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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

[1577]. Carta de autora não identificada para [Manuel Reinel], licenciado em Medicina.

ResumoA autora dá notícias suas e da sua família, relembrando ao destinatário pormenores de um envolvimento amoroso entre ambos.
Autor(es) Anónima42
Destinatário(s) Anónimo261            
De Portugal, Lisboa
Para Italia, Ferrara
Contexto

Este processo encontra-se comentado e publicado na íntegra em António Manuel Lopes Andrade, “De Ferrara a Lisboa: tribulações do cristão-novo Alexandre Reinel, preso no cárcere do Santo Ofício”, Cadernos de Estudos Sefarditas, nº 7, 2007, pp.83-131. Trata-se do processo movido pelo Santo Ofício a Alexandre Reinel, aliás, Isaque Bendana, acusado de judaísmo. Era filho de Manuel Reinel, que saiu de Portugal para a Flandres em 1543 e que posteriormente veio a fixar-se em Ferrara. Seguindo a análise feita por Lopes Andrade, Alexandre Reinel estaria integrado numa rede de emigração ilegal de cristãos-novos, ao serviço da qual angariaria dinheiro e transportaria mensagens. Foi preso em Lisboa no início de 1577 e nos seus bens foi encontrado um livro e uma carta anónima. O livro continha nomes de diversas pessoas que presumivelmente estariam ligadas à mesma rede.

Alexandre Reinel negou sempre conhecer a autora e o destinatário da carta que lhe foi apreendida. No entanto, Lopes Andrade argumenta a favor da hipótese de o destinatário ter sido o pai de Alexandre Reinel, Manuel Reinel, e a autora, uma prima já viúva.

Sobre Manuel Reinel, Lopes Andrade escreve o seguinte comentário biográfico: "O pai de Alexandre Reinel integra um grupo excepcional de escolares cristãos-novos, cujo percurso académico é, em grande medida, coincidente, tanto nas matérias cursadas, como no período temporal em que decorreram os estudos. Manuel Reinel teve como colegas, nos quatro anos em que cursou Medicina, alguns dos mais ilustres representantes do humanismo judaico-português, entre os quais figuram os nomes de Manuel Lindo, António Luís, Amato Lusitano, Luís Nunes de Santarém, Diogo Pires, Duarte Gomes e Tomás Rodrigues da Veiga. Todos eles regressaram a Portugal após a conclusão do bacharelato em Medicina. Manuel Reinel, à semelhança de vários dos seus colegas, prosseguiu a sua formação académica na Universidade de Lisboa, obtendo pouco tempo depois a licenciatura em Medicina, em 13 de Dezembro de 1533. Trava-se, nessa época, entre alguns dos antigos colegas salmantinos uma dura competição, cujo objectivo último era ingressar no corpo docente da Universidade de Lisboa."

Já sobre a relação entre os participantes desta ligação epistolográfica, a conjetura de Lopes Andrade é a seguinte: "Somos levados a pensar que esta mulher é uma prima de Manuel Reinel. A separação prolongada, por várias décadas, entre a autora destas linhas e o destinatário não conseguiu, todavia, apagar da sua memória a imagem de um passado já distante no tempo, mas não no seu coração. Outrora, ambos terão estado apaixonados, mas o tio dele (que supomos ser Brás Reinel) escolheu antes para nora a filha de uma prima (que supomos ser D. Leonor Henriques), cujo dote era mais valioso que o dela. Muitos anos depois da separação e da desilusão amorosa, quase uma vida passada, esta mulher carrega ainda consigo um enorme ressentimento, que não consegue esconder, por ter sido preterida pelo seu tio a favor de outra. As cartas espelham, com clareza, a importância da endogamia como estratégia familiar entre os cristãos-novos, bem como o valor que era concedido ao dote da noiva." O processo foi concluído com culpa em 1578. Em 1581 o réu foi de novo chamado a depor; em 1583 um depoimento indica que Alexandre Reinel estaria em Ferrara com o pai; entre 1591 e 1611 estaria na Flandres.

Suporte uma folha de papel dobrada escrita em todas as faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 6630
Fólios [4]r-[5]v
Socio-Historical Keywords Maria Teresa Oliveira
Transcrição Tiago Machado de Castro
Revisão principal Rita Marquilhas
Modernização Sandra Antunes
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2013

Page [4]r > 4v

[1]
[2]
Sor

Escrever lhe eu tera vosa m por cosa nova eu asi vi cosa nova

[3]
o portador que dixe ser filho de vm que não sei se
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vos brade o como veo não tendo vm houtro como
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ele diz ele me veo a ver e a todas as mais parentas folga
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ra em vos criar por o conhecer bem mas da maneira que
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ele vem não poso eu crer que e filho e por iso
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não foi de mim mais agazalhado nem de ninguem e
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medo de o não ser e seremos ẽguanadas porque
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o costumão a fazer nesta tera de que vem muitos ma
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les e as peçoas homradas fogem de todo aquylo
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que lhe pode vyr trabalho. Sor ele dara novas
[13]
a vm do que vyo e sabe mto por ẽtero e das vydas
[14]
de todos, da minha lhe quero eu dar eu sor ca
[15]
sei tres vezes como sabera aguora vay em houto anos
[16]
que estou viuva em casa de meu filho ele me tem
[17]
muito homradamẽte e mto homrado e virtuoso
[18]
e mto bem eista e asi he sua molher não tem filhos
[19]
nem numqua pario vai quinze anos e suas irmãs
[20]
tem a mais velha quoatro filhos e a mais moça
[21]
fylho e fylha e a mais velha tem filho mto frer
[22]
mouso e as quatro filhas a minha soubrinha
[23]
filha de minha irmã a mais moça tem duas
[24]
fylhas e fylho esta viuva de poqo tornou a
[25]
digo sor que eu casei meu filho minha
[26]
soubrinha e a tomei sem nada e fui eu melhor
[27]
tya que meu tyo que ds perdõe que por
[28]
eu ser pobre não me quys por nora e tomou a
[29]
filha de minha pryma por o dinheiro e não por
[30]
mais frermosa nem por mais dresquerta nem por
[31]
mais molher mas ds como digo ds lho perdoe
[32]
que me tyrou o meu e a quẽ eu tanto quis que
[33]
quãdo sounho vosa m me não peza na
[34]
da e as soras suas irmãs e as janelas da sua
[35]
casa de baxo.

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