e por isso eu ja a Vmce toquei q tomara apanhala em hũa por modo q contra ella se podesse proceder, e em algũas destas mor-tes das crianças he q eu a esperava, se ouvesse dos mais assisten-tes algú q contra ella depuzesse álem da Roza, porem esta me disse despois q todas estas diabruras das tais mortes estavão denunci-adas, e perguntandolhe eu qtas serião, disseme q das q ella sabia serião serião dés ou doze, se Vmce me poder mandar dizer se fautas, e se está algũa em q entre a da Marianna e clerigo q creio era pai da criança q então se chacinou, e não sei se parente da mesma Roza, segundo minha lembra porq se acazo por este meio, ou plo depoimto do tal clerigo, ou por outro semilhte se podesse achar porva pa se prender a da Marianna, nesta he q está todo o segredo deste nego e esta he a q havia de dezembru-lhar a meada, se ouvesse meio com q a obrigassem a fallar a verde e de outra sorte suponho q nada se fará.


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