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Maarten Janssen, 2014-

CARDS0257

1822. Carta de Rodrigo da Fonseca Magalhães para José da Silva Carvalho, Ministro da Justiça.

ResumoO autor pede ao destinatário que aceite que ele deixe de conviver enquanto espião com os opositores ao regime constitucional.
Autor(es) Rodrigo da Fonseca Magalhães
Destinatário(s) José da Silva Carvalho            
De Portugal, Lisboa
Para Portugal, Lisboa
Contexto

Processo movido em 1822, na sequência da revolução liberal, aos protagonistas de uma tentativa contrarrevolucionária. O Diário do Governo dava conta, nestes termos, da forma como o evento foi compreendido pelo poder estabelecido (edição normalizada): «Acharam-se finalmente provas irrefragáveis da verdade com que o Ministro da Justiça expôs ao Soberano Congresso a necessidade de uma extraordinária autorização , que lhe foi concedida, para segurança pública e da Santa Causa da Pátria. Os malvados anarquistas e ambiciosos conspiradores maquinavam nada menos do que barbaramente ensanguentar a nossa feliz Regeneração, cobrir de luto a Pátria, depor o Rei e derribar as Cortes! Porém abortaram todos os seus nefandos projetos; descobriu-se a conspiração e na noite de um para dois do corrente foram presos pelo Corregedor da Rua Nova os principais instrumentos da conspiração, ao mesmo tempo em que da Imprensa da Rua Formosa, chamada a Liberal, iam levando para espalhar grande número de incendiárias e infames proclamações, nas quais, e no plano da conspiração dos cinco facinorosos já encarcerados, nos consta que pouco mais ou menos se continham estas desorganizadoras e horrorosas ideias: dissolver as Cortes atuais e convocar as antigas, com algumas modificações, tais como a de haver duas Câmaras, uma delas de membros hereditários e da primeira nobreza; depor o benéfico e magnânimo Rei , o Sr. D. João VI, que tanto de seu coração tem manifestamente aderido à causa da Constituição, e da Liberdade Nacional, e em seu lugar erigir o Sr. Infante D. Miguel à frente de uma regência composta de homens tão conspícuos e respeitáveis que fossem declarados inimigos do atual sistema que felizmente nos rege; assassinar alguns membros das cortes e do Ministério, daqueles mais conhecidos e abalizados por defensores dos direitos nacionais; em uma palavra, confundir toda a Nação na guerra civil, na desordem, no sangue e na anarquia, de que pudessem tirar partido os próprios malvados conspiradores e os outros, tão bons como eles, que provavelmente se virão a descobrir ligados na mesma trama [...]. Os presos 'atégora' são os constantes do Ofício e Lista seguinte:

"Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: - Não me sendo possível dar a V.ª Ex.ª um detalhe circunstanciado da diligência a que procedi na Tipografia da Rua Formosa, e pertencente a Januário da Costa Neves, por Ordem de Sua Magestade, para V.ª Ex.ª se dignar de lho fazer presente, eu o executo segundo as circunstâncias o permitem principiando por dizer que, dirigindo-me com os meus Oficiais e Tropa ao sítio referido, prendi em flagrante os indivíduos constantes da lista inclusa achando-lhes Proclamações incendiárias de que também envio um exemplar. E encaminhando-me a um subterrâneo, encontrei o 'typo' aberto e com todos os sinais evidentes de ali ali se terem impresso as sobreditas. Determinei depois que fossem recolhidos a segredo os presos, custodiados todos os efeitos e postos em boa arrecadação, tudo na presença de Oficiais de fé e tropa que ali conservo até ao dia de amanhã, em que projeto lavrar os Autos [...]. Feita esta diligência, fui ao Aljube, onde fiz a apreensão em todos os papéis relativos ao Padre Mestre Braga, a qual finalizada, passei a casa do preso Francisco de Alpoim e Meneses, onde pratiquei outro tanto. E por último, de acordo com o meu colega o Juiz do Crime do Bairro do Castelo, detalhei a prisão do Pagador do Regimento de Infantaria N. 16, Bernardino Rodrigues, a qual depois foi executada pelo referido Ministro com todo o zelo e atividade, não deixando 'cousa' alguma a desejar, terminando este ato com a busca que se lhe deu em sua própria casa e apreensão que se lhe fez nos papéis que lhe dizem respeito.

É o que por ora se me oferece pôr na presença de V.ª Ex.ª enquamto com maior vagar, e mais circunstanciadamente, o não posso fazer. [...] Lisboa 2 de junho de 1822. [...] O Desembargador Corregedor do Crime do Bairro da Rua Nova, José Joaquim Gerardo de Sampayo.

Lista: Francisco de Alpoim e Meneses, que se ocupa em tratar negócios de sua casa [...], Januário da Costa Neves, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Oficial da Secretaria Militar do Exército [...], Manuel Ferreira, criado de servir [...], João Rodrigues da Costa Simões, aprendiz de composição em uma 'typografia' [...]"» Diário do Governo, n.º 129 (Suplemento) 2 de junho de 1822.

Na sessão das Cortes de 13 de setembro de 1822 (Sessão n.º 464), deu-se conta de um Ofício do Ministro da Justiça em que se mencionavam várias decisões relativas à prevenção de iniciativas contrárias à 'causa da Regeneração' (transcrição modernizada): «havendo o Governo, pela repartição dos Negócios da Justiça, pedido ao Soberano Congresso em Ofício de 29 de abril, autorização para remover desta capital e de outras terras do Reino aqueles indivíduos que o Público declarava mais desafetos, opostos e perigosos à causa da Regeneração, e que aqui e em muitos lugares dos mais populosos se supunha terem concorrido para se levantarem tumultos e insinuado o seu desenvolvimento, obteve a concessão com reconhecido proveito. Mas não produziu esta medida tão repentinos efeitos, que evitasse inteiramente o mal que continuou, chegando a ponto de se descobrir a conspiração da Rua Formosa de um para dois de maio do corrente ano.

Em consequência desta descoberta, da exaltação que ela causou no Público, dos embaraços que prometia o seu processo, oficiou de novo o Governo, por a Secretaria da Justiça, pedindo ao Soberano Congresso alguma dispensação, se fosse necessária, em quanto ao período da devassa e à prolongação do efeito da medida da remoção dos indivíduos suspeitos, que fora concedida em o citado 29 de abril. Esta prolongação, bem entendida é, que só consistia na faculdade de demorar os indivíduos removidos nos seus novos destinos até que finalizasse o processo e acalmassem os espíritos inquietos com o perigo que estivera eminente. [...] Acabado pois de formar o processo, e parecendo ao governo achar-se restituída a tranquilidade que na maior parte alterada pelos indivíduos que se removeram, mandou logo restituir aos seus lares aqueles que uma imperiosa necessidade fizera retirar para diversos lugares deste Reino, e que não ficaram envolvidos neste processo logo que este findou [...].

[F]oram mandados regressar aos seus domicílios em plena liberdade todos os removidos à exceção daqueles que ficaram pronunciados, que foram mandados buscar presos, e já antes alguns tinham tido licença para regressar [...]»

Regressados

O Monsenhor José Maria Pinto de Morais Sarmento, o Padre Domingos do Rosário, João António Carreira, José Maria de Aguiar, João Pegado, Luís António de Araújo, Manuel Solitano de Figueira

Presos pronunciados

Joaquim Teles Jordão, António Duarte Pimenta, D. Gil Anes da Costa, Manuel de Freitas Paiva, António José da Costa Caeiro, José Joaquim Simões, António da Silva Malafaia. Diário do Governo, n.º 217 14 de setembro de 1822.

Suporte uma folha de papel dobrada, escrita nas três primeiras faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Fundo Feitos Findos, Processos-Crime
Cota arquivística Letra G, Maço 1, Número 31, Caixa 5, Caderno [36]
Fólios 22r-23v
Socio-Historical Keywords Raïssa Gillier
Transcrição Cristina Albino
Revisão principal Rita Marquilhas
Contextualização Cristina Albino
Modernização Raïssa Gillier
Anotação POS Raïssa Gillier
Data da transcrição2007

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Illmo e Exmo Snr

Tenho a honra de participar a V Excia que hoje fui a casa do Neves ás 11 da manhãa, e ali achei o padre Rebello, que me olhou com demasiada attenção, e fez ao primeiro acenos cuja significação eu não pude entender. Não me foi portanto possivel entrar no conhecimento do projecto em que o dito Neves e Alpoim estão de mandarem imprimir huma proclamação; digo da hora que escolhem para isso; pois ja resolverão não imprimir, por muito longo, o Dialogo das Estatuas. He verdade que hontem me assegurarão que se imprimiria de hoje para amanhãa; mas podia haver qualquer motivo que obstasse a isso.

Tencionei pois voltar ao anoitecer; e assim o fiz. Achei Neves, que me disse não ser possivel fazer-se esta noute mais do que a composição, por não haver tempo bastante para o resto; e que disto mesmo ja tinha dado parte a Alpoim, o qual conviera em differir a impressão para amanhãa á noute. Eis aqui o estado deste negocio, que na verdade entendo não se dever deixar progredir; e sobre isto peço a V Excia licença para fazer algumas observações.

Não creio, por muitas razões, que estes homens tenhão segurança de que eu coopero efficazmente para o fim que elles se propõem. Tem-me pedido que alicie gente, o que eu não não farei de maneira alguma, mas até me opporei sempre a que elles proprios o fação como até hoje tem soccedido; pois ainda Alpoim e Neves me não fallarão em homem, que chamar (e muitos hão sido) de que eu lhes não tenha feito a mais ruim pintura: ja attribuindo-lhe máo caracter, ja inconstancia e falta de segredo; conhecido liberalismo etc succedendo dizer eu isto ou de pessoas que inteiramente desconheço ou de algumas que tenho por mui dignas.

Neste estado de violencia em que me acho, e que mal soffro, eu mesmo me vejo compromettido por mais de huma razão temo vir a ser descuberto como falço adherente ao indigno sistema dos facciosos. Não temera eu o mal, que disso me pode resultar, se delle proviesse alguma utilidade á causa publica.

Na verdade eu julgo que ha combinados para a execução alguns homens (não muitos;) o que de proposito se me occulta; mas não tenho esperança de os vir a conhecer, porque como ja disse, não alicio ninguem; e huma activa aliciação me poderia acreditar aos olhos dos conspiradores. Sendo isto assim, creio não dever continuar em minhas observações, porque nada addiantarei. Alem de que o tempo que se da a estes desgraçados serve de augmentar o numero dos criminosos (porque apezar da minha opposição, elles hão de aliciar quem puderem) e de aggravar com crimes novos, e de cada vez maiores a situação desditosa dos que se tem declarado chefes de rebelião.

A Justiça e a humanidade imperiosamente ordenão que se atalhe o progresso do mal. Eu não tenho cessado de affligir-me por ver como estes miseraveis correm ao precipicio. He-me violentissimo ouvir de continuo os discursos mais absurdamente atrozes, e os planos mais infames, e crueis.

V Excia terá a bondade de desculpar a minha ousadia; mas no estado em que me acho, julgo poder dizer os meus sentimentos; porque he necessario soffrer o que eu soffro para avaliar-se o quanto importa pôr termo a tantos males.

Rogo a V Excia que tenha a bondade de levar esta participação á Presença de S Magde se assim o tiver por conveniente, para que o mesmo Senhor determine o que for servido. Ds Gde A V Excia por muitos annos Lisboa 31 de Maio de 1822

Illmo e Exmo Snr José da Silva Carvalho Rodrigo da Fonseca Magalhães

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