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Maarten Janssen, 2014-

CARDS2168

1778. Carta do abade João Manuel da Silva Penha, desembargador ordinário e vigário, para José Anastácio da Cunha, matemático e poeta.

ResumoO autor pede ao destinatário dinheiro emprestado para comprar livros de Direito.
Autor(es) João Manuel da Silva Penha
Destinatário(s) José Anastácio da Cunha            
De Portugal, Braga
Para S.l.
Contexto

Pequena biografia de José Anastácio da Cunha (1744-1787), preparada por Fernando Reis para a página "Ciência em Portugal" do Centro Virtual Camõeshttp://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p7.html:

Matemático e poeta, nasceu em Lisboa a 11 de maio de 1744. De ascendência humilde, o seu pai, Lourenço da Cunha, era um pintor com alguma notoriedade, que passou um curto período em Roma de forma a melhorar a sua técnica. A sua mãe, Jacinta Inês, foi criada e recebeu educação elementar. José Anastácio da Cunha foi educado em Lisboa, no Convento de Nossa Senhora das Necessidades que pertencia à Congregação do Oratório. Segundo testemunhos do próprio Anastácio da Cunha à Inquisição, os Oratorianos ensinaram-lhe Gramática, Retórica e Lógica até aos 19 anos. No que diz respeito à Física e à Matemática foi um autodidata. Em 1764 foi colocado nomeado Tenente do Regimento de Artilharia do Porto e colocado na praça de Valença do Minho. O Regimento de Artilharia do Porto era constituído por uma maioria de oficiais estrangeiros, muitos deles protestantes, que influenciaram Anastácio da Cunha. Terá então aderido a ideais como a tolerância, o deísmo e o racionalismo, que vieram a integrar a sua produção científica e poética.

Devido à sua relação de amizade com os oficiais britânicos, aprendeu a falar inglês fluentemente o que, juntamente com os conhecimentos que tinha de outras línguas como o francês, latim, grego e italiano, lhe permitiu traduzir autores como Voltaire, Pope, Otway, Horácio, Rousseau, Holbach, Helvetius e outros. Pensa-se que foi neste período que aderiu à maçonaria, por influência dos seus amigos estrangeiros.

Em 1769 fez, a pedido do Major Simon Frazer, uma memória sobre balística, intitulada Carta Fisico-Mathematica sobre a Tehoria da Polvora em geral e a determinação do melhor comprimento das peças em particular, onde apontava erros e falta de precisão que encontrou em alguns trabalhos sobre artilharia. Em 1773 o Marquês de Pombal nomeou-o lente de Geometria na Universidade de Coimbra, na sequência da Reforma da Universidade levada a efeito em 1772. Anastácio da Cunha não encontrou ambiente propício ao desenvolvimento e aplicação das suas capacidades e após a morte de D. José I, em 1777, foi denunciado à Inquisição, preso em 1 de julho de 1778 e acusado de envolvimento com os protestantes ingleses em Valença, de ler Voltaire, Rousseau, Hobbes e outros autores perigosos e de corromper as gerações mais novas através da sua eloquência. Foi considerado culpado das acusações e excomungado, afastado do seu cargo na Universidade, dos seus títulos e viu confiscados os seus bens. Foi ainda condenado a participar num auto da fé e a ficar encerrado na Congregação do Oratório em Lisboa, após o que seria deportado para a cidade de Évora durante 4 anos. Foi ainda proibido de voltar a Valença e a Coimbra. Após dois anos nos Oratorianos a sua pena foi reduzida a residência obrigatória nos Oratorianos.

Entre 1778 e 1781 teve que se dedicar ao ensino privado para subsistir e em 1783 foi contratado pelo Intendente Pina Manique para o Colégio de S. Lucas da Casa Pia como professor de Matemática, tendo aí elaborado o programa pedagógico da Casa Pia. Enquanto esteve na Casa Pia concluiu a sua obra Princípios Mathematicos. Por volta de 1785-86 perdeu a sua posição na Casa Pia, por razões que se desconhecem. Morreu a 1 de janeiro de 1787.

O processo inquisitorial de José Anastácio da Cunha foi inicialmente estudado e parcialmente publicado por Teófilo Braga, António Baião e João Pedro Ferro: Teófilo Braga (1898) Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza. Tomo III 1700-1800. Lisboa,Typographia da Academia Real das Sciencias (pp. 611-636), António Baião (1924/1953) Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, Vol. II, Lisboa, Seara Nova (2ª ed.) e João Pedro Ferro (1988) "O processo de José Anastácio da Cunha (1744-1787)", in Inquisição: Comunicações apresentadas ao 1.º Congresso Luso-Brasileiro sobre Inquisição, Vol. III, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Estudos do Século XVIII, pp. 1065-1086.

Sobre a vida e obra de José Anastácio da Cunha, consulte-se a edição de Maria Luísa Malato Borralho e Cristina Alexandra de Marinho (2001) José Anastácio da Cunha: Obra literária, Vol. I, Porto, Campo das Letras.

Suporte meia folha de papel dobrada escrita no rosto e no verso do primeiro fólio.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 8087
Fólios 54 r-v e 55r
Transcrição Leonor Tavares
Contextualização Leonor Tavares
Modernização Catarina Carvalheiro
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2009

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Senhor Doutor Joze Anastico

Amigo do Coração eu não tenho escrito por embaracos indespensaveis, de que jamais aliviado por cauza das Ferias, vou saber como passa das suas indispoziçoes, de que espero esteja milhorado com a differença do tempo que vai ajudando aos que como nós temos huma saude tão impertinente. Dezejo sinceramente que tenha nesta Festa o que; como bom amigo, lhe apeteço todo o anno. sim amigo, e companheiro Deos queira darlhe tudo o que pode contribuir para a sua satisfaçam, descanço e alegria: Estes dons são doces certamente apezar da sua externa temporalidade Elles nos conçolão na terra, e podem ser o fructo de huma boa consciencia, e fazer a nossa santeficação; asim lho dezejo, asim o peço a Deos asim o espero da sua bondade Eu vivo satisfeito a sombra destes Princepes a quem tanto devo; vou trabalhando por vencer a minha fortuna, ella parece serme mais favoravel por este lado; Deos queira que o seo brilhante não seja falço; ao menos permita que eu possa atinar com a vereda que conduz a feliz Eternidade ja que não pude acertar com aquella que nos faz reputar felices segundo a linguagem da terra. Sua Alteza Real meo amigo dáme

todas aquellas demonstraçoes de Benevolencia de que não he licito duvidar sem culpa; passados alguns dias da minha chegada me nomeou seo Dezembargador Ordinario, e atendendo a minha precizão me nomeou tambem Vigario Geral da Comarca de Valença onde me faz vencer o ordenado da Rellaçam Porem o que mais me obrigou he o qualeficado Decreto com que me honra etc Tenho demorado a minha partida com alguns pretextos; porem a verdade he que ainda me não tem sido pocivel apronptarme: entretanto vou ao Tribunal, aonde não falta que fazer. Suponho que não terá concluido nada a respeito da minha dependencia Eu estimarei muito que asim seja, porque suposta a boa vontade que suponho VMce tem de fazerme favor, quero subrogallo para outro fim menos despensavel. Os dous volumes de Leys do Senhor Dom Joze, e os Regas Romanos, livros indespensaveis, parão na mão de certo particular desta Cidade, que os por pouco mais dos 12000 que me fazia merce abonar. Eu tenho conceguido, que mos demore the ao fim deste mez; com que amigo se he pocivel fazerme este obzequeio, na prezente ocazião, recebo hum grande beneficio, de que lhe serei eternamente obrigado Comtudo devo dizerlhe que eu não puderei indemnizallo antes de 7bro, porque ainda que entro a vencer, não entro a cobrar logo. Eis: aqui tudo em boa : se for pocivel está bem; alias paciencia. Eu ja daqui lhe offereço a minha caza, em Valença, e a minha obediencia em toda a parte, para o Verão pode vir acompanharme algum tempo; afirmolhe que sou sincero, e candido, e que estas expreçoes não presunctorias; de VMce pende experimentallo. Deos Guarde a VMce muitos annos etc

Braga 16 de Abril de 1778 De VMce Amigo e collega o mais venerador e Criado obrigado João Manuel da Silva Penha.

P. S. Asim pocivel; pode dar o dinheiro a meo Thio que elle tem facelidade para mo remeter com promptidão.


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