[fig1] Jhesus em Ruão
16 de dezembro 1614
Senhor Fernão rodriguez
em 8 deste resebi a de VM de 18 de outubro, que
muito estimei,
asim por saber da boa saude de
VM, como pelas esperansas
que me dá em me dizer
que muito sedo me mandara dizer
cousa de que eu
leve muito gosto, por ser de muita onrra, e
proveito de VM, e asim me parese
muito tempo daqui a que venha
o outro correo, pelo
dezejo com que fico de saber tem VM
cousa que o meresa, que afirmo a
VM sera de mĩ
estimada igoalmente
como se fora para mĩ, porque não tenho
em menos as cousas de
VM, e o que lhe dezejo que posto
que ate gora o
não tenho mostrado por obras só deos he
testemunha
desta verdade.
o correo pasado escrevi a VM, como ficava de caminho
para
paris, onde fui, e ha outo dias que vim, e em
paris fui
muito bem resebida e me agazalhei em caza de
monsior
de marilhar, onde resebi
muitas onrras e merces
de sua molher,
e depois de descamsar dous dias, fui com ela falar a
rainha
da qual fui resebida com muitas onrras e
merces,
e porque ela ja agora não governa
que governa o
rei a tres meses, lhe fui tambem falar e em todos açhei
muitas mostras, e dezejos de me fazerem muitas
merces, e tratouse
largamente do soseso para
que fui çhamada, do qual
avizarei a VM tamto que se puzer em ordem fazerse que
a
detemsa que agora ha, he os muitos negosios de
paris como
he custume aver quamdo os reis compesão a
governar
mas espero em noso senhor
de muito sedo me ver vimgada
de todos os
purtuguezes desta terra para que emtão se saiba
bem
claramente quem sou eu e quem eles são que eles
falão
de boca e eu faso por obras.
há rainha manefestei as obriguasois
que tenho a VM
e as que ela tinha de me fazer
merces pois por servila
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me tinha
posto em muito risco, e que não queria ao prezente
outras, mais que esta que pedia para VM, ela me respondeo que
estimara
muito querer VM cousa em seu reino que eu
vira o que ela fazia, mas que ela
escreveria de maneira
que obrigase a sua santidade a lhe fazer o que eu
pedia
e me tomou com a sua mão a memoria de VM que
eu levava feita em franses. monsior de marilhar
me dise que a rainha escreveria
muito bem e que sem
falta iria neste correo
delhe deos o soseso que eu dezejo
tambem vizitei
aquela senhora e estive em sua caza
hum
dia todo inteiro e seu marido esta inda muito
doemte de
gota que se não pode erguer duma cama, e por ese
respeito, e
pelas guerras que inda não estão de todo quietas
sobr esta sua ida ate a
primavera em bora delhe deos
saude
para que se efeitue esta ida que
tamto dezejo.
os purtuguezes falão, e eu
como digo faso de obras e muito sedo se
vera
deos querendo, digo isto pelo que VM me dis na sua
que lhe dise hum moso pardo que
fora desta terra averia
hum mes, iso são ditos de purtuguezes que pela boa
vomtade que me tem buscão que falar, ao que respondo
que
monsior de marilhar he cazado, com hũa bela
senhora italiana sobrinha da rainha e
dahi se
çhama seu sobrinho. estimara eu
muito mereser ser sua
criada pelo que comforme
a isto pode VM emtemder
quamta verdade lhe falarão.
dis me VM que muito sedo espera
de me mandar dinheiro de graviel
ribeiro, pelo amor de deos peso a VM fasa niso como
lhe mereso, e como quem o fas
a hũa orfã, só e
desemparada, em terras alheas, e prometa VM a ese
homẽ e dé tudo o que bem lhe pareser
que o que VM fizer
averei por bem feito, e lembro a
VM que há mister
ter
muito semtido em graviel ribeiro porque o dia
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que tiver dinheiro não a de
amanheser em lisboa, e se a de ir para
o geto de
veneza onde esta seu filho, e não lhe paresa a VM
que são isto palavras porque abaixo lhe direi cousas por
onde me crea.
tambem se
VM tiver ordem com jolião de gois, e lhe
pormeterem dinheiro ele he amigo de
o aver, e como quem sabe
dese ofisio com muito mais
deligemsia fara arecadar
e para isto não ha mister
mais que algum amigo que lhe
fale, e sei serto que a VM lhe não faltarão para nenhũa
cousa.
quamto as pedras bazares, pelo navio que daqui partio
escrevi a VM, que não se açhamdo grandes como lhas pedia
me
mandase quatro onsas das pequenas, por serto tenho
averme feito
merce niso, e no mais, que lhe pedi e que
tudo
me venha bem sedo com o favor de deos, no
mesmo navio,
estimo muito a lembransa que VM teve das marmeladas
porque tambem me falou
nelas a molher de monsior
de marilhar, e eu lhe dise que as
esperava e asim
partirei com ela das que VM me fizer merce mandar
não tenho por cousa nova o
que VM me aviza de luis vas,
ser
fogido, desa terra, que seu cunhado daria ordem
a iso
para que se tornase a vir fazer como ele, e
tambem
pode ser que lhe não faltase o favor de graviel
ribeiro,
e eitor mendes, porque custumados são a darem
semelhante favor, e ajuda, eu ate gora dele não soube
outras
novas mais que as que VM me mandou,
permita
deos por sua mezericordia que onde quer que
esteja
lhe abra os olhos d alma, e lhe de grasa e
emtemdimento
com que não torne a perseverar
nos pecados em que
hũa ves ja cahio, pois por estas partes não ha outra
cousa senão uzarem desas maldades, e ainda se não
comtemtão com iso e com as
fazerem em framsa e
frandes
escomdidamente, senão que como qua tem
muito
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dinheiro ganhado o vam lograr a sua vomtade demtro
no
gueto de veneza, como agora o fizerão as pesoas que
abaixo nomearei.
VM sabera que este mes pasado, veio de
olamda a esta terra
por ser caminho direito, hum
irmão de antonio
samçhes, que se çhama lopo
sançhes, que he hum que se
embarasou nesa terra com hũa
fidalgua, o qual cazou
avera hum ano em olamda com hũa
purtugueza
e não se comtemtou com viver la como vevia
senão que com sua
molher e hũa cunhada solteira
veio por aqui e se foi a meter no geto de
veneza a ser
judeo descuberto, e andar com fato
comprido e bonet
amarelo, e nesa terra andava a cavalo e com dous
criados
e paresialhe que hera melhor que todos.
Andre faleiro, que VM la conheseria muito
bem que he
cunhado de luis rodriguez de paiva, e cazado com hũa irmã de
duarte gomes, se foi de frandes com dous
cunhados seus
e suas molheres e filhos a meter tambem no gueto de
veneza e andão ja pubricamente com bonetes amarelos
Antonio faleiro irmão do dito andre faleiro, e genrro
de felipe denis que mora nesa terra, se foi tambem
para
veneza, e inda não esta metido no gueto porque espera
que desa terra venha seu sogro felipe denis, com seus
dous gemros,
filhas e filho, para todos se meterem juntos,
e
se vem á mão este felipe denis e seus gemrros farão
petisão a el rei e pedirão lisemsa para se virem e dirão
que vem
a frandes a cazar algum paremte o porão
outro sogeito e
eles vem para o que asima digo. fora hũa
obra de
muita mezericordia que nesa terra se lhe
estrovara [fig5]
esta vimda
para que não viesem a perder suas
almas. seja
deos louvado que lhe da fazemda e bẽis
para
uzarem tamtas maldades comtra sua fee.
afirmo a VM que me fazem estas cousas ficar pasmada de
ver a pouqua vergonha com que qua se fazem estes, e
VM emtemda como lhe digo que graviel
ribeiro como
tiver dinheiro a de fazer o
mesmo e que por iso he nesesario
terse muito
temto nele e fazelo prender pela semtemsa que
esta
em poder de francisco
d estrada escrivão dos corregedores
do
sivel.
muito estimei as boas novas que VM me da desa terra queira noso
senhor que sempre VM de bem em melhor.
as que poso
dar a VM desta terra, sam bem deferentes porque tudo
val a pezo d ouro, e agora perese a gemte porque este
rei abaixa toda
a moeda, e não ha aver comprar
nada porque não esta inda averiguado a como
an de valer, e emquamto se ordena nimguem quer
tomar dinheiro e he lastima ver o que vai a tudo deos acuda
como pode e guarde a VM e lhe de muito boas
festas
melhoradas com boas emtradas de anos e tudo seja
como lhe dezejo.
depois de ter esta escrito, me mandou çhamar hum
prezidemte amigo meu desta terra, e me pedio muito escrevese a VM
que por serviso de deos, e de sua fee, quizese VM dar ordem
com que na emquesisão se lhe dese
hũa sertidão por que
cõstase as culpas por que se prendem nesa terra as
pesoas
por judias, e isto por rezão que os portuguezes desta vila
dizem,
que o guardarem eles qua os sabados e jejuarem
as segundas feiras e comerem pães asmos e outras
velhacarias
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que fazem, o fazem por ser custume de lisboa, e com
isto se
defendem, e tapão as bocas a todos, e para
que o rei
emtemda que he tudo mentira, e que eles o não fazem
senão por serem judeos, para iso estimara
muito vir esta
sertidão, porque
com ela os castigarão a todos, como meresem
porque a gemte desta terra, não
quer comsemtir que aja
judeos nela, e se comsemtem a estes he como digo
por
dizerem se governão ao modo da sua terra, que como
souberem pela sertidão que peso, ser mentira, os castigarão
de maneira com que
outros não tenham atrevimento de
fogirem de lisboa
para se virem qua.
tambem nesta terra esta
hum homẽ que VM sera
lembrado fogio da emquesição,
hũa véspora de sam joão
por hum buraco que fes, o qual se çhama qua
miguel
de oliveira, e comtamdo eu este cazo a este
senhor
prezidemte
me dise, que se da emquesisão mandasem
hum precatorio que ele o prenderia logo,
e o
mandaria em hum navio prezo a esa sidade, VM por
serviso de
deos e de sua fee mostre estes dous capitolos ao
senhor prior e o senhor
simão lopes, e paresendolhe bem isto
que peso, mo mandem porque
logo o farei embarcar
e se ele, se çhamava la outro nome que não seja
miguel de oliveira, dira no precatorio que he hum homẽ
que em
lisboa se çhamava fulano, e que agora tem
por emformasão se çhama qua
miguel d oliveira
e çhamandose la
este mesmo nome, bem pode vir
direito, e por forsa ha de estar o seu nome na
emquesisão de
quamdo o prenderão. e vindo este
precatorio dira ao senhor
primeiro prizidemte e mais
senhores
prizidemtes, [fig7]
e as mais justisas da corrte de ruão, e asim o
precatorio como a sertidão que peso vira justificada
por joão
vel e luis godim e não por nenhũm
purtugues e
fasa VM isto como quem he pois he em
serviso de
noso senhor que se me ele der vida eu
farei que
nenhum judeu aja em fransa.
[fig8]
Barbara pimentel de leão