PSCR4251 1699. Carta de Vicência do Rosário para destinatário não identificado, membro da Inquisição de Lisboa. Autor(es)
Vicência do Rosário
Destinatario(s)
Anónimo555
Resumen
A autora denuncia uma forneira por suspeita de feitiçaria. Conta em detalhe tudo quanto lhe ouviu dizer e viu fazer quando, transtornada pela morte da filha recém-nascida, quis descobrir como isso tinha acontecido.
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em o mes de setenbor ou outubor de seissentos
noventa e seis
me susedeu por causa d uma doensa q tive
ter hũa pouca de roupa suija e pela querer
guardar andava pirsiguindo a lavandeira q
ma lavase antes q emtarse o inuerno e
ela me disia que não achava sĩnsa q pidise
eu a minha forneira q ma vendese e q logo
ma lavaria eu vendo isto por não ter cir
ada q mandase e ser uso no meu bairo
hirem as visinhas em casa hũas das outars
com libardade fui eu hũ dia as tirndades
com hũ pausinho na mão a casa da forne
ira a casa diserãome q estava na eira q esta a
tars da parede das casas fui la ter com ela
acheia asentada a par d um monte de ispi
gas de milho com hũa minina q tinha de
poucos meses mitida na saia eu asentei
me a par dela q fasia mto luar ali istive
mos falando hũ pouco e eu disendo q quiria
me vendese hũa pouca de sinsa pa man
dar lavar hũa pouca de roupa e hũns
colxois antes q chovese ela dise q não ma
pudia dar aqueles dias porq lha tinham
pidido mtas pesoas rogueilhe mto q vise se ma
pudia dar ate sesta fra mas o dia
em q falei não me lenbar e hũ dia dis
pois q falei com ela ouvi diser q lhe more
ra aquela ciransa q lha matarão as bu
burxas tambem me não lembar
qual dos dias foi q moreo a ciransa
q como hera hũ anginho nehũ caso fis
daquilo q oouvi mas o q he serto q tudo foi
dentor em hũa somana e como ela fico comi
go de faser mto por me dar a sinsa ou pouca ou mta
a sesta fra qdo veio á sesta fra pela minhã fui
eu resando ate o forno pa saber se me avia de
dar a sinsa q me tinha pormetido emteri na
casa do forno vio andar ardendo e não estava
la gente tornei a sair pa fora estava no pa
tio hũu omen tarbalhando coisa de carpenta
ria ou de carro ou de arado pirgunteilhe qu e de
esta molher respondeome não sei dise eu e pois
quem asendeo o forno respondeome ahi o vierão
asender mas não me dise quem nem a min me
emporto pirguntalo porq eu não quiria senão
a forneira e pareseome q viria algũa visinha
largarlhe o lume em q ela vinha fiquei no
patio parada de frente d outar porta sua q es
tava fichada disendo eu valhame des agora
se foi esta molher q eu quiria falar com ela
virose o omen pa min e diseme de manso q esta
va naquela casa q eu via fichada dise eu
se a porta esta fichada tornome a diser q la
estava eu sem reparar se estava a porta
fichada por dento ou por fora vi q estava
hũa goteira q tem a porta tapada com hũ
rolham de pano pardo pareseme q istaria
tapada por lhe não irem la gatos dise o omem
se hira ela a fasenda respondeome q não q la
estava mas de mansinho asenando com a ca
asenando com a cabesa como quem não quiria
q ela o ouvise diser adonde estava fui eu
chegando pa a porta antão vi q estava fi
chada por dentor bati nõ me falaram
virei pa o omen e disse parese q não esta ca
q não fala tornome a senar com a cabe
sa q la estava eu bati outar ves veio
hũa intiada q tem abiru a porta diselhe
eu vosa mai respondeo ali esta dise
selhe eu diseilhe se me da oje a sinsa q me
pormeteo ela sem ir dar o recado me di
se muito tirste e atirbulada venha Vm ca
dentor eu não fui ligeira em emtar ela
tornou a ripitir venha sra venha ca den
tor qdo eu a vi tão atirbulada e a modo de q
estava em algũ aperto pirsumi q a madars
ta lhe quiria dar e q ela me quiria la pa
inpidir ou acudir emteri na casa onde
ja tinha amtardo hũa ves ela foime le
vando mais dentor a outar casinha pa donde
eu nunca tinha emtardo mas não pasei da
porta e dali dei com os olhos em hũa fuguei
ra q tinha em sima hũa caldeira ou
taixo e ela na mão hũu pao ou culher
guarnde com q estava mexendo o q esta
va dentor vi hũa coisa dinigurda q me
pareu q estava cosendo miadas como fasen
alguas mulheres q curão fiado mas se era
caldeira ou taxo não jurarei nem se era
pao ou culher com q estava mexendo por
qto a detensa foi berve e eu não cheguei
la perto mas fee q estava cosendo miadas
miadas qdo a vi antes de falar na sinsa q me ti
nha purmitida dise eu cõsta visinha q lhe
moreo a sua minina ora de mtas garsas a des
q lhe fes ese anjo no seu inda lhe hia di
sendo mais mas ela não me deu lugar por
q logo dise e quem ma mato a min aqui estou
fasendo isto pa saber quem ma mato qdo
eu ovi isto lenborme q disem q as molhes
a quem as burxas matão ciransa q pa saberẽ
quem foi a burxa q se feixão em hũa casa
com todos os buracos e guerts mto bem tapados
e no lume hũa caldeira com os cueiros da
ciransa a ferver e q ali dentor com tudo
mto bem tapado lhe aparese a burxa fei
ta molhe eu não cira q avia quem tal fi
sese porq parese coisa feita pelo diabo
de q des me liver mas qdo eu lhe ouvi diser
aqui estou fasendo isto pa saber quem ma
mato fiquei pasmada dise eu santisimo
nome de mulher comfesaste diso
respondeome como q me aremesava emfada
da mulher comfesaste e quem me fas mal
comfesasa dise eu pois quem fas mal o pa
gara ou no inferno ou onde des ordenar
mas faser hiso he pecado respondeu
me mto agastada se he pecado quero fase
lo e Vm quem a mandava agora ca vir q
veio ca faser vase embora isto mto agasta
da eu antão me tirei de min coisa contar
o meu natural como se sabe e lhe dise á
sim eu vos pormeto q eu o diga e virei
pa o omen q estava no patio e diselhe e vose
lemberlhe o q oviu pa qualquer tenpo
q lho pirguntarem o omen respondeome
o sra milhor he não falar niso q aqui
lo mtos fasem eu lhe dise se o fasem eu
numiarei a ela ela dira quem lho in
sino qdo fui comfesarme comtei tudo
isto ao comfesor ele não me
fisera mto caso disto comtudo diseme hi
so hase de diser la onde se dis mas
não me dise adonde nem me dise ma
is palavar algũa sober isto asim me
pareseo q o caso não era tão feio como eu
cudava com q fiquei por mto tempo quieta na
comsiensia e dipois tive emfados e ocupa
são ters pa quator meses com pirgo
so com q não me comfesei mto tenpo dispo
is q aquietei na minha roca e almofada
lenborme isto e comesei a formar excur
curpulo naquela palavar qdo o comfesor
me dise hiso hase de diser la onde se dis
se naquilo me mandaria q o disese e eu
q não sabia aonde nem o pirguntara
nunca fis perposito de me tornar a cõ
fesarme disto fui buscar o parico e di
sendolhe isto diseme pare com a comfi
são q não poso asolver hiso va buscar
hũ apostolo q so eles tem poderes pa hiso
e contelhe o caso todo na verdade filo eu
asim diseme q me asolvia pelos poderes q ti
nha mas com condisão q avia eu de dar con
ta ao cumisairo do sto ofisio eu dise q não
sabia quẽ era diseme a outor comfesor
q tinha obirgasão de avisar disto q o
fose buscar e lhe dese conta eu o fis asim e e
le me dise q avia pouco q viera pa a terra
q não sabia quem era o cumisairo mas
pirguntava se lha dava lisensa
comsultar o caso com outar pesoa eu
lha dei e tambem o parico me pidiu
a mesma lisensa e anbos me avisaram
q estava obirgada a dar conta e como se a
cho q o cumisairo não morava na tera
me resolvi obirgada de quator comfe
sores a tomar isto por papel pa o dar a qual
quer deles q o dem adonde pertenser
a molher q me dise estava fasendo aquilo pa
saber quem lhe mato a ciransa chamase
domingas careira a intiada q veio abir a por
ta q bati chamase ma e o omen q estava no
patio e me dise onde ela estava chamase
domingos gaspar e isto susedeo no cabo da
rua dos bareiros por sima da fonte gde na sidade
de lra
Visensia do rosairo
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