PT | EN | ES

Menu principal


Powered by <TEI:TOK>
Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

1692. Cópia de carta de António Gonçalves do Sacramento, padre, para Simão da Gama, bispo do Algarve.

ResumoO autor escreve a um amigo a pedir que este apresente a sua carta no Santo Ofício.
Autor(es) António Gonçalves do Sacramento
Destinatário(s) Simão da Gama            
De Portugal, Algarve, Loulé
Para Portugal, Algarve
Contexto

Este processo diz respeito a António Gonçalves do Sacramento, padre e mestre espiritual das Recolhidas da Vidigueira, acusado de fingimento de visões e revelações. O réu era filho de Inês da Conceição e de pai desconhecido. Natural de Vila Nova e morador em Loulé, foi preso a 13 de novembro de 1692. Havia suspeita de que ele mantinha uma relação pouco convencional ou até ilícita com a beata Inês da Conceição, que já tinha sido acusada pela Inquisição de fingimentos de visões e revelações e que estava na altura presa por esse motivo. Os dois faziam o que fosse preciso para se comunicarem e a dita beata chegou a fugir do recolhimento para se encontrar com o padre. Numa carta que escreveu a Maria Pimenta da Silva (PSCR0311), o padre fala da dita beata e nela mostra o seu apoio e a sua crença na pureza e na veracidade das suas revelações. Por este motivo, a carta serviu de prova da escandalosa opinião e posição do padre em relação a este caso, sendo assim tida como uma afronta ao julgamento dos inquisidores. O padre foi então constituído réu, por afirmar que a presa era uma das mais admiráveis e puras almas. Enviou ainda ao Bispo do Algarve (PSCR0313) uma carta em que tenta justificar-se, mas a carta enviada depois em bolsa pelo Bispo ao Santo Ofício não foi considerada como relevante. Havia ainda outros indícios de que o padre António Gonçalves do Sacramento tinha um comportamento pouco apropriado. Costumava mandar que as recolhidas comungassem mesmo sem se confessarem, o que lançava a suspeita de que este professava a falsa doutrina de Miguel de Molinos. Para além disso, estando a dita beata Inês da Conceição com febre e contorcendo-se por causa dela, o padre não acreditava na palavra do médico que a examinou e dizia que eram espíritos ou demónios que a atormentavam, achando-se capaz de dirigir e guiar as almas como mestre espiritual (exorcista). Durante as sessões em que ela estava possuída pelo demónio e tinha atitudes lascivas, o padre excitava-se com elas, não resistindo aos seus instintos naturais. Confrontado pela Inquisição sobre esta matéria, o réu diz que não teve culpa mortal, uma vez que também o poder da beata era sobrenatural. Concluiu-se então que o réu foi temerário em acreditar nas revelações e julgar a santidade da beata, e confiar que não tinha culpas colocando-se em situações perigosas; e que foi vão e presunçoso por achar que tinha poder para comandar almas, mandando em nome próprio e não no de Deus.

Suporte meia folha de papel não dobrada escrita no rosto e no verso.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 6769
Fólios 69r-70v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2306829
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Fernanda Pratas
Contextualização Leonor Tavares
Modernização Fernanda Pratas
Data da transcrição2016

Page 69r > 69v

[1]
Louvado seja Ds

E dey a VM. e a todos os sres e servos dessa caza, a qm me recomendo com mtas lem

[2]
branças, e á minha velha, com a saude, q tem mto de seu divino amor pa lhe fazerem mtos
[3]
servissos: eu com a q possuo estou pa servir a VS.MS. e pa os encomendar a Ds como faço.

[4]

Meu sor confesso, q tenho algũa semelhança com a jumenta de Balaão

[5]
e com Inez da Conceyção. Com a jumta porq ésta ainda q com facilidade consentia
[6]
sterni, et capistrâri, e sem a menor rezistencia seguia qualquer caminho em q éra pos-
[7]
ta, houve occazião, em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por onde Balaão
[8]
a quiz levar, e rezistiu de maneyra, q nem antes, nem depoys de a castigar com gol-
[9]
pes se lhe sujeytou a ir por elle. E não lhe ficou elle em pequena obrigação, porq se
[10]
ella não fizéra o q fez, sem duvida se iría elle meter nos fios de huã espada q em castigo
[11]
de haver tomado este caminho estáva aparelhada contra elle nas maos de Anjo, q el-
[12]
la vía, e elle não, sem embo de q eélla éra huã jumta e elle hum Propheta. Balaam
[13]
vendo ésta rezistencia, sem advertir, q éra extraordinarea e nunca vista na jumta como
[14]
ella lhe disse arguindoo, e elle ainda sendo qm éra, advertindolho, o não negou; e sem adver-
[15]
tir, q por extraordinarea, éra erro sem desculpa o querela regular pelas regras ordina-
[16]
reas, ou não suppor, q a jumta experimentáva alguã força extraordinarea, q a não dey-
[17]
chava ir por esse caminho: mas pondo os olhos somte no q se lhe reprezentou à pra vis-
[18]
ta julgou ainda q mál, q a jumta éra desobediente, teymosa, e cabecuda, e q tinha mto
[19]
bem merecido tudo qto elle lhe havía feyto: mas feyto éra assim, ou vice versa, vejase o q
[20]
diz o Textu. E vejase a providencia de Ds em acudir pola innocencia, ainda de huã ju-
[21]
menta açoutada por qm não estava obrigado a na-na açoutar pelo q fez, mas por
[22]
isso mesmo q fez, lhe estáva tam obrigado, como tenho dito. E vejase o cuidado q Ds te-
[23]
ve de reprehender a Balaam dando palavras a huã jumta não pa fallar como gente
[24]
e pa mostrar a sua innocencia, mas pa erguer, vencer, e attar a hum Propheta em pre
[25]
zença dos mesmos, q a havião visto castigar. E ainda Balaam ficára mto peor, se ven
[26]
do o q a jumta fez, e ouvindo o q a mesma disse se não dêra por entendido, e fizéra como
[27]
devia o q fez a tempo conveniente. E vejase tambem o cuidado q Ds teve em dispor q
[28]
este cazo se escrevesse pa q fosse notorio em todo o mundo com todas as suas circunstan-
[29]
cias assim louvavens pola parte da jumta como reprehensivens pola parte de Balaão

[30]

E Inez da Conceyção padeceo como a jumta e mto mays; mto mays, porq a jumta

[31]
teve contra si hum , e éslla teve contra si mtos a jumta padeceo em breve espaço, e élla
[32]
padeceo em mtos espaços, e mtas horas, em mtos dias, em mtos mezes, e em mtos annos; a jumta
[33]
padeceo em despovoado e ella padeceo em huã corte; a jumta éra huã jumta e ella
[34]
éra, ao menos huã mer de bom juizo. E sem embo de ter valor pa padecer tanto, pa
[35]
rece q houve tambem occazião em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por on-
[36]
de a querião levar e devia ser o caminho de se disdizer do q havia dito confessando
[37]
q o q havia dito nem éra de Ds nem do Diabo, mas fingido por ella propria, e parece
[38]
q o rezistiu de maneyra q nem antes nem depoys de ser castigada com gólpes se sugei
[39]
tou s ir por elle, etc.

[40]

E eu tenho como disse alguma semelhança com as duas innocentes


Representação em textoWordcloudRepresentação em facsímilePageflow viewVisualização das frases